OPINIÃO

'Novo trilho do voucher': a transformação dos benefícios corporativos

Em vigor desde 1/8, regras promovem ecossistema mais integrado, competitivo e favorável à inovação, mas trazem desafios

Cartões | Imagem: Steve Buissinne/Pixabay
Cartões | Imagem: Steve Buissinne/Pixabay

Desde 1/8, o mercado brasileiro de benefícios corporativos entrou em uma nova fase com a operação do chamado “novo trilho do voucher”. O modelo rompeu com a lógica tradicional de redes fechadas e estabeleceu um sistema de arranjos abertos. Nele, emissores e credenciadoras devem interoperar obrigatoriamente. É um marco que promove um ecossistema mais integrado, competitivo e favorável à inovação, alterando de forma estrutural a dinâmica do setor.

No formato anterior, cada emissor de vale-refeição (VR) ou alimentação (VA) mantinha sua própria rede de estabelecimentos credenciados. Assim, a aceitação era estruturada de acordo com a rede própria de cada emissor, com custos e condições de uso definidos individualmente. Já no “novo trilho”, a captura das transações segue a lógica dos arranjos abertos.

Ou seja, quando o consumidor seleciona a função voucher no ponto de venda, a adquirente escolhida pelo estabelecimento captura a transação, que é encaminhada à bandeira (Visa, Mastercard, Elo, entre outras). Depois, repassa ao emissor responsável pela conta do trabalhador. É o emissor quem valida a compra, verificando saldo, elegibilidade do estabelecimento e conformidade com as regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Com essa estrutura, o estabelecimento pode habilitar a aceitação junto à credenciadora de sua preferência, sem depender de contratos exclusivos com emissores. Isso amplia a rede potencial de aceitação, reduz fricções na experiência do cliente e equilibra o poder de negociação entre os agentes da cadeia.

Portabilidade e competição

Outro pilar central é a portabilidade de saldos. Ela garante ao trabalhador o direito de transferir, de forma simples e sem custos, seus créditos para o emissor que preferir. Antes, o uso ficava restrito aos comerciantes credenciados pelo emissor original. Agora, com a interoperabilidade, a rede de aceitação é compartilhada. Isso amplia as opções para o usuário e modifica a dinâmica de relacionamento com os estabelecimentos. Ao mesmo tempo, incentiva emissores a competir por qualidade de serviço e valor agregado.

Para as empresas contratantes, o novo modelo amplia o poder de escolha e negociação, permitindo selecionar e manter fornecedores com base em indicadores concretos de desempenho – por exemplo, taxa de aceitação em estabelecimentos e satisfação dos empregados -, relatórios detalhados de uso do benefício por categoria de gasto e região, além do alinhamento às diretrizes internas da política de benefícios.

Thiago do Amaral Santos/BTLaw
Thiago do Amaral Santos/BTLaw | Imagem: divulgação

A mudança regulatória que instituiu o “novo trilho” também redesenhou as regras comerciais. Práticas comuns no modelo anterior, como rebate e deságio, foram proibidas, reforçando o direcionamento integral dos recursos para a finalidade do benefício. Vantagens sem relação direta com alimentação ou educação nutricional – como cashback, descontos financeiros ou condições especiais de crédito – também foram vedadas. Com isso, emissores e parceiros precisam buscar novas formas de monetização e fidelização, investindo em inovação, experiência do usuário e serviços complementares alinhados à essência do benefício.

Impactos

Embora os impactos esperados sejam amplos, o mercado ainda está nos primeiros passos dessa transição. Estabelecimentos tendem a ter mais opções de credenciamento, maior poder de negociação com credenciadoras e possibilidade de negociar condições comerciais mais vantajosas.

Já os emissores precisarão reposicionar sua proposta de valor, oferecendo soluções que facilitem a vida do trabalhador e otimizem a gestão das empresas contratantes. Isso significa, então, investir em conveniência no uso do benefício, integração fluida com plataformas corporativas e entrega de dados analíticos que permitam às empresas acompanhar padrões de consumo, avaliar a efetividade dos programas e alinhar o benefício às suas políticas internas.

As empresas de meios de pagamento e gestão de benefícios, por sua vez, encontram espaço para criar soluções integradas, explorar dados de consumo para gerar insights e desenvolver programas corporativos alinhados a tendências de bem-estar e alimentação saudável.

Do ponto de vista tecnológico, o “novo trilho” demanda investimentos em integração de sistemas, APIs para viabilizar a portabilidade e monitoramento em tempo real das transações. A interoperabilidade entre arranjos abertos e fechados exige soluções de roteamento inteligente garantindo, assim, que o pagamento siga o fluxo correto de acordo com o credenciamento do estabelecimento. Essa infraestrutura será determinante para a eficiência operacional e para a qualidade da experiência do usuário.

Desafios

A transição, porém, não está livre de desafios. As empresas precisarão revisar contratos, eliminar cláusulas incompatíveis com o novo cenário e ajustar sistemas de gestão para refletir a nova lógica de aceitação. Ainda, a classificação correta de estabelecimentos e transações, conformidade com as regras do PAT e processos de compliance mais robustos serão essenciais para evitar riscos regulatórios.

O “novo trilho do voucher” não é apenas uma evolução tecnológica; representa uma mudança de paradigma no setor. Com interoperabilidade e portabilidade, a vantagem competitiva deixa de se concentrar na rede própria de estabelecimentos. Passa a depender da capacidade de entregar valor real: experiência de uso simples, integração inteligente de benefícios, dados estratégicos para empresas e alta confiabilidade nas operações.

Nesse ambiente mais aberto e competitivo, as empresas que se adaptarem rapidamente e ampliarem ou aperfeiçoarem sua oferta de produtos e serviços — incorporando soluções inovadoras e de alto valor para clientes e usuários — terão mais chances de conquistar novos contratos e manter relacionamentos duradouros. Dessa forma, poderão consolidar uma posição de liderança na nova fase do mercado de benefícios corporativos.

*Sócio do Barcellos Tucunduva Advogados/BTLaw, nas áreas de meios de pagamento e fintechs