Amado por uns e odiado por outros, o Drex voltou a ter holofotes recentemente, quando Rogério Antônio Lucca, secretário-executivo do Banco Central (BC), divulgou que a terceira fase do projeto está prevista para o início do segundo semestre, e terá foco na melhoria da qualidade de concessão de crédito no Brasil. Pode parecer só um detalhe técnico à primeira vista, mas o foco dessa terceira fase revela muito sobre o nosso projeto de CBDC (Central Bank Digital Currency), que é diferente de todos os outros no mundo.
Que o Brasil é destaque em inovação financeira, não é novidade para ninguém. Mas não é só o Pix que se destaca, o nosso Drex também merece a devida atenção. Enquanto a proposta original de uma CBDC é ser uma versão digital e oficial da moeda de um país, o nosso projeto consiste em uma infraestrutura projetada para evoluir o sistema financeiro e econômico por meio da tokenização e automação, não apenas um meio de pagamento digital.
O entendimento do objetivo de uma CBDC varia de acordo com seu país de origem, e os respectivos interesses, mas nenhuma proposta parece ser tão abrangente quanto a brasileira. Apesar disso, o Brasil é um dos países que mais tem avançado nos testes. Apenas 3 já lançaram suas CBDCs oficialmente: Bahamas, Jamaica e Nigéria. Entretanto, 134 países já iniciaram suas pesquisas. Apenas um país baniu oficialmente CBDCs de varejo: Estados Unidos, no governo Trump.
Vale a pena entender como outros países entendem a ascensão da criptoeconomia em seus sistemas financeiros, e o como o Brasil se posiciona nessa evolução.
China – e-CNY
O e-CNY, moeda digital do Banco Popular da China (PBoC), é atualmente o maior projeto de CBDC em operação no mundo. Com um claro foco no varejo desde sua concepção, o e-CNY tem o objetivo de substituir parcialmente o dinheiro físico, fortalecer a infraestrutura de pagamentos e ampliar o controle estatal sobre o sistema financeiro. Até junho de 2024, o e-CNY já acumulava mais de 260 milhões de carteiras ativas e 7 trilhões de yuans (cerca de US$ 986 bilhões) em transações.
A comparação com o Drex deixa evidente que os objetivos são muito diferentes. O e-CNY é fundamentalmente uma extensão do controle estatal, projetado para reforçar a soberania monetária e a supervisão sobre o fluxo de capitais, tanto internamente quanto internacionalmente. O Drex, por sua vez, é uma infraestrutura de transformação financeira, com foco em permitir que bancos, fintechs e empresas desenvolvam seus próprios produtos e serviços financeiros digitais, dentro de um ambiente regulado, mas sem concentração de poder no Estado.
Estados Unidos – Dólar Digital
Em janeiro de 2025, a administração Trump assinou uma ordem executiva proibindo oficialmente qualquer desenvolvimento de uma CBDC de varejo, tornando o país o único a adotar essa posição formal. A decisão foi motivada principalmente por preocupações com privacidade, liberdade individual e evitar concentração de poder estatal sobre dados financeiros dos cidadãos.
No entanto, os EUA seguem ativos no desenvolvimento de soluções para o mercado de atacado, com participação em projetos focados em tokenização de pagamentos internacionais e reservas bancárias. Paralelamente, a política americana passou a estimular o uso de stablecoins privadas lastreadas em dólar.
Quando comparado ao Drex, o modelo americano se mostra bastante diferente. O Brasil adota a visão de que uma CBDC pode ser um pilar para modernização, enquanto os EUA veem na CBDC um risco à privacidade e à liberdade individual, preferindo deixar o desenvolvimento de soluções digitais para o mercado privado, via stablecoins.
Euro Digital
O Digital Euro, desenvolvido pelo Banco Central Europeu, tem como foco principal viabilizar uma CBDC para pagamentos de varejo, garantindo privacidade dos usuários, funcionalidade offline e ampla aceitação dentro da Zona do Euro. Entretanto, o BCE deixou claro que ainda não tomou a decisão final sobre a emissão do euro digital.
O projeto rejeita explicitamente o uso como reserva de valor, evitando deslocamento de depósitos de bancos comerciais para o BCE, e propõe um modelo remunerado, com taxas de juros mais atrativas para pequenos saldos voltados a pagamentos e menores para grandes saldos, de forma a proteger a estabilidade do sistema bancário tradicional.
Se comparado ao Drex, o Euro Digital se posiciona de maneira mais conservadora, priorizando estabilidade financeira, manutenção da estrutura bancária atual e privacidade, enquanto o Drex avança com uma proposta de infraestrutura digital tokenizada, que permite, inclusive, a operabilidade de contratos inteligentes.
O avanço da criptoeconomia não é um caminho linear, assim como a tokenização de dinheiro, bens e serviços. Um novo paradigma sempre abre margem para interpretações do melhor uso para essa ou aquela tecnologia. A nossa percspectiva é boa aqui no Brasil, seguimos ansiosos para entender como será o Drex no dia a dia de todos.
Fonte dos dados: Atlantic Concil.
*Analista de criptoativos do Bitybank