COMBATE A FRAUDES

Identidade digital tenta conter "crise de confiança"

Para especialistas, combinação de diferentes métodos de autenticação e dados é uma das saídas para enfrentar a escalada de golpes no setor financeiro

Carlos Oliveira/ABFintechs, Emmanuel Longa/idwall, Fernanda Gagliardi/Stone e Rodrigo Moreira/Neoway
Carlos Oliveira/ABFintechs, Emmanuel Longa/idwall, Fernanda Gagliardi/Stone e Rodrigo Moreira/Neoway | Imagem: Danylo Martins

Em meio à escalada de golpes e fraudes no setor financeiro, especialistas são unânimes: a biometria não resolve todos os problemas. É preciso recorrer a múltiplos métodos de autenticação, assim como combinar diferentes tipos de dados. O avanço da identidade digital no Brasil também é apontado como positivo para reforçar a segurança das transações e do sistema financeiro como um todo.

O movimento ocorre num momento de “crise de confiança” entre empresas e pessoas, apontou Rodrigo Moreira, vice-presidente de Produtos da Neoway, durante evento da ABFintechs na quarta-feira (16/7). A Neoway é uma empresa de data analytics e Inteligência Artificial (IA) comprada em 2021 pela B3. “E acho que isso tem causado diversos problemas em jornada”, disse o executivo.

Ele deu como exemplo desafios para a compra de passagem aérea. “Se você compra a sua [passagem], já é um problema. E se precisa comprar para marido e filhos, esquece. Chega no final, dá um erro de cartão e você tem que repetir tudo. Nesse ponto, a ID digital é a infraestrutura que vai tocar exatamente nesse ponto de melhoria da confiança, se ela for bem implementada.”

Para o executivo, o problema da identidade digital é que ela ainda se restringe a dados estruturados, por exemplo, CPF, e-mail e senha. “E boa parte disso é público hoje em dia”, disse. Rodrigo defendeu uma evolução para o modelo de identity graph, combinando dados não estruturados (como vídeos, fotos, áudios), comportamentais (por exemplo, histórico de compras e navegação em sites e apps) e até transacionais. “É assim que a identidade deixa de ser estática e ganha vida.”

Biometria com dias contados?

Na visão de Fernanda Gagliardi, gerente de Prevenção à Lavagem de Dinheiro da Stone, o uso da identidade digital é peça importante na prevenção à lavagem de dinheiro. Porém, de forma isolada, é insuficiente. “A identificação digital mitiga, mas não resolve”, disse. A executiva destacou que o recurso é “muito pertinente” no processo de abertura de contas e onboarding de clientes, mas precisa ser usado de forma adequada.

Para Emmanuel Longa, responsável por Soluções de Negócios da Idwall, estamos vivendo os “dias contados” da biometria como método único de autenticação. Ele explicou que tecnologias como deepfakes já conseguem burlar sistemas faciais, e defendeu o uso combinado de fatores como validação de dispositivos, geolocalização e padrões comportamentais. “Precisamos orquestrar tecnologias e soluções que permitam oferecer uma experiência agradável para o usuário, mas mantendo ele protegido dentro desse cenário que muda constantemente.”

O debate também abordou o controle da identidade digital. Atualmente, as empresas detêm os dados dos usuários e podem modelar as informações para construir seus scores, sem que as pessoas saibam. “Então, como é que eu, como cidadão, vou conseguir influenciar nessa jornada? Esse é um risco para o futuro”, questionou Rodrigo, da Neoway. Por outro lado, dar ao cidadão o controle total de sua identidade, como propõe o modelo descentralizado com a Web3, também pode gerar distorções, segundo ele: “Quem vai querer compartilhar que está respondendo a um processo criminal ou dizer que está no quadro societário de uma empresa de fachada? Então, acho que vamos viver um dilema.”

Futuro da identidade digital

Para o futuro, os painelistas apostam em uma combinação de infraestrutura pública, inovação privada e regulamentação. Os executivos concordam que a ausência de padronização e interoperabilidade entre sistemas dificulta a adoção em larga escala da identidade digital. Fernanda, da Stone, defendeu uma abordagem regulatória que envolva o mercado desde o início, por meio de consultas públicas. “Isso já acontece no setor bancário”, citou ela.

Já Rodrigo, da Neoway, ressaltou o papel da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como balizador do uso de informações pessoais. “Acho que estamos caminhando para um aparato regulatório que está obrigando as empresas a olhar para isso [utilização dos dados]. Mas também acho que a gente não pode inibir a inovação”, afirmou o executivo.

Para Emmanuel, da idwall, o Pix é um ótimo exemplo de iniciativa que combinou infraestrutura pública, regulamentação e inovação. “E fico muito animado com o Drex que está vindo aí. Ele vai viabilizar a digitalização de diversos tipos de atividades e trocas, assim como cases de identidade digital”, disse ele.