
A publicação da regulamentação do Banking as a Service (BaaS) pelo Banco Central (BC) pode ser considerada um ponto de inflexão para esse mercado no Brasil. Para entidades e especialistas do ecossistema financeiro, o setor passa a ter maior clareza regulatória, premiando maturidade e governança das instituições. Na prática, a “régua” sobe, o que aumenta o padrão de qualidade. Vislumbra-se também um movimento de consolidação, em meio ao desenvolvimento da indústria. Alguns players de infraestrutura financeira, inclusive, já vêm se mexendo em fusões e aquisições.
“Eu acredito que o mercado vai passar por uma consolidação. A gente já vê esse movimento acontecendo”, afirma Doug Storf, CEO da Swap e diretor-presidente da Associação Brasileira de Banking as a Service (ABBaaS), ao Finsiders Brasil.
Ele aponta três vetores que empurram nessa direção: a demanda de clientes por “provedores mais robustos”, a busca do regulador por players com mais capital e governança, e a preferência de investidores por “plataformas mais consolidadas”. “É natural esse movimento. Nem todo mundo vai sobreviver”, avalia.
A própria Swap considera o crescimento inorgânico, Doug admite. “Existem oportunidades no mercado que requerem mais capital do que talvez tenhamos disponível. Nessa situação, faz sentido a gente fazer uma captação para projetos específicos”, diz o CEO, sem revelar detalhes.
Segurança jurídica
Em nota, a ABBaaS classificou o novo marco como “um passo fundamental” para o setor. A entidade destacou que a norma “consolida entendimentos construídos ao longo do diálogo contínuo com o setor, trazendo maior segurança jurídica, padronização e, fundamentalmente, premiando a maturidade e o investimento em governança dos players mais estruturados”.
A associação chamou atenção para pontos que considera centrais na regulação, entre eles “a clareza nos papéis e responsabilidades” e “a vedação de subcontratação de atividades-chave”. Para a ABBaaS, essas diretrizes refletem a preocupação do Banco Central em “fortalecer o ecossistema”, ainda que impliquem custos adicionais. De acordo com a entidade, os ajustes são um movimento “natural e bem-vindo, que eleva o padrão de qualidade e protege todo o sistema”.
A entidade afirmou, ainda, que vai liderar o acompanhamento da implementação da norma, com “análises técnicas” e atuação como “ponte entre suas associadas e o regulador”. O objetivo, assim, é garantir uma transição que reforce o Brasil como ambiente de negócios “inovador, competitivo e seguro para o avanço dos serviços financeiros”.
Para a Zetta, que representa alguns dos maiores bancos digitais e fintechs do País, as regras de BaaS “asseguram a robustez do mercado, estimulam a competição e fornecem definições claras de responsabilidades”. Demostram, ainda, o compromisso do regulador com a “segurança e o fortalecimento do segmento”. Em nota, a entidade cita também a vedação à oferta de modalidades de contas incompatíveis com a regulação. É o caso de “contas bolsão“, usadas em práticas irregulares.
“Ao estabelecer requisitos mínimos de controle e monitoramento, a norma garante que o processo de democratização de acesso a serviços financeiros ocorra de uma forma que estimule a proteção e a transparência aos usuários, criando um cenário propício de inovação e competição com diligência e responsabilidade”, afirmou a Zetta.
Responsabilidades
Para o advogado e professor Aylton Gonçalves, consultor jurídico e regulatório da GMS, as prestadores do serviço de BaaS passam a ter “responsabilidades substanciais em comparação às tomadoras”. Isso “mesmo no caso em que estas últimas também sejam instituições autorizadas a funcionar pelo BC”. Além de reforçar cuidados com controles internos, a norma obriga as prestadoras a um monitoramento adicional na sua base de clientes.
Pedro Branco, sócio e responsável por Finanças (Chief Financial Officer, CFO) do Silva Lopes Advogados, também considera uma mudança relevante no desenho de responsabilidades dentro das estruturas de BaaS. “Além disso, observamos uma atribuição expressa de responsabilidades às instituições prestadoras do serviço”, afirmou ele, em nota. Essas instituições passam a ser expressamente obrigadas à implementação de políticas, procedimentos e controles relacionados à Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), prevenção à fraudes e de identificação e classificação dos clientes, disse Pedro. Isso “vai demandar uma certa expansão operacional das entidades que atualmente terceirizam essas responsabilidade”.
De acordo com o especialista, esse reforço na responsabilização direta das prestadoras tende a acelerar a profissionalização dos arranjos de BaaS. Pressiona, assim, estruturas mais frágeis ou excessivamente terceirizadas. Ao mesmo tempo, cria um horizonte claro para revisão contratual e adequação dos modelos de negócio.