
A transformação digital não mudou apenas a tecnologia; mudou o próprio mecanismo de criação de valor. Atualmente, as empresas mais relevantes não são as que oferecem o melhor produto isolado, mas aquelas que constroem ambientes integrados. Dessa forma, são capazes de conectar consumidores, vendedores, serviços, meios de pagamento, logística e dados dentro de uma lógica única. Para compreender esse movimento, é essencial distinguir dois conceitos que parecem próximos, mas representam estruturas distintas: plataforma e ecossistema.
Plataforma é uma infraestrutura digital que facilita interações entre participantes. Ela conecta pessoas, empresas, produtos e serviços, permitindo que transações aconteçam com menos atrito. Um marketplace é uma plataforma. Um aplicativo de pagamento é uma plataforma. O Pix é uma plataforma pública. Plataformas reduzem fricção, aumentam eficiência e servem como o mecanismo no qual as interações ocorrem.
Ecossistema é algo mais amplo e mais poderoso. É um ambiente no qual várias plataformas funcionam de forma integrada, compartilhando dados, serviços, regras e incentivos. Um ecossistema cresce não porque vende mais produtos, mas porque aumenta a densidade e a frequência das interações. Quanto mais participantes entram, mais valor se produz. Quanto mais valor, mais plataformas surgem. E quanto mais plataformas, mais recorrência e mais dados. Isso gera, então, um ciclo de retroalimentação que cria crescimento exponencial.
A relação é simples: uma plataforma não é um ecossistema, mas todo ecossistema é formado pela integração de diversas plataformas.

Da China ao Brasil
Esse entendimento ganhou clareza quando o mundo observou o que empresas chinesas construíram. O Alibaba, por exemplo, começou conectando pequenos vendedores a compradores. Após atingir massa crítica dos dois lados — a base mínima para qualquer ecossistema — adicionou logística (Cainiao), pagamentos (Alipay), crédito, nuvem e publicidade.
Já a Tencent, a partir de um app de mensagens, transformou o WeChat em uma infraestrutura completa da vida diária, integrando miniaplicativos, serviços públicos, comércio, pagamentos e crédito. Esses casos ensinaram ao mundo que o valor exponencial nasce quando um ambiente digital inicial consegue atrair compradores e vendedores. A partir desse ponto, se torna a base sobre a qual um ecossistema é construído.
Podemos observar movimentos semelhantes no Brasil. Em diferentes setores, empresas caminham rumo a ecossistemas próprios ou plugáveis. Os objetivos incluem reter consumidores, atrair vendedores e concentrar interações dentro de sua lógica de valor. São trajetórias distintas, em estágios diferentes, mas todas marcham na direção de ambientes mais completos.
A seguir, quatro exemplos ajudam a ilustrar esses caminhos — Mercado Livre, Magazine Luiza, Nubank e PicPay. Eles não são os únicos — bancos como Inter, Itaú e Santander também avançam na mesma direção, mas representam com clareza a diversidade de estratégias em curso.
Meli
O Mercado Livre é o caso mais consolidado da região. Ele atingiu massa crítica de compradores e vendedores e, sobre essa base, construiu uma constelação de plataformas altamente integradas: o marketplace, a logística (Mercado Envios), os pagamentos (Mercado Pago), o crédito (Mercado Crédito), publicidade, serviços para PMEs, conta digital, investimentos e até stablecoins como o Meli Dollar. Trata-se, assim, do ecossistema mais maduro da América Latina. Naturalmente, o Brasil representa a maior parte dessa escala.
Magalu
Já o Magalu trilhou um caminho próprio, combinando loja física, marketplace e e-commerce em um único ambiente integrado. Adicionou logística própria, serviços financeiros, mídia, conteúdo e soluções digitais, criando um ecossistema híbrido no qual loja física, aplicação, estoque, pagamento e entrega formam uma jornada contínua. Não replica Alibaba nem Mercado Livre; cria uma versão brasileira ancorada na capilaridade e na omnicanalidade.
Nu
O Nubank, por sua vez, surgiu do lado financeiro e nasceu pela demanda — milhões de consumidores. Não possuía, inicialmente, o lado da oferta. Em vez de criar um marketplace, escolheu ser a camada financeira plugável aos ecossistemas já existentes. Essa estratégia ganhou velocidade em novembro de 2025, quando o banco anunciou uma integração inédita com a Amazon Brasil, incorporando o NuPay como método de check-out e permitindo o uso do Pix no crédito para oferecer parcelamento, limite adicional e liquidação instantânea. Para o consumidor, é crédito simplificado; para o vendedor, é Pix; e para o Nubank, é algo maior: um arranjo de pagamento próprio, que desintermedia bandeiras e adquirentes tradicionais. É uma estratégia sofisticada, que lhe permite ocupar o centro da jornada de compra sem precisar construir o ambiente inteiro.
PicPay
O PicPay tomou um caminho diferente. Começou como plataforma financeira com mais de 60 milhões de usuários, mas lhe faltava o lado da oferta. Em dezembro de 2025, a empresa deu um passo decisivo ao anunciar o PicPay Shop, com tecnologia da OmniK, iniciando seu próprio marketplace. A partir desse movimento, o PicPay passa a reunir pagamentos, dados, audiência, produtos, sellers e publicidade dentro de um único ambiente — dando início à formação de um ecossistema próprio. Se o Nubank se pluga nos ecossistemas dos outros, o PicPay tenta criar o seu.
Mudança silenciosa
Estamos vivendo uma mudança silenciosa, porém profunda, na forma como compramos. O ato de comprar e o ato de pagar, antes separados por etapas e fricções, começam a se unificar em um único fluxo. Com a integração entre oferta, crédito e meios de pagamento dentro da mesma experiência, surge o pagamento inteligente, capaz de reduzir passos, antecipar necessidades e eliminar barreiras invisíveis. A Inteligência Artificial (IA) acelera essa convergência ao conectar intenção, decisão e transação num mesmo movimento. O check-out ainda existe, mas sua função está perdendo protagonismo. Ele deixa de ser um obstáculo para se tornar apenas o final natural de uma jornada mais fluida e consciente do valor do tempo do consumidor.
No fim das contas, quando observo esses movimentos, vejo menos uma disputa tecnológica e mais um conjunto de tentativas — algumas ousadas, outras ainda em construção — de entender como as pessoas realmente querem viver no mundo digital. No fundo, todos buscam a mesma coisa: tornar a vida menos complicada.
Se o futuro dos pagamentos tende a ser mais rápido, mais integrado e mais inteligente, não é porque gostamos de novidade. É porque ninguém quer perder tempo com aquilo que não faz diferença.
E talvez seja isso que melhor defina essa corrida por plataformas e ecossistemas. Ou seja, não é sobre quem tem a infraestrutura mais sofisticada, mas sobre quem devolve mais tempo ao consumidor — e sobre quem consegue transformar esse tempo em relações simples, diretas e profundamente humanas.
*Conselheiro, consultor, advisor e investidor-anjo, e sócio-fundador na Colink