
Em maio, o Pix chegou a quase 160 milhões de usuários cadastrados, de acordo com dados do Banco Central (BC). Isso se refere apenas a pessoas físicas. Trata-se, de longe, do sistema de pagamento mais utilizado do Brasil, superando cartões, TEDs e, claro, cheques.
O sucesso é fácil de explicar. Para transferir dinheiro, pode-se pagar um QR Code, passar uma chave Pix criada a partir de um número de telefone, e-mail ou CPF, sem a cobrança de tarifas para as pessoas físicas. Comparado à burocracia de uma transferência bancária tradicional – que exige CPF, nome do banco, agência e conta -, o Pix é muito mais simples.
Mas o grande diferencial do Pix é a sua versatilidade. Ecossistema em constante evolução, a cada tanto, o BC incorpora, com a participação ativa do mercado, novas funcionalidades ao nosso sistema de pagamento instantâneo. Entre elas estão, por exemplo, Pix Saque e Troco, Pix QR Code, Pix por Aproximação etc. E tem algumas outras no forno. Na semana passada, falei no LinkedIn que uma dessas funcionalidades, o Pix Automático, que permite realizar pagamentos de contas recorrentes, deve gerar a terceira onda do Pix.
Desafio
O BC é, sem dúvida nenhuma, o grande responsável pelo sucesso do Pix, desde a concepção da solução até a estratégia de comunicação e marketing. “Faz um Pix” é um bordão que qualquer um entende. No entanto, esse sucesso esconde um drama. Enquanto o nosso mercado cresce em tamanho e complexidade, o BC vê seu orçamento estagnar e o seu quadro de funcionários diminuir ano a ano. Isso levanta uma questão crítica: como continuar regulando o mercado, mantendo e expandindo o Pix e outros produtos, e ainda cuidar da política monetária?
De acordo com o Relatório Integrado de 2024, o Banco Central conta com 3.189 funcionários. Uma expressiva parte desses colaboradores cuida especificamente de Pix. Em 2019, ano que antecedeu o lançamento do Pix, o mesmo relatório apontava que eram 3.629 colaboradores.
Tem outro ponto. Ser responsável pelo Pix não implica apenas em criar e disponibilizar funcionalidades para o ecossistema. O BC também é o responsável final pelo risco do sistema, como o de fraudes. Isso pode gerar problemas para o BC. Enquanto autoridade monetária, ele não pode ficar com esse risco.
Exemplos
O caminho para resolver esse problema já vem sendo amplamente usado no Brasil em outras infraestruturas críticas. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que protege depósitos do Sistema Financeiro Nacional (SFN), por exemplo, é uma entidade privada mantida pelos participantes do mercado e possui uma governança bastante transparente. Ela é regulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo BC.
Um exemplo mais recente é o Open Finance, iniciativa que foi implantada pelo BC para que clientes de bancos e outras instituições pudessem compartilhar seus dados com concorrentes e, assim, obter melhores ofertas financeiras. A partir deste ano, o Open Finance tornou-se uma infraestrutura à parte do BC, gerida e mantida por representantes dos mais diversos segmentos do mercado.
O Pix poderia seguir essa lógica: uma nova entidade com representantes de bancos, fintechs, cooperativas, usuários, associações e do governo. Essa infraestrutura seria responsável pela operação, segurança e desenvolvimento do sistema. Inclusive, poderia criar um mecanismo de cobertura financeira para fraudes. O essencial é que haja governança clara, participação plural e total transparência, tendo também como árbitro e supervisor o BC. Além disso, a nova estrutura permitiria ao BC realocar orçamento e equipe hoje dedicados ao Pix, liberando recursos para acelerar outros projetos.
Papel futuro do BC
A implantação do Pix foi relativamente barata. E, sem soma de dúvidas, gerou economia de custos para todo o sistema financeiro, a exemplo da redução do ecossistema em torno da circulação de moeda física, como transporte e guarda de valores, conferência física, substituição de notas danificadas e segurança física, entre outros. Esta economia pode muito bem ser aplicada para a manutenção dessa governança de forma independente, preservando a gratuidade do Pix.
Se quisermos que o nosso sistema financeiro siga crescendo com inovação, inclusão e segurança, é bom que se discuta desde já o papel futuro do BC no Pix. Em algum momento, pode ser fundamental que a autoridade monetária deixe de ser a controladora direta do sistema de pagamentos mais bem-sucedido da nossa história. Se o Pix nasceu para revolucionar, sua governança também pode evoluir para sustentar o próximo salto da inovação financeira no Brasil.
*Sócio-fundador da consultoria JL Rodrigues e presidente do conselho da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs)