Opinião

Recordes de Venture Capital e Private Equity alteram a dinâmica da liderança dos negócios - Edilson Camara/Egon Zehnder

Edilson Camara*

Estamos vivendo um fenômeno inédito ao longo dos últimos cinco anos. As grandes decisões sobre liderança de negócios, antes dominadas por grandes corporações de capital aberto/ pulverizado, hoje acontecem em um mercado no qual a principal força é o capital privado ou o investidor institucional.

Os setores de Private Equity e Venture Capital têm alterado os negócios com seus recordes de investimentos no Brasil e no mundo. Até o ano passado, o investimento global desses setores, que não havia atingido mais de US$ 100 bilhões em um trimestre, superou em muito esse montante, alcançando a marca recorde de US$ 160 bilhões (Crunchbase) em um único trimestre em 2021. No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital) e pela KPMG, os investimentos de fundos de venture capital em startups brasileiras atingiram R$ 33,5 bilhões nos primeiros nove meses de 2021, um recorde histórico. O volume é três vezes maior que o valor aportado nessas empresas no mesmo período de 2020.

Em decorrência dessa movimentação global, estamos vendo uma volta a uma era do “capitalismo de dono”. Mesmo com muitos IPOs, a figura de um controlador ou grupo de investidores relevantes voltou, o que tem aberto espaço para um novo perfil de executivo, diretamente relacionado ao controle ou com muita influência na gestão da empresa, como é comum em empresas familiares. Ainda que não seja uma família, ele gerencia o capital de terceiros, mas o comportamento é como se fosse de dono.

Essa realidade é muito diferente da vivida por empresas de controle pulverizado, em que não se define quem é o dono. Existem os conselheiros de administração, independentes, representando toda a base de capital, mas não existe a figura de um controlador. Esse fenômeno gerou dois fatores globais: a emergência do capital privado controlando ou influenciando um número sem precedentes de empresas ao redor do mundo; e, no momento em que alcançaram essa posição sem precedentes de influência e controle, tomaram a frente na decisão sobre pessoas: quem colocar nos conselhos ou nos comitês executivos, em situações muito complexas ou de grande escala.

O Brasil, assim como outras economias, está alguns passos atrás na democratização do mercado de capitais. A possibilidade de qualquer indivíduo poder investir na Bolsa aconteceu em outros mercados há 20 ou 30 anos. Até há bem pouco tempo, nosso país era caracterizado por empresas familiares e por um mercado de capitais restrito e pequeno, com regras de governança que geravam insegurança e deixavam o investidor individual pouco protegido. Apenas com a formação da B3, as regras de governança ficaram claras e alinhadas com os mercados mais desenvolvidos.

O fato é que o país está passando por uma onda já vista em outros mercados há décadas. Em empresas de Fundos Privados e não mais familiares, as famílias brasileiras tradicionais não serão os grupos controladores. No futuro, serão grupos representando fundos de investimento que agem como donos, nomeiam diretamente conselheiros e CEOs, como as famílias faziam, mas não se guiam por relações familiares para as tomadas de decisão da liderança.

Esse será um processo pelo qual o Brasil vai passar. Já vimos isso acontecer em outros mercados onde atuamos: quando um processo de liderança ou economia vem atrasado, normalmente queima etapas. Por aqui não será diferente. O Brasil queimará etapas, e não serão necessárias décadas de predominância de empresas de capital pulverizado, sem controlador.

É obvio que haverá uma série de empresas com controle pulverizado, como no mundo todo. Apenas a emergência do controlador privado acontecerá mais rapidamente, paralela ao processo de democratização do investimento em mercado de capitais que estamos assistindo.

Ao mesmo tempo o perfil do executivo recrutado muda de um colaborador ou empregado para aquele de um sócio, alguém disposto inclusive a coinvestir na empresa, beneficiando-se diretamente do seu trabalho caso seja bem-sucedido. Tais executivos não procuram apenas um novo cargo ou uma carreira, mas um desafio, um projeto em que possam fazer a diferença e serem recompensados por isso.

Tal movimento leva ao enorme crescimento de consultorias especializadas no país e isso se reflete no volume de projetos de estruturação de Conselhos que vêm sendo conduzidos, muitas vezes ainda ligados à abertura de capital ou à primeira profissionalização do Conselho de Administração, o que já ocorreu em outras regiões há décadas. Muitas vezes, esse controlador não tem a empresa listada na Bolsa, simplesmente ele tem o controle, só que em vez de ser familiar é um grupo.

É um fenômeno muito claro nos EUA e na Europa Ocidental, mas é possível ver o mesmo movimento em economias menores, como na Ásia. Não será diferente por aqui. Do ponto de vista setorial, é o que mais cresce, causando um impacto direto nas áreas de consultoria de Recursos Humanos, mas certamente repercutindo sobre muitos outros segmentos da economia.

*CEO da Egon Zehnder, consultoria global de liderança