ANÁLISE

Ser ou não ser uma instituição regulada? O que uma fintech deve considerar

Antes da decisão pelo pedido de autorização junto ao Banco Central (BC), recomena-se uma análise interna cuidadosa, escreve advogada

Foto: Mohamed Hassan/Pixabay
Foto: Mohamed Hassan/Pixabay

Ao exigir a autorização prévia para que o iniciador de transação de pagamento (ITP) possa funcionar, com a condição de um capital mínimo de R$ 1 milhão e diante do avanço do Open Finance no país, o Banco Central (BC) tem recebido muitas solicitações de autorização apresentadas pelas fintechs, nesta modalidade de instituição de pagamento (IP).

Também tem sido relevante a quantidade de pedidos das entidades para funcionarem como Sociedades de Crédito Direto (SCD) — uma das licenças de fintech de crédito — cujo capital mínimo é o mesmo: R$ 1 milhão.

O momento da aprovação pelo órgão regulador, a princípio, é motivo de comemoração pelo fim de um burocrático processo, que envolve a participação de consultores, especialistas e o preenchimento de uma série de formulários e declarações. No entanto, essa etapa representa, na realidade, o início da jornada de um novo ciclo na empresa. Nela, a alteração do capital social é, sem dúvida, a menor (e menos impactante) das mudanças que ela vai enfrentar.

A regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (SFN) é aplicada às instituições financeiras de forma segmentada, com base na dimensão de sua exposição a riscos (natureza das operações, complexidade dos produtos e serviços) e na relevância de sua atuação internacional. Nesse sentido, quanto mais a instituição estiver exposta a riscos, ela estará sujeita a regras mais abrangentes e complexas; e vice-versa.

Inovação e regulação

De qualquer forma, o arcabouço normativo incidente, por exemplo sobre as IPs (em todas as modalidades, inclusive ITP), SCDs e demais “fintechs”, é bem vasto, complexo e dotado de relevantes desafios. Portanto, são também aplicados às empresas ainda recém-constituídas baseadas em uma cultura ou um histórico organizacional prioritariamente voltado à tecnologia e inovação (muito bem-vindas ao ecossistema), porém, em detrimento das particularidades e minúcias dos produtos e serviços financeiros (as “techfins”).

Diversos desses desafios envolvem governança corporativa sólida, consciência e mapeamento dos riscos, além de uma gestão integrada efetiva e atuante, assim como manutenção de capital com novas regras sofisticadas, contabilidade no padrão do SFN, mapeamento de processos e controles, ouvidoria, auditorias interna e externa, rigidez na gestão de liquidez. E, ainda, regras relevantes para segurança cibernética, responsabilidades dos dirigentes, bem como muitos outros aspectos que estão longe de serem cumpridos com meros “ajustes administrativos”.

Mareska Tiveron, do Viseu Advogados e da Colink Business Consulting. Foto: Divulgação
Mareska Tiveron, do Viseu Advogados e da Colink Business Consulting. Foto: Divulgação

Além dos desafios técnicos e estruturais acima mencionados, há, sobretudo, o aspecto da mudança cultural. Ou seja, a transição de um ambiente focado em soluções tecnológicas e na agilidade do desenvolvimento e da tomada de decisões para um ambiente que passará também a ser altamente regulado, e que deverá “olhar pra fora”.

Análise cuidadosa

Isso significa manter um relacionamento com o regulador, que passa ser rotineiro por meio do envio de informações em um formato sistemicamente padronizado. Além disso, há o foco voltado a conhecer mais profundamente o cliente, assim como a segurança e sustentabilidade de seu produto/serviço, garantindo, assim, a credibilidade e solidez do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Cabe a analogia com a “maioridade”, pois ter mais liberdade é excelente, mas ela vem com mais responsabilidade e penalidades mais rigorosas também. Em outras palavras, crianças e adolescentes vão para a Fundação Casa (antiga Febem) e adultos, para o presídio.

Por todas essas razões, antes da decisão pelo pedido de autorização de uma instituição perante o BC, sempre recomendo uma análise interna cuidadosa. Ela passa pelos seguintes questionamentos:

  • Qual o volume transacional da empresa? Quantos clientes na base?
  • Quais perspectivas para o próximo ano? Tem ideia do market share?
  • Quanto do core business é terceirizado? Quanto dele é desenvolvido internamente? Já experimentou infra tecnológica e regulatória de plataformas as a service?
  • Qual o seu plano estratégico, financeiro e de continuidade de negócios para a escalada? 
  • Já conta com posições-chaves capacitadas para tanto?
  • Qual o cenário de funding da sua empresa? E as expectativas em relação a aportes e movimentos societários, como M&As?

Melhor timing

Tais perguntas são muito prudentes e estratégicas. Nesse sentido, a depender das respostas, pode ser aconselhável aguardar o melhor timing para a efetiva “maioridade”, assim como contar com parcerias e consultorias estratégicas por um período. Até porque o “iceberg”, como mencionamos, é enorme.

Vale ressaltar que, além das informações sobre os diretores, acionistas e reais controladores das entidades como pré-requisitos da autorização, o BC exige a comprovação da origem da respectiva movimentação financeira dos recursos utilizados no empreendimento. Além disso, o regulador confirma se há compatibilidade da capacidade econômico-financeira com o porte, a natureza e o objetivo do empreendimento apresentados.

Cabe lembrar, ainda, que a autorização para funcionamento de uma instituição poderá ser cancelada pelo regulador quando constatada, a qualquer tempo: i) falta de prática habitual dos serviços de pagamento (inatividade operacional); ii) não localização da instituição no endereço informado ao BC; iii) interrupção, por mais de quatro meses, sem justificativa, do envio ao regulador dos demonstrativos exigidos pela regulamentação em vigor; ou iv) descumprimento do plano de negócios durante o período de abrangência (Resolução BCB n. 81 de 2021 – art 19).

*Mareska Tiveron é sócia do Viseu Advogados e associada da Colink Business Consulting.

Este é um espaço editorial, com análises e opiniões de especialistas de mercado e executivo(a)s com temas de interesse do ecossistema de fintechs. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações do texto.

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