
O Brasil tem capital humano, capacidade criativa, instituições sólidas e habilidade de articulação internacional para ocupar um lugar de liderança na nova economia global. A opinião é do presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, que escreveu com Izabela Correa, diretora de Cidadania e Supervisão de Conduta do BC, o prefácio do recém-lançado livro “Uma Nova Economia Chamada Brasil“.
A obra escancara uma narrativa que, para quem cobre esse setor de perto, soa familiar: o Brasil já não é só o “país do futuro”, mas um laboratório vivo de soluções digitais que nascem tropicais e desafiam padrões globais. O Pix talvez seja o exemplo mais evidente. Criado pelo BC e lançado em 2020, virou em pouco tempo não apenas o meio de pagamento mais popular do País, mas também um símbolo da capacidade de articular inovação com inclusão. O que os artigos mostram, no entanto, é que o Pix não é apenas uma inovação de produto, e sim a base de um novo modelo de infraestrutura pública digital (IPD), capaz de conectar diferentes players e reduzir fricções históricas.
O livro mostra que o Brasil já deixou de ser apenas laboratório para se tornar vitrine. A nova economia chamada Brasil é mais do que um conjunto de soluções digitais: é a tradução, em código e em prática, de um país que aprendeu a reinventar-se de dentro para fora. O próximo passo, talvez o mais desafiador, é transformar esse repertório em política de Estado, em estratégia de nação. Porque só assim deixaremos de ser o país das promessas para sermos, de fato, o país das entregas.
Os “trilhos”
Ler sobre as IPDs é revisitar um tema recorrente na cobertura de mercado, mas aqui com uma clareza rara: são os “trilhos” sobre os quais toda a nova economia se move. O Pix, o Open Finance, o Drex ainda em fase piloto, todos revelam uma mesma aposta: a de que o Estado, quando atua como plataforma, pode ampliar inclusão, induzir competição e estimular produtividade. Essa lógica de interoperabilidade e padrões abertos é o que reposiciona o Brasil na dianteira de uma agenda global.
Mas essa história não se limita às inovações estatais. Os artigos sobre a reinvenção dos bancos tradicionais mostram como a pressão do digital exige mais do que tecnologia: impõe uma mudança cultural. A competição não é mais sobre capilaridade física, mas sobre a capacidade de entregar experiências personalizadas, decisões em tempo real e integração com ecossistemas abertos. Bancos que antes ditavam as regras agora disputam espaço com fintechs, startups e até empresas de varejo que incorporam serviços financeiros aos seus negócios. É a lógica das finanças embarcadas, que deixam de ser tendência e passam a ser destino competitivo.
Esse movimento, de certo modo, reconfigura a própria economia real. Quando um supermercado, um aplicativo de transporte ou uma plataforma de e-commerce oferece crédito, pagamentos ou seguros dentro da jornada do cliente, ele não apenas diversifica receitas. Ele transforma a forma de produzir, consumir e investir. Estamos diante de uma descentralização prática do sistema financeiro, em que as fronteiras entre banco e empresa se tornam cada vez mais porosas.
A tokenização, tema central de outra leva de artigos, aparece aqui como promessa e dilema. De um lado, casos reais no agro, no mercado imobiliário e no crédito privado mostram que já estamos além do hype. Do outro, persistem os gargalos de liquidez secundária, interoperabilidade e custos regulatórios que travam a escala. A narrativa dos autores é franca: nem tudo que pode ser tokenizado deve ser. É preciso disciplina de mercado, padronização contábil e segurança jurídica para que fundos e ativos tokenizados deixem de ser experimentos isolados e se consolidem como padrão operacional.
Compliance e integridade
Nesse ponto, chama a atenção a ênfase na confiança. Compliance e integridade aparecem como infraestrutura invisível, mas indispensável. Sem confiança, não há liquidez, não há investimento, não há escala. É um aprendizado que o setor financeiro brasileiro conhece bem. Mas que ganha novos contornos em uma economia cada vez mais digitalizada, sujeita a riscos cibernéticos, fraudes sofisticadas e assimetrias de informação. Aqui, mais do que nunca, confiança se converte em ativo econômico.
Ao lado disso, emerge uma agenda de diversidade que não pode ser tratada como apêndice. O argumento é direto: a nova economia brasileira só será realmente nova se for diversa. Persistem números incômodos, como o baixo volume de capital destinado a empreendedoras mulheres — e, em especial, mulheres negras. A diversidade, como lembram as autoras, não é pauta de responsabilidade social, mas de performance e competitividade. Ignorá-la significa abrir mão de crescimento, inovação e eficiência.
Outra camada que não pode ser ignorada é a das conversas. Num país em que mais de 98% da população tem WhatsApp, a interface entre clientes e empresas se dá cada vez mais pela mensageria digital, potencializada por Inteligência Artificial (IA). Esse detalhe, que poderia parecer periférico, na verdade revela muito: o Brasil é um país conversacional. Isso muda a forma como bancos e fintechs se relacionam com clientes, como vendem produtos, prestam serviços e constroem confiança. A mensagem aqui é, mais uma vez, bem clara: quem não se adapta ao “país da mensagem” corre o risco de perder relevância.
Obra coletiva
A leitura integrada desses artigos, portanto, revela um Brasil que já opera parte do futuro que o mundo deseja. Somos referência em inclusão financeira digital, temos uma matriz energética limpa e uma bioeconomia com potencial global, cultivamos polos de inovação distribuídos que vão de São Paulo à Amazônia. Mas essa narrativa otimista só se sustentará se conseguirmos institucionalizar o que já funciona. A grande lição do livro é essa: a inovação brasileira precisa deixar de ser coleção de casos para se tornar estratégia de país.
Isso significa compromissos práticos: governança aberta para infraestruturas digitais, regulação proporcional como regra, liquidez e educação para ativos tokenizados, confiança e segurança como padrão, diversidade como motor de eficiência. São pontos que não soam como slogans, mas como agenda concreta.
O livro é uma coletânea de artigos escritos por mulheres que lideram a agenda financeira e tecnológica no País. As coordenadoras — Jihane Halabi, sócia fundadora do Halabi Advogados; Bianca Lopes, cofundadora da Talle; e Vanessa Butalla, vice-presidente jurídica e de compliance do Mercado Bitcoin — mostram como essas infraestruturas permitiram ao Brasil exportar modelos de inovação. O resultado é um panorama que evidencia a maturidade do ecossistema e aponta seus próximos desafios.