Desde o anúncio da aquisição da Worldpay pela Global Payments e a venda de sua unidade de emissão para a FIS, os mercados reagiram de maneira contrastante. Entre 16/4 e 22/4, as ações da Global Payments caíram cerca de 15%. Já as da FIS subiram os mesmos 15%. Essa divergência reflete percepções distintas dos investidores sobre os riscos e benefícios das transações para cada empresa.
Para o JP Morgan, embora a troca de ativos faça sentido estratégico para ambas as partes, há um contraste claro na percepção de risco e execução. A leitura está no relatório An Inevitable Journey – FIS Acquiring GPN Issuer a Natural Fit; Mixed Feelings Toward GPN + Worldpay, assinado pelos analistas Tien-tsin Huang (CFA), Connor Allen e Mina Mafi.
No caso da FIS, a aquisição da unidade de emissão da Global Payments é considerada uma jogada natural e disciplinada. A empresa troca sua participação minoritária na Worldpay por um ativo 100% controlado, com sinergias claras e potencial de ampliar seu mercado endereçável. O JP Morgan acredita que a FIS poderá integrar rapidamente esse ativo ao seu portfólio de soluções para instituições financeiras. Isso justifica a manutenção do rating overweight (compra) para o papel.
Cautela
Já para a Global Payments, os analistas expressam mais cautela. Embora a união com a Worldpay traga complementaridade — especialmente em e-commerce e no segmento enterprise —, o JP Morgan alerta que a empresa já atravessa uma transformação operacional relevante. Integrar um ativo tão complexo pode consumir energia da liderança num momento em que concorrentes como Adyen e Stripe crescem a taxas muito superiores, com stacks tecnológicos mais enxutos e modernos.
O relatório também destaca que as ações da Global Payments caíram 17% logo após o anúncio da transação, refletindo o ceticismo do mercado. O múltiplo pago (8,5x Ebitda ajustado com sinergias) é considerado razoável. Porém, a expectativa de que sinergias sozinhas justifiquem a valorização do papel é vista como otimista demais. A recomendação para a ação se manteve neutra.
Outro ponto importante, de acordo com os analistas, é o risco de perda de clientes (churn) durante o processo de integração e a complexidade resultante da sobreposição de plataformas legadas.
Sinergias
Conforme comunicado da Global Payments, a combinação com a Worldpay “deverá gerar aproximadamente US$ 600 milhões em sinergias de custos anuais em três anos após o fechamento, principalmente por meio da combinação de operações comerciais, infraestrutura tecnológica e outras eficiências de escala.”
A FIS, ao adquirir a unidade de emissão da Global Payments, espera gerar sinergias de Ebitda de mais de US$ 150 milhões em três anos. A CEO da FIS, Stephanie Ferris, afirmou: “A aquisição da Issuer Solutions é uma transação estratégica e com retorno positivo, que expandirá nosso portfólio de produtos de pagamento e aprofundará nossos relacionamentos com instituições financeiras e clientes corporativos.”
Essas transações ainda não foram concluídas e dependem de aprovação dos órgãos reguladores. A expectativa é de fechamento na primeira metade de 2026. O prazo estendido se deve à complexidade das operações e à necessidade de aprovações regulatórias em múltiplas jurisdições.
E no Brasil?
A Global Payments iniciou uma operação de adquirência (acquiring) no Brasil em 2010, estabelecendo uma presença direta no mercado local (eu estava lá, por exemplo). Entre 2013 e 2021, a empresa passou a ter novos sócios que incluíram o banco espanhol CaixaBank e o banco mexicano Imbursa. Em 2022, toda a operação brasileira foi vendida para a Entre Investimento. Assim, a empresa passou a operar sob a marca EntrePay.
Com a venda da unidade de emissão para a FIS, é provável que as operações herdadas da TSYS (comprada em 2019 pela Global Payments) sejam transferidas para a nova controladora. Isso consolidaria sua posição no mercado brasileiro de emissores. No mercado brasileiro, a presença da TSYS sempre foi voltada ao processamento de cartões para emissores, atendendo bancos e fintechs com soluções de back end. Após a aquisição pela Global Payments, essa operação passou a integrar o portfólio global da empresa.
Já a presença da Worldpay no Brasil é relativamente discreta, mas estratégica, especialmente nos segmentos de e-commerce e pagamentos cross-border (transfronteiriços).
A empresa entrou oficialmente no mercado brasileiro em 2014, com a aquisição da Cobre Bem Tecnologia — um gateway fundado em 2004 e especializado em soluções de pagamento digital, como cartões de crédito, boletos bancários e integrações locais. A partir dessa aquisição, a Worldpay passou a oferecer seus serviços diretamente no País, adaptando sua plataforma às exigências regulatórias e aos métodos de pagamento característicos do Brasil.
Com a transação global, na qual a Global Payments assumirá o controle da Worldpay, espera-se que a operação brasileira ganhe maior relevância dentro da nova estrutura, principalmente nas frentes de e-commerce e integração internacional.
Transformações significativas
Para entender as movimentações anunciadas na última semana, também vale fazer uma retrospectiva. Entre 2019 e 2025, o setor global de pagamentos passou por transformações significativas, impulsionadas por aquisições bilionárias e reestruturações estratégicas. Empresas como Global Payments, FIS e Fiserv buscaram expandir suas ofertas e consolidar posições no mercado global.
Em 2019, por exemplo, a Global Payments adquiriu a TSYS por US$ 21,5 bilhões, visando combinar soluções para comerciantes com processamento de cartões. No mesmo ano, a FIS adquiriu a Worldpay por US$ 43 bilhões, buscando integrar credenciadora e tecnologia bancária. A Fiserv, por sua vez, comprou a First Data por US$ 22 bilhões, com o objetivo de unir emissão, credenciadora e tecnologia bancária.
Contudo, essas integrações enfrentaram desafios. A FIS, por exemplo, não obteve os resultados esperados com a Worldpay. Tanto é que, em 2023, vendeu 55% da empresa para a GTCR por US$ 11,7 bilhões. E agora, a Global Payments anunciou a compra da Worldpay por US$ 24,25 bilhões, adquirindo 55% da GTCR e 45% da FIS. Simultaneamente, vendeu sua unidade de emissão de cartões para a FIS por US$ 13,5 bilhões.
Tamanho e escala não bastam
Com a aquisição da Worldpay, a Global Payments passará a processar cerca de US$ 3,7 trilhões em pagamentos anuais. A cifra posiciona a empresa como uma das maiores adquirentes globais — em nível semelhante ao JP Morgan Chase.
No entanto, embora o volume impressione, o verdadeiro diferencial competitivo está migrando. Não basta ser grande. O desafio será transformar escala em inovação contínua, num mercado cada vez mais liderado por plataformas digitais como Stripe e Adyen, que crescem com agilidade, simplicidade e foco em tecnologia nativa.
Em resumo, o negócio entre FIS e Global Payments escancara uma realidade que, até pouco tempo, muitos ainda relutavam em aceitar: tamanho e escala importam — mas não bastam. No universo dos pagamentos, em que a tecnologia avança mais rápido que a regulação, a diferenciação não virá mais da capacidade de processar transações, mas sim da habilidade de se tornar indispensável no cotidiano do lojista.
A busca pela fidelização passa por entender as dores e os fluxos reais do comércio — físico ou digital — e criar soluções que antecipem necessidades antes mesmo que elas se tornem conscientes. Inclui, por exemplo, gestão, e-commerce, crédito e inteligência baseada em dados — aquela que transforma números em ações reais, como prever comportamento de compra, antecipar sazonalidades ou sugerir estratégias para aumentar o ticket médio. Isso, hoje, é o novo básico. E talvez seja exatamente aí que a Global Payments esteja mirando: não ser tudo para todos, mas tudo para alguém.
*Fundador e sócio da Colink Business Consulting; conselheiro, advisor, investidor-anjo; autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 – As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.