Hoje, após um adiamento de dois meses, finalmente estreia o Open Banking no Brasil. A partir de agora, os participantes* do sistema financeiro precisarão tornar públicas todas as informações sobre seus produtos e serviços. Com isso, especialistas já preveem uma proliferação de aplicativos para comparar o que os bancos e fintechs oferecem, e assim ajudar os clientes a tomar decisões e trocar de instituição, se for o caso.
Presidente do BC dá o pontapé inicial às 11hs; abra e assista a live
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Netto, fala sobre o início desse importante marco que promete revolucionar o sistema financeiro brasileiro.
O evento será transmitido pelo Canal do Banco Central no YouTube.
“O Open Banking incentivará a inovação e tende a intensificar as ofertas de valor para os clientes, com novos produtos e serviços, acelerando a transformação digital do mercado financeiro. A expectativa do setor bancário com a sua chegada é bastante positiva”, disse Isaac Sidney, presidente da Febraban, em nota.
Apesar desse otimismo expressado pela Febraban, o prognóstico para os ‘incumbentes’ pode não ser tão favorável. A consultoria Roland Berger previu em um estudo divulgado no ano passado que o impacto negativo na receita dos bancos deve chegar a R$ 110 bilhões. Segundo a empresa alemã, “novas ofertas integradas emergirão, aumentando a concorrência e dando ao cliente capacidade para escolher como, onde e por quem quer ser servido”.
Além da concorrência de bancos digitais e plataformas de open banking no Brasil, a consultoria também aponta para a concorrência internacional.
É exatamente com esse aumento da concorrência que o BC conta para baixar as taxas de juros e democratizar o crédito e elevar o índice de bancarização no país. Até o final deste ano, o objetivo do Open Banking é dar aos clientes todo o poder sobre seus dados pessoais e informações financeiras.
Em tese, com maior controle sobre seus dados, os clientes vão poder “carregá-los” de um banco ou fintech a outro, para barganhar taxas e condições melhores de financiamentos e investimentos.
Até agora, esses dados estão confinados nos bancos dos quais são clientes, por falta de uma infraestrutura e de um marco regulatório que obrigasse o compartilhamento.
As regras estão aqui e aqui. E a infraestrutura usada são as APIs (interfaces de programação de aplicações), que fazem a conexão entre as instituições participantes e permitem a troca de informações entre elas de uma maneira padronizada. Nos últimos dois anos, muitas fintechs brasileiras vem se especializando nisso. Guiabolso foi o pioneiro, e depois surgiram outras voltadas para pessoas físicas, como a Bit Capital, que usa blockchain, e foi comprada pela Ame, da Americanas, no final do ano passado. Já a Stark Bank se especializou em API de Open Banking para empresas.
Rafael Stark afirma que os clientes da sua fintech podem operar a conta bancária de dentro do ERP, Excel, Google Sheets, Web Banking ou do próprio sistema da empresa. “Com isso, podem automatizar toda a área financeira, aumentando a produtividade do time, simplificando conciliação, dando visibilidade do fluxo de caixa, além de eliminar operações manuais, erros e fraudes. Assim, empresas conseguem realizar grandes volumes de transferências, pagamentos e boletos, sem gargalo operacional”, diz Stark.
E, como previu a consultoria Roland Berger, mais recentemente fintechs estrangeiras de Open Banking, como a espanhola Belvo, também vem conquistando clientes por aqui.
Na semana passada, Albert Morales, diretor geral da Belvo, disse em uma live promoviada pelo site Seu Crédito Digital que hoje em dia os gastos com cartões de crédito dizem mais sobre os hábitos de um consumidor do que suas buscas no Google. Ou seja, os dados financeiros de uma pessoa são ativos muito valiosos. Para ele, Open Banking é apenas a ponta de um iceberg: “Logo veremos Open Telecom, Open Insurance, enfim, Open Data no sentido amplo”.
Desafios legais e operacionais
Apesar do otimismo do Banco Central e dos players que se prepararam para surfar a novidade, existem desafios a serem superados para que o Open Banking cumpra o papel para o qual foi criado. O desconhecimento do público em geral é um deles. A falta de acesso geral e irrestrito à internet é outro.
De acordo com uma pesquisa da Opinion Box sobre Tendências no Segmento de Pagamentos Digitais: PIX e Open Banking, encomendada pela PayPal, 5 em cada 10 entrevistados nunca ouviram falar no termo. Apenas 22% disseram “conhecer pouco” ou “conhecer bem” o assunto.
Uma em cada 4 pessoas no Brasil não tem acesso à rede mundial de computadores, o que significa 46 milhões de pessoas sem conexão. “É, praticamente, uma Espanha inteira fora do sistema”, calcula Carlos Kazuo Missao especialista em Open Banking e PIX e diretor da GFT Brasil, multinacional de tecnologia para o setor financeiro.
Há, também, questões legais relativas ao sigilo dos dados, garantidos pela nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) que entrou em vigor no ano passado. Todos os setores envolvidos precisarão de inteligência para atender aos requisitos do Open Banking sem incorrer nos grandes riscos jurídicos impostos pela LGPD.
“Além de integrar as aplicações de atendimento com as retaguardas de dados e recursos operacionais, as empresas precisarão de estratégias para gerir complexas regras de permissão e gestão de dados de terceiros”, diz Carlos Flávio de Souza, diretor de tecnologia e inovação da Flexdoc, com sede em Brasília. Através de sua plataforma de processamento por imagem, a Flexdoc extrai, captura, valida e executa cheques e documentos para bancos, governos, seguradoras, universidades, varejo e serviços.
Um estudo da EY que Fintechs Brasil divulgou em meados do ano passado, Open Banking Opportunity Index, aponta para o mesmo problema. Segundo Rafael Dan Schur, sócio de consultoria para o mercado financeiro da EY, estamos ainda bastante atrasados em potencial de adoção: ficamos na sétima posição do ranking geral medido pelo estudo..
“Para melhorarmos essa posição, o avanço da regulamentação precisa ser acompanhado por melhorias de infraestrutura e também por ações que aumentem a confiança do consumidor”, diz Schur. “O que empurra o Brasil para baixo em potencial de adoção é, sobretudo, a falta de acesso à infraestrutura necessária para o uso de open banking por uma grande parcela da população.”
Quatro fases
Na sexta-feira, a Febraban divulgou um texto resumindo o cronograma do Open Banking , que terá quatro fases de implementação até o final de 2021.
– Na primeira fase (1/2), os participantes deverão começar a divulgar informações de seus produtos e serviços e as características de seus produtos financeiros (número de agências, endereços, telefones, produtos e serviços oferecidos aos clientes, assim como taxas e tarifas cobradas). Os dados ficarão disponíveis publicamente para consultas e empresas terceiras poderão desenvolver aplicativos que façam comparações entre as instituições participantes
– Na segunda fase (15 de julho) poderão ser compartilhados dados de clientes entre os participantes (informações de cadastro, de contas e operações de crédito). O compartilhamento das informações só poderá ocorrer com a autorização expressa do cliente. A troca de informações permitirá que o consumidor receba propostas financeiras de outras instituições, simulações de empréstimos e financiamentos entre diferentes participantes do sistema, ampliando assim, suas opções de escolha
– A terceira fase (30 de agosto) se refere aos serviços de iniciação de transação de pagamentos – nesta etapa deverão surgir serviços que possibilitem ao cliente fazer uma transferência ou um pagamento fora do aplicativo bancário ou do internet banking
– A quarta fase (15 dezembro) ainda em debate entre os participantes, se refere ao compartilhamento dos demais dados de produtos e serviços e de transações feitas pelos consumidores, como de operações de câmbio, investimentos, seguros e contas-salário
Mil e uma oportunidades
O Open Banking é um modelo de serviço que permite que os clientes solicitem o compartilhamento de seus dados pessoais e bancários com terceiros, de forma segura e digital, mediante sua expressa autorização. As informações podem ser usadas para oferecer ao consumidor melhores ofertas de produtos e serviços personalizados e com melhores custos.
Com o Open Banking, por exemplo, o consumidor poderá conectar sua conta bancária a um aplicativo que analisará sua vida financeira, resultando em sugestões de investimentos ou até mesmo na recomendação de produtos e serviços mais personalizados e com condições de custos que melhor se adaptem à sua necessidade.
Outra possibilidade trazida pelo Open Banking é reunir em um único aplicativo as informações de contas em diferentes instituições, proporcionando ao consumidor uma melhor visão de toda a sua vida financeira.
Também poderão surgir aplicativos que façam simulações de crédito, investimentos, empréstimos em diversas instituições, com base na movimentação financeira do cliente e em outras informações que poderão ser agregadas após o consentimento do consumidor.
Já começou
Embora a obrigatoriedade do compartilhamento da informações financeiras só comece a valer a partir de julho, algumas fintechs se anteciparam e vem fazendo isso há mais tempo – sempre com o consentimento dos clientes e, algumas vezes, com a ajuda da Justiça. Esse é o caso do Guiabolso: a fintech foi uma das primeiras empresas no mercado brasileiro a defender o compartilhamento de dados com segurança. Seu CEO, Thiago Alvarez, é membro conselheiro do Banco Central em assuntos de Open Banking e diretor da ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital). O Guiabolso ganhou recentemente o direito de entrar nas contas que seus usuários mantêm no Bradesco.
“Hoje, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a implementação do Open Banking e o fato de o usuário ser o dono das suas próprias informações, temos um cenário bem diferente e alinhado com os avanços tecnológicos”. Não deixe de assistir a entrevista de Alvarez sobre Open Banking que vai ao ar hoje a noite no canal do portal Fintechs Brasil no Youtube.
Outro aplicativo que conseguiu o direito de integrar as informações de investimentos dos seus usuários em outras instituições foi o Gorila. “O investidor não é mais da instituição A ou da instituição B, ele é do mercado e de quem tem o relacionamento com ele, por isso uma ferramenta que permita ter uma visão completa da carteira do investidor com uma experiência simples tem muito valor. Atender o cliente independente de onde ele estiver, esse é o futuro do mercado”, explica Guilherme Assis, CEO do Gorila.
*A regulamentação do Open Banking obriga a participação das instituições enquadradas pelo BC nos segmentos S1 e S2 – no final do ano passado, foi divulgada uma lista inicial com 1.065 nomes. As classificadas no segmento S1 são as que têm porte igual ou superior a 10% do PIB, ou que exerçam atividade internacional relevante, independentemente de seu porte; e no segmento S2 são as com porte inferior a 10% e igual ou superior a 1% do PIB. Para as demais instituições, a participação é facultativa.