As preocupações da Consulta Pública 117, lançada em 13/2 pelo Banco Central (BC), são extremamente importantes, dado que algumas empresas operam na indústria financeira sem qualquer habilitação, expondo a integridade do setor e a própria sociedade a riscos e fraudes desnecessárias. No entanto, a abordagem não considera algumas mudanças do próprio mercado, assim como a relação atual da sociedade com os serviços financeiros e as plataformas digitais. Precisamos, então, entender a evolução desse relacionamento.
Em primeiro lugar, os bancos não são mais o que representavam. Embora continuem importantes e muito relevantes, já não são entidades ‘absolutistas’. Há apenas uma década, eram inatingíveis – um clube VIP, fechado e nobre, inacessível às empresas terrenas e ‘plebeias’. Detinham, portanto, total exclusividade na oferta de serviços financeiros. São tempos que não voltam mais…
A digitalização da economia, aliada à competente agenda de inclusão e transformação do BC, produziu novos modelos de negócios. Possibilitou o surgimento de vários tipos de instituições, que também passaram a oferecer diversas modalidades de serviços financeiros.
Isso gerou um efeito extraordinariamente benéfico, ampliando as alternativas para os clientes e, consequentemente, aumentando a competição. Com isso, a indústria tornou-se mais eficiente. Houve, ainda, uma diversificação nos tipos de instituições, criando várias categorias e novas siglas de difícil compreensão para o cliente. Quando combinadas, essas instituições podem até operar como um banco de varejo.
Conceito genérico
Essa proliferação de possibilidades tem promovido diferentes estratégias de posicionamento de marca, inclusive entre os próprios bancos. Com tantas alternativas, apresentar-se como banco não é mais (como já foi) um atributo que necessariamente gera maior credibilidade ou valor. Prova disso é que, no passado, um banco chegou a se posicionar como algo que “nem parecia banco”. Além disso, alguns simplesmente excluíram o termo “banco” de suas marcas (por exemplo, Inter, BS2 e Agi). Parecer um banco já não significa o mesmo…
Na esteira dessa modernização da indústria financeira, surgiram os chamados “bancos digitais”, que, para seus usuários, podem ser traduzidos como plataformas digitais de oferta de serviços. Para o público leigo, o termo “banco” transformou-se, portanto, em um conceito genérico, associado a qualquer instituição habilitada a oferecer serviços financeiros.
Na prática, a tecnicidade das autorizações específicas da instituição financeira importa pouco para o cliente comum. O essencial é saber quais serviços e benefícios reais estão disponíveis e se a instituição opera sob a supervisão do regulador. Afinal, sendo banco, cooperativa, financeira, fintech etc., todas possuem as mesmas responsabilidades. E o cliente tem à disposição os mesmos canais e controles para recorrer, uma vez que todas operam sob o mesmo nível de exigência determinado pelo BC. Até porque, dependendo do tipo de banco, ele também pode não possuir habilitação ou capital para oferecer todos os serviços.
Nesse processo, diversas fintechs com plataformas digitais – devidamente autorizadas pelo BC – foram aprovadas e utilizam normalmente o termo “bank” para facilitar a conexão com o público, sem necessidade de tradução técnica para uma interpretação adequada. Por outro lado, algumas outras – assim como certos bancos – optaram por não adotar esse termo (alguns casos são Neon, Creditas e PicPay). Evidencia, então, que essa escolha não influencia na aceitação pelo público.
Confiança e segurança
Embora, por uma questão de transparência, seja desejável que as informações sobre a autorização específica da instituição estejam disponíveis nos canais e contratos, parece pouco relevante – e até complexo – para um cliente comum distinguir as diferenças entre as várias regulações e decifrar seus significados. Pelo contrário, exibir uma série de siglas e licenças técnicas no nome da instituição pode gerar dúvidas e transmitir inseguranças desnecessárias ao público.
Em suma, o essencial para o cliente é ter a segurança (assim como ocorre em outras indústrias) de que se trata de uma instituição aprovada e supervisionada pelo regulador competente. Ou seja, o fundamental é conseguir discriminar para o público as empresas que não possuem autorização para operar no sistema financeiro, por não atenderem aos requisitos legais necessários. Essas, sim, devem sofrer restrições que impeçam o uso de nomes que possam dar a falsa impressão de que estão operando nessa indústria.
Acreditamos – por essas evidências – que a credibilidade da instituição não está na marca ou no título utilizado. Ela está, na verdade, atrelada à confiança depositada no regulador, em seu processo consistente e rigoroso de aprovação, fiscalização e atuação em prol da sociedade e, a partir daí, na qualidade dos serviços que a instituição oferece.
*Diretor executivo da ABFintechs, empreendedor e investidor-anjo de startups
Este espaço é dedicado aos líderes da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). As opiniões contidas aqui representam a visão da entidade, e não a do Finsiders Brasil.