Imagem: gerada por inteligência artificial (IA) via ChatGPT | DALL·E.
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No último dia 18/11, o Banco Central (BC) publicou a Resolução BCB nº 524, norma que altera o regulamento do Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI). Nesse ambiente, ocorrem as liquidações das transações via Pix. A nova regra, que entra em vigor no dia 1/12, impacta principalmente participantes diretos do SPI. Mas tem reflexos para participantes indiretos, que dependem daqueles para a fruição de suas operações financeiras.

A alteração normativa está alinhada com esforços recentes do regulador sobre prevenção a fraudes. Historicamente, a produção de normas nesse sentido foi modesta. Com vistas a mudar esse cenário, o tema passou a integrar a agenda regulatória da autarquia, que foi apresentada em 24/4/2025. Além disso, ataques cibernéticos envolvendo Prestadores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTIs) e Contas Pagamentos Instantâneos (Contas PI), no segundo semestre de 2025, aceleraram o desenvolvimento de normas antifraude.

Contas PI são contas de propósito específico que as instituições participantes diretos do SPI mantêm no BC. Os pagamentos instantâneos são liquidados nessas contas.

O que muda com a Resolução BCB nº 524?

O principal ponto da nova norma é determinar que participantes diretos do SPI devem adotar mecanismos próprios para identificar, em tempo real e com base em padrões históricos e comportamentais, movimentações atípicas ou potencialmente fraudulentas em sua Conta PI. Isso envolve avaliar desvios em relação aos parâmetros esperados e, assim, interromper o processamento de transações em caso de suspeita de comprometimento de seus sistemas. Além disso, o participante direto do SPI deverá monitorar as comunicações de movimentações atípicas e de atingimento de saldo mínimo na Conta PI emitidas pelo BC.

A nova resolução inclui o módulo SPI do SPB-Web. No âmbito dessa interface tecnológica, o participante direto do SPI deverá promover o acionamento tempestivo do bloqueio ou desbloqueio manual de emissão de ordens de pagamentos instantâneos a partir da sua Conta PI. Isso quando a avaliação do cenário feita pela instituição assim o justificar.

Adicionalmente, deverá configurar parâmetros de (i) valor de saldo mínimo em sua Conta PI, para fins de envio de comunicação de atingimento de saldo mínimo e (ii) grau de intensidade para a emissão das comunicações de movimentação atípica na Conta PI pelo BC.

A norma trata, ainda, de um dos principais vetores da análise antifraude: a perspectiva. Isso porque, em resumo, o que a norma determina é um olhar da instituição para si, especificamente para sua própria Conta PI. Tradicionalmente, o prisma de análise é exógeno, de modo a se avaliar a atipicidade nas operações cursadas pelo cliente da instituição. A nova norma cria importante ponto de atenção endógeno. Isso porque obriga a avaliação de transações atípicas ou potencialmente fraudulentas na conta da instituição regulada, especificamente a participante direta do SPI.

Quem é atingido pelas mudanças?

Os alvos centrais das mudanças normativas estabelecidas pela nova resolução são os participantes diretos do SPI. Mas quem, de fato, são esses agentes econômicos?

Para responder a essa pergunta, é importante darmos o conhecido “passo atrás”. É preciso entender que participar do SPI é, em primeiro lugar, participar do arranjo de pagamentos Pix. A adesão ao Pix é possível nas modalidades de provedor de conta transacional (forma de participação adotada pela maior parte das instituições), liquidante especial, ente governamental ou Iniciador de Transação do Pagamento (ITP).

Tendo definido a modalidade de participação, a instituição aderente ao arranjo Pix deve decidir se será responsável diretamente ou indiretamente pelas liquidações de suas operações. Em outras palavras, se funcionará como participante direta ou indireta do SPI.

Aylton Gonçalves | Imagem: divulgação

Algumas instituições são obrigadas a ser participantes diretas do SPI. É esse o caso de bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial, caixas econômicas, câmaras e prestadores de serviços de compensação e de liquidação e da Secretaria do Tesouro Nacional. Instituições de Pagamento (IPs) que ainda não foram autorizadas pelo BC são obrigatoriamente participantes indiretas do SPI. As demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC que sejam participantes do Pix podem optar por ser participantes diretos ou indiretos do SPI.

Como se pode depreender, a Resolução BCB nº 524 atinge todas as instituições participantes do SPI. As participantes diretas precisarão adequar procedimentos operacionais e robustecer controles de atipicidades ligadas à realização de fraudes. As participantes indiretas, por sua vez, serão impactadas ao passo que poderão ter sua operação interrompida, no caso de a participante direta da qual dependem para liquidação de transações notar alguma atipicidade que determine o bloqueio de transações via Conta PI.

Perspectivas para 2026

O ano de 2025 foi marcado por intensa atividade normativa do BC. No tema de prevenção a fraudes, isso não foi diferente. Entre outras medidas publicadas no segundo semestre estão a Resolução BCB nº 501, para prever o dever de rejeição de transações com fundada suspeita de fraude; e Resolução BCB nº 522, que inclui definições de “risco de fraude” e “risco de golpe”, além de impor obrigações quanto a prevenção a fraudes para os instituidores dos arranjos (as bandeiras).

Para 2026, podemos esperar que a supervisão do BC seja ainda mais dura quanto ao tema antifraude. Tanto pela via do Processo Administrativo Sancionador (Lei nº 13.506/2017 e Resolução BCB nº 131/2021) quanto pela via do Manual de Penalidades do Pix (Resolução BCB nº 507/2025).

Além disso, é aguardada pelo mercado uma norma que forneça granularidade quanto a itens de atipicidade para identificação de fraudes, nos modelos do que a Carta-Circular nº 4.001/2020 faz em matéria de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. De qualquer modo, é certo que a prevenção a fraudes nunca foi tão relevante na atividade do Banco Central como passou a ser a partir de 2025.

*Advogado, professor especializado em regulação financeira e consultor jurídico e regulatório da GMS