ANÁLISE

Nova fase vai muito além dos pagamentos "invisíveis"

Pagamentos estão deixando de ser um processo isolado no final da jornada para se tornarem parte orgânica da experiência de compra

Pagamentos | Imagem: Canva
Pagamentos | Imagem: Canva

Com o lançamento da Visa Conecta, temos mais uma evidência clara de que Visa e Mastercard estão expandindo sua atuação para além dos cartões. Isso é parte de uma missão institucional que vai muito além de responder às demandas do mercado.

No site da Visa, a missão é clara: “Conectar o mundo por meio da rede de pagamentos mais inovadora, conveniente, confiável e segura, permitindo que pessoas, empresas e economias prosperem.”

Já a Mastercard afirma: “Conectar e impulsionar uma economia digital inclusiva que beneficie todos, em todos os lugares, tornando as transações seguras, simples, inteligentes e acessíveis.”

Essas declarações deixam claro que ambas se posicionam como arquitetas do ecossistema de pagamentos. Dessa forma, não se limitam a um trilho tecnológico específico, mas buscam orquestrar a experiência financeira como um todo.

Sem intermediários

Tal como aconteceu com o próprio Pix — que eliminou etapas, custos e intermediários ao permitir transferências instantâneas e diretas — o avanço de soluções como a Visa Conecta promove também uma forma de desintermediação. Isso porque elimina o papel de adquirentes (credenciadoras) tradicionais, reduz a necessidade de múltiplas camadas operacionais e encurta o caminho entre quem paga e quem recebe.

Como explorei no livro “Payments 4.0”, os meios de pagamento estão passando por uma transformação estrutural. Assim, o valor deixou de residir na capacidade de autorizar e liquidar transações e passou a depender da habilidade de integrar o pagamento à jornada do consumidor de maneira inteligente, contextual e quase invisível.

Historicamente, o ato de comprar e o ato de pagar foram tratados como momentos distintos. Ou seja, primeiro a decisão de compra, depois o processo de pagamento. Essa separação moldou por décadas a forma como sistemas e negócios foram construídos. Mas isso está mudando. Os pagamentos estão deixando de ser um processo isolado no final da jornada para se tornarem parte orgânica da experiência de compra. Eles se integram à navegação, à decisão, ao contexto — e quando bem executados, desaparecem como barreira. Não se trata apenas de tornar o pagamento “invisível”, mas de reconhecer que ele passou a ser uma extensão natural da experiência de consumo.

Mudar é preciso…

Esse novo paradigma exige que os players do ecossistema dominem não apenas a tecnologia do trilho, mas também a capacidade de orquestrar a experiência digital de ponta a ponta. É aí que surgem novas fontes de valor: na personalização da oferta, na redução de atrito no check-out, na inteligência aplicada à escolha do meio ideal e na segurança que sustenta tudo isso sem fricção. Isso muda radicalmente o jogo. E ajuda a explicar por que empresas como a Visa estão se movendo com velocidade para reposicionar sua atuação no centro dessa nova experiência.

Edson Santos/Colink
Edson Santos/Colink | Imagem: divulgação

Para os bancos emissores, esse movimento impõe uma revisão estratégica de seu papel. A posição central que historicamente ocuparam no trilho dos cartões está sendo redesenhada diante da crescente adoção dos pagamentos por conta (A2A, na sigla em inglês). Essa modalidade tende a substituir as transações tradicionais com cartão.

A diferenciação competitiva, antes baseada na capacidade de processar transações e emitir cartões, agora passa por se tornar relevante em jornadas digitais integradas. Tudo com personalização, inteligência e conveniência.

Já os adquirentes precisarão rever seu papel na cadeia, uma vez que o modelo tradicional de credenciamento e captura pode ser contornado por soluções que integram a jornada no ponto de contato com o cliente. Isso inclui, por exemplo, o Pix com iniciação embutida no check-out digital ou via plataformas de mensagem como o WhatsApp.

Estamos entrando em uma nova fase em que o protagonismo já não pertence apenas a quem detém escala de emissão, captura ou processamento, mas àqueles que conseguem integrar o pagamento de forma fluida e inteligente à jornada do consumidor. Atendem, ao mesmo tempo, às expectativas de consumidores e varejistas.

Diante desse cenário, a escala e a relevância estarão cada vez mais ligadas à capacidade de gerar valor percebido para ambos os lados. No passado, o diferencial esteve na distribuição física e no volume transacional. Agora, ele se desloca para quem domina a experiência de ponta a ponta, reduz o atrito, oferece confiança e entrega conveniência — no momento certo e no canal certo.

As ‘peças’ do ecossistema

Para compreender como as novas iniciativas reposicionam os protagonistas dos meios de pagamento, é importante observar as camadas que estruturam esse ecossistema. A atuação bem-sucedida hoje depende de como cada agente combina tecnologia, integração e experiência. A seguir, apresentamos os principais conceitos que ajudam a entender onde e como esse novo valor está sendo criado:

  • Infraestrutura: é o trilho fundamental que permite que o dinheiro circule de forma fluida e segura entre pessoas e empresas. Ela é a espinha dorsal dos pagamentos modernos, viabilizando desde compras simples em lojas até transações online complexas. Os exemplos incluem o Pix, via Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI) do Banco Central, ou as redes de cartões operadas por Visa e Mastercard.
  • Plataforma: refere-se a uma infraestrutura digital que possibilita o processamento e a mediação de transações financeiras. Ela permite o trânsito eficiente de valores entre instituições, empresas e consumidores. Essa tecnologia atua como um hub central para a gestão de pagamentos, oferecendo uma maneira segura e eficaz de realizar transações no ambiente digital.
  • Produto: é uma solução com proposta de valor concreta, pronta para o uso. Por exemplo, um sistema de check-out com Pix em um clique ou um serviço de pagamento recorrente. É um pacote que inclui escopo, precificação, suporte e mensuração de desempenho, voltado a atender necessidades específicas de clientes ou comerciantes.
  • Serviço: refere-se aos componentes técnicos e operacionais que sustentam o funcionamento do produto, como autenticação, antifraude, liquidação, notificação de transações e conciliação. Cada serviço cumpre uma função específica, geralmente disponibilizada por meio de APIs ou módulos integráveis. APIs é a sigla em inglês para interfaces de programação de aplicações.
  • UX (user experience): é a experiência concreta vivida pelo usuário, que define sua percepção de valor e confiança, influenciando diretamente a decisão de compra e a fidelização.

*Fundador e sócio da Colink Business Consulting; conselheiro, advisor, investidor-anjo; autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 – As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.