Momento é bom para M&A, mas tem gente que ainda não quer rever preço

Cenário de M&A traz oportunidades e fundos já entenderam necessidade de fazer 'down rounds', mas fundadores ainda resistem

O atual cenário de restrição de capital abriu uma janela para que empresas com caixa cheio como Locaweb e Totvs façam fusões e aquisições (M&A). Mas nem todo mundo entendeu que é preciso revisar os valuations para se adequar ao novo cenário. “Tem ainda uma certa arrogância”, disse Fernando Cirne, presidente da Locaweb, durante painel na abertura do Innovation Pay, em São Paulo, evento que contou com apoio do Finsiders.

Cirne contou que a companhia encerrou recentemente duas operações por não ter chegado a um entendimento sobre o preço do acordo. Pouco tempo depois, uma das empresas procurou a companhia de novo afirmando que, caso não fosse comprada, iria quebrar. “Colocou o salto alto, recusou a nossa oferta, daí deu errado a rodada, ele queima caixa e agora vem bater na porta desesperado pra gente comprar? Tem alguma coisa errada”, contou.

Segundo ele, essa “arrogância” tem sido sentida mais do lado do fundadores do que dos investidores. “[Os fundos] já entenderam que o jogo segue, mas tem muito fundador que ainda que o valuation é tantas vezes receita. Isso irrita profundamente. Não existe múltiplo de receita”, disse ele, reforçando que a única forma de avaliação de um negócio é a análise das projeções futuras trazidas a valor presente, o bom e velho fluxo de caixa descontado (DCF).

Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs, acrescentou que o múltiplo de receita foi uma métrica criada para fazer a avaliação de empresas fo cadas em crescimento e que estavam indo para a bolsa mesmo apresentando prejuízo. “Há 20, 15 anos, no check-list do IPO, o primeiro item era lucro. Não tem lucro, não está qualificado. Mas toda situação mudou com juros zero e empresas sem lucro, ou previsão de lucrar em 10 anos, abrindo capital. Daí como faz o cálculo? Sempre foi o preço sobre o lucro. Então foi obrigado a criar o múltiplo de receita”, contou.

De acordo com executivo, os fundos já perceberem que é mais interessante neste momento fazer rodadas que avaliem as companhias de seu portfólio a valores menores, e, consequentemente, joguem o seu retorno para baixo, mas que, ao mesmo tempo, abrem a possibilidade de ter múltiplos melhores, com possibilidade de retornos melhores mais à frente.

“Agora se percebe que a mudança no cenário de juros e disponibilida de recursos não vai ser rápida. Vai demorar um bom tempo ainda, o que faz com que para nós que temos condição de balanço e caixa positivo, esse momento se torne positivo para continuar na estratégia de M&A, principalmente para empresas que não são listadas”, disse.

Still standing

Integrantes do que pode ser considerada a “velha guarda” do mercado de tecnologia, Locaweb e Totvs seguem firmes e fortes mesmo com as diversas ondas de startups que surgiram nos últimos tempos – e mesmo diante do cenário de retração nos preços das ações dos últimos meses.

De acordo com Dennis, a Totvs nunca teve a possibilidade de trabalhar apenas com a ideia de crescimento como as startups fizeram nos últimos tempos. Sempre foi obrigatório avançar e apresentar rentabilidade. “Então quando o cenário muda, pra gente não é algo importante. Pode ter que apertar mais um botão no cinto, mas a princípio, ele já estava justo”, brincou.

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Fernando foi na mesma linha destacando que a Locaweb nunca perdeu dinheiro em seus 24 anos porque soube mudar ao longo do tempo e crescer com sustentabilidade. Sobre as startups, ele dividiu o momento atual em duas categorias de “sofredores”: os inconsequentes, que contraram antes da hora, erraram a mão na velocidade, e os que não estão conseguindo tocar seus planos. “É duro isso, ninguém gosta de fazer demissão. Mas tem gente que sofre não por incompetência. Tem gente boa que, por não ter disponibilidade de recursos, o mercado não consegue suportar uma boa ideia”, disse.

2023

Os dois executivos disseram que têm perspectivas positivas para o Brasil para 2013 – ressaltando que isso não tem nada a ver com preferências políticas, mas olhando apenas só questões econômicas. ” O Brasil andou na frente do resto do mundo. O Banco Central aumentou os juros antes. Enquanto os países desenvolvidos continuam subindo e o nosso já parou e deve cair. As commodities estão valorizadas. A dinâmica da economia é diversificada. Estou confiante que 23 será um ano bom. Pelo menos para o Brasil”, disse.

Cirne destacou comio uma tendência importante a digitalização, principalmente daquelas empresas que, mesmo com o impulso da pandemia, não fizeram esse processo. “O e-commerce ainda tem uma baixa penetração no Brasil, e as empresas precisam ajudar nesse processo”, disse. Ele destacou, no entanto, que fazer isso não será barato. “Há uma pressão de aumento do custo de aquisição [de clientes] (CAC) para fazer essa digitalização”, completou.

*Este conteúdo foi originalmente publicado no Startups.

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