OPINIÃO

'Stablecoins': o futuro do câmbio no Brasil?

Regulação pode colocar frente a frente dois mundos que até agora conviviam em paralelo - câmbio tradicional e digital

Stablecoins
Stablecoins | Arte: Camila Belintani

O mercado de câmbio brasileiro sempre foi marcado por regras rígidas, forte controle regulatório e custos elevados. A preocupação regulatória se explica porque se trata de um setor relevante para a economia. Cada transação de compra e venda de moeda estrangeira pode impactar o balanço de pagamentos, a taxa de câmbio e, em última instância, a política monetária do País. E também porque transações cambiais podem ser utilizadas para a evasão de divisas e/ou lavagem de dinheiro. Isso acontece no mundo inteiro.

Não por acaso, abrir uma instituição (bancos, corretoras, Instituições de Pagamentos/IPs e outras) para operar câmbio no Brasil envolve exigências pesadas. É necessário manter um quadro de profissionais altamente qualificados, comprovar experiência técnica e estruturar operações que atendam a padrões de segurança e compliance elevados. Esse arcabouço, apesar de necessário, encarece a atividade e limita a concorrência a poucos players com fôlego para sustentar tais custos.

Regulação iminente

Mas esse cenário pode estar prestes a mudar com a regulação das stablecoins pelo Banco Central (BC). Como sabemos, as stablecoins são criptomoedas desenhadas para manter paridade com uma moeda fiduciária, dólar ou euro, por exemplo. Diferentemente do bitcoin ou do ether, cujo preço oscila conforme a oferta e demanda de mercado, uma USDT (tether) ou USDC (USD Coin) busca se manter em 1:1 com o dólar.

José Luiz Rodrigues /JL Rodrigues e ABFintechs | Imagem: divulgação

Alcança-se essa estabilidade por diferentes mecanismos:

  • Colateralização em moeda fiduciária: cada unidade emitida tem lastro em dólar depositado em reserva;
  • Ativos equivalentes: parte do lastro pode estar em títulos do Tesouro norte-americano ou ativos de alta liquidez;
  • Modelos algorítmicos (menos comuns e confiáveis após colapsos recentes): ajustam oferta e demanda para manter o valor fixo.

Na prática, isso significa que enviar 1 USDC ou 1 USDT equivale a enviar 1 dólar. A diferença é que a operação ocorre com uso de blockchain, de forma instantânea e com menores custos.

Impactos no câmbio brasileiro

Atualmente, enviar dinheiro para o exterior por meio de corretoras de câmbio ou bancos é um processo caro e burocrático. Existem spreads cambiais elevados, tarifas adicionais e prazos que podem chegar a dias.

Já uma operação com stablecoins reduz drasticamente esses custos: a transferência é imediata, as taxas de rede podem ser de centavos e não há necessidade de intermediários tradicionais.

É nesse ponto que surge a grande questão: como as corretoras de câmbio, com lojas físicas em aeroportos ou shoppings, conseguirão competir com um modelo digital, que é muito mais barato e eficiente? Não conseguirão.

Se o BC realmente regular as stablecoins dentro do marco cambial, teremos uma ruptura profunda no setor. O impacto será sentido no varejo, com oferta de pagamentos internacionais, viagens, remessas de recursos e compras externas via stablecoins. E também no atacado, nas operações de maior volume entre empresas.

Choque de concorrência

A regulação pode colocar frente a frente dois mundos que até agora conviviam em paralelo:

  • O câmbio tradicional;
  • O digital, que poderá, no tempo, se mostrar mais acessível, barato e cada vez mais integrado ao ecossistema financeiro global.

O choque competitivo será inevitável. Enquanto uma corretora precisa manter estrutura, pessoal e capital elevado para funcionar, uma operação com stablecoins exige apenas que ambas as partes tenham carteiras digitais. Claro, sempre seguindo a devida regulação.

O que esperar

Além da regulamentação das stablecoins, devemos ter a publicação de normas sobre a tokenização de ativos. Isso se dará de maneira coordenada por Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essa agenda regulatória é vista como essencial para integrar o Brasil ao sistema financeiro digital global, sem abrir mão da segurança e do compliance que marcam o setor nacional.

O desafio será equilibrar inovação, estabilidade e segurança. Mas uma coisa parece certa: o mercado de câmbio no Brasil não será o mesmo depois da regulação das stablecoins.

*Sócio-fundador da consultoria JL Rodrigues e presidente do conselho da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs)