“Atrás de uma montanha, sempre tem outra montanha (…) Em breve, novidades”. Assim escreveu Paulo David em um post recente no LinkedIn, deixando um ar de mistério sobre sua nova empreitada, a terceira do advogado de 33 anos que fundou a Biva — fintech de empréstimo peer-to-peer (P2P lending) vendida em 2017 para a PagSeguro — e a Grafeno, fintech de infraestrutura para o mercado de crédito, da qual ele ainda é sócio.
Na semana passada, em outra publicação na rede social, Paulo acabou com o “mistério”. Ao lado de João Pirola, Eduardo Tang e Rodrigo Sousa (todos ex-Grafeno), o empreendedor acaba de lançar a AmFi, fintech de infraestrutura de crédito baseada em tecnologia blockchain. A notícia é do Finsiders.
“Enxergamos que o mercado de capitais brasileiro e latino vai transitar para a blockchain nos próximos anos, mas não significa que vai haver uma ruptura. A gente integra e interopera, ajuda na transição entre o mundo centralizado para o descentralizado, de forma segura”, explica Paulo, em entrevista ao Finsiders, a primeira concedida por ele para comentar sobre a iniciativa.
Hoje, para financiar as operações de crédito, as fintechs precisam recorrer a estruturas e veículos de mercado de capitais, como fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) ou debêntures.
“As fintechs já originam digitalmente, mas a distribuição para mercado de capitais ainda acontece manualmente e de maneira burocrática. Nós simplificamos e transformamos isso em código, num processo online e digital, usando a blockchain como infraestrutura por trás disso tudo porque é mais auditável, transparente e imutável.”
A AmFi conecta as fintechs que atendem PMEs a investidores institucionais, por meio de liquidity pools (pool de liquidez), financiados por stablecoins, e que têm como garantia ativos financeiros tradicionais — por exemplo, Cédulas de Crédito Bancário (CCBs), duplicatas ou recebíveis de cartões e, em breve, notas comerciais. As transações ocorrem por meio dos chamados smart contracts (contratos inteligentes) e rodam na plataforma blockchain Avalanche.
“Pegamos as melhores práticas do mercado de capitais e criamos dezenas de parâmetros, como características da operação, taxa de juros, concentração máxima por setor, entre outros, e a fintech decide quais utilizar”, explica João. “Em paralelo, criamos o pool de liquidez no modelo SPV [veículo de propósito específico], dentro da legislação existente.”
Os empreendedores enxergam o blockchain como a evolução natural do sistema financeiro. “Estamos montando uma plataforma para que fintechs possam construir produtos na blockchain, com um processo 10x mais rápido e 3,5x mais barato que os processos tradicionais.”
Neste momento, a AmFi está rodando seu MVP com oito empresas de diferentes segmentos, como mercado imobiliário, energia solar e outros. Por contrato, os nomes ainda não podem ser revelados. A expectativa é encerrar este ano com cerca de 30 operações envolvendo fintechs, movimentando mais de US$ 170 milhões até o fim de 2023.
Para suportar o estágio inicial do negócio — hoje com 11 pessoas, incluindo os sócios-fundadores —, a fintech está levantando uma primeira rodada de investimento, com intenção de captar cerca de US$ 1 milhão nos próximos meses.
Mercado
A AmFi não é a única a tentar desbravar o potencial do blockchain e das finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês) para o mercado brasileiro. A fintech belga Credix, que desembarcou no Brasil em dezembro de 2021, construiu um marketplace que opera com DeFi para oferecer uma alternativa de financiamento às fintechs de crédito junto a investidores globais.
No anúncio de sua chegada ao país, a empresa divulgou um aporte de US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 14,2 milhões, no câmbio da época). Entre as fintechs que já utilizam a solução estão nomes como a55, Adiante e Provi.
Não faltam pesquisas e projeções sobre o potencial do blockchain nas finanças. Dois relatórios publicados no início do ano, um da gestora de ativos digitais Hashdex e outro do Inter, dão alguma cor sobre o tamanho da oportunidade. De acordo com o Gartner, 20% das grandes organizações usarão moedas digitais para pagamentos, armazenamento de valores ou como garantia até 2024.
Já uma pesquisa feita no ano passado pela gestora Fidelity mostrou que sete em cada dez investidores institucionais pretendem investir em ativos digitais no futuro. Nos EUA, conforme o levantamento, 47% dos family offices já têm investimentos em ativos digitais.
Ainda assim, mesmo com tamanho potencial, o mercado cripto de maneira geral vem passando por uma crise dramática. Apesar disso, os empreendedores estão otimistas. “No final do dia, o mundo olha para a tokenização com bons olhos. Vamos dar a mão para o mercado de capitais evoluir e se integrar com esse novo mundo. Temos plena convicção de que acertamos o timing”, dizem. Se acertaram ou não, só o tempo e o próprio mercado irão dizer.
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AmFi é um acrônimo para Amphibious Finance, uma inspiração oriunda do reino dos anfíbios, composto por seres que vivem entre o meio aquático e o ambiente terrestre, ou seja, a transição entre dois mundos. No caso da fintech, entre as finanças tradicionais ou centralizadas para as finanças descentralizadas.
Finsiders é uma plataforma de conteúdo especializada no ecossistema de fintechs, fundada pelo jornalista Danylo Martins