A indústria financeira vem passando nos últimos anos por uma grande digitalização com transformação de todos os processos. Por consequência, houve aumento de eficiência e abertura do mercado bancário com introdução de novos e inovadores modelos de negócios trazidos pelas fintechs.
Apesar desta acelerada evolução do setor financeiro, com o contínuo redesenho dos serviços e a melhoria na experiência dos clientes, existe ainda um importante serviço cujo modelo ainda permanece arcaico, parado no tempo e preso com acesso quase exclusivo aos grandes bancos. Estou falando do pagamento de contas de consumo, como água, luz, gás, entre outros itens básicos.
Essa modalidade ainda vive em um mundo à parte, por meio de uma teia de contratos bilaterais exclusivos, celebrados no passado por algumas poucas instituições financeiras com cada uma das cerca de 5 mil concessionarias federais, estaduais e municipais. Ou seja, que prestam serviços de luz, gás, água, telefone. Isso sem contar Receita Federal, prefeituras, entre outros órgãos públicos.
São serviços que necessitam de uma integração ponto a ponto, através da troca diária de milhares de arquivos entre cada instituição financeira e a concessionária correspondente, processos batchs (em lotes, com volumes liquidados apenas no final do dia) e conciliações posteriores. Tudo complexo e lento para confirmar o pagamento, identificar rejeições e problemas operacionais ou contábeis. Portanto, é algo totalmente incompatível com um mundo atual – digital e interoperável. Em resumo: nada mais anacrônico, ineficiente e obsoleto. Um ambiente analógico e inóspito para inovação e fintechs.
Vantagem concentrada
Para os clientes, que precisam realizar seus pagamentos recorrentes e de consumo – ou seja, todos nós – somente resta manter (ou abrir) uma conta em um dos importantes bancos, que possuem tais contratos com as concessionárias de serviços públicos – mesmo que não estejam satisfeitos com o serviço da instituição financeira. Outra opção é se dirigir a uma casa lotérica para pagar as contas em dinheiro.
Dessa forma, percebe-se que algo vital para liquidar as nossas operações cotidianas está centralizado praticamente na dependência de poucas e tradicionais instituições. Esse processo obsoleto impede, assim, os demais players de oferecer uma experiência completa, o que caracteriza uma vantagem competitiva e poder enorme concentrado. E uma vez que o cliente depende do banco (que possui o convênio) para usar o serviço, ele acaba mantendo os seus recursos e relacionamento ativo com essa instituição.
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O pagamento de contas de consumo é, então, a última grande barreira de prestação de serviço que dificulta o acesso democrático às fintechs. Com esse ponto resolvido, as empresas do setor terão uma imensa oportunidade de ampliar o nível de serviço e conquistar maior fidelização dos clientes. Ou, em outros termos, poderão ampliar a capacidade de, em boa parte, assumirem o papel de ser o banco principal dos seus usuários satisfeitos e fiéis.
Pix Automático muda tudo
Com o novo serviço e a interoperabilidade do Pix Automático, cujo lançamento oficial será em 16/6, os usuários poderão agendar e liquidar pagamentos recorrentes de qualquer natureza, de forma ampla, sem fricção ou barreiras de acesso. Isso significa romper as limitações atuais e permitir, por exemplo, que as fintechs também prestem este serviço aos clientes de forma conveniente e digital.
A solução ainda permitirá incluir todo tipo de cobrança recorrente, programado ou automático. Resolverá, portanto, as limitações de pagamento de assinaturas, streamings, mensalidades, etc., eliminando a restrição de quem não possui cartão de crédito ou mesmo a exigência de precisar de conta em algum banco.
A liquidação e confirmação do pagamento ocorrerá imediatamente, por meio da “mágica do Pix” – e não mais após alguns dias – sem tarifas e custos adicionais para os envolvidos, de forma totalmente inclusiva, organizada, eficiente e extremamente conveniente. Haverá, ainda, diversas possibilidades de serviço (notificações, débito programado, cancelamento, limite de valor, etc.). Tudo resolvido de forma simples.
Isto significará uma mudança radical na dinâmica da indústria financeira. Será mais um grande impulso para o ecossistema de fintechs e contínua evolução do mercado e de seus serviços. Os clientes terão liberdade total para pagarem seus compromissos onde, como e da forma que quiserem, sem barreiras de acesso. Já o mercado viverá uma competição plena e justa.
*CEO da Certdox, diretor executivo da ABFintechs, consultor, conselheiro, investidor-anjo e advisor de fintechs.
