RISCOS

Adesão massiva de brasileiros a oferta de investimentos não regulados preocupa CVM

"Ainda que não haja fraude por trás, a oferta irregular de produtos no Brasil é crime", diz a diretora Marina Copola

Marina Copola/CVM
Marina Copola/CVM | Imagem: print de tela

A adesão massiva de brasileiros a modalidades de investimento com apelo lúdico e promessas de rendimento rápido, como as bets, acabou provocando um efeito colateral que já preocupa os reguladores: a oferta de outros produtos de “gamificação” financeira, como os Contracts for Difference (CFDs).

“Muitos indivíduos veem nas bets uma forma de complementar a renda. Mas esse fenômeno vai além. As antigas plataformas de forex voltaram repaginadas. São produtos não regulados que continuam sendo amplamente ofertados a brasileiros”.

O alerta foi de Marina Copola, diretora da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), durante um painel sobre Open Finance em evento realizado pela Abranet nesta quinta-feira (22/5). “A oferta de produtos não regulados sempre existiu, mas as redes sociais e a digitalização explodiram esse acesso”, disse. “As plataformas estrangeiras recebem depósitos via Pix em contas bancárias abertas no Brasil. Ainda que não haja fraude por trás, a oferta irregular de produtos no Brasil é crime.” A CVM atua com medidas cautelares, como as chamadas stop orders, mas reconhece os limites desse mecanismo frente à velocidade da desintermediação digital.

Segundo Marina, o avanço do gosto por essa “experiência de investimento” se acelerou no pós-pandemia, quando o aumento da precarização do trabalho e o tempo excessivo online mudaram o perfil do investidor.

As bets, que foram legalizadas no Brasil em 2018, estão aí como prova dessa mudança: elas atraíram 23 milhões de brasileiros em 2024, segundo pesquisa da Anbima. O número é dez vezes maior do que o de pessoas físicas que investem diretamente no mercado de capitais, estimado em 2 milhões.

Open Finance

Marina também destacou que a CVM tem uma agenda própria para modernizar o mercado de capitais, com iniciativas como o Open Capital Market, voltado à democratização de acesso, à portabilidade e à desburocratização.

Um exemplo prático citado foi a Resolução 210, de 2023, que tornou a portabilidade de investimentos mais simples e transparente. “Antes da norma, uma custódia poderia ficar 48 horas desaparecida num processo de portabilidade. Hoje o investidor faz isso de forma digital, com prazos e regras claras, e quem manda é o investidor.”

Ela ressaltou ainda que, do ponto de vista regulatório, o Open Finance representa um desafio, mas também uma oportunidade. “O Brasil sempre teve concentração bancária, e isso é difícil de mudar. Mas o Open Finance começa a demolir esse estado de coisas, ao devolver poder de escolha ao consumidor e permitir que ele exerça sua autonomia dentro de um sistema que ainda é complexo.”

Para Ana Carla Abrão, diretora-presidente da Associação Open Finance, trata-se de uma mudança estrutural. “Hoje temos mais de 50 milhões de pessoas que já aderiram, mas ainda há um universo de 160 a 170 milhões a conquistar. O Open Finance transforma a lógica: não é mais o banco que decide o que te oferecer — é o consumidor que escolhe o produto e a instituição com base no seu próprio histórico.”

A infraestrutura reúne mais de 800 participantes, entre bancos, cooperativas, Instituições de Pagamento (IPs). Segundo ela, o Open Finance se ancora na transparência, na regulação e na concorrência para oferecer crédito mais justo, produtos personalizados e eficiência. “Compartilhei meus dados e, no dia seguinte, um gerente já me ofereceu melhores condições para aplicações que eu tinha em outra instituição. Isso é real”, contou Ana Carla.

Competição

Raul Moreira, presidente do conselho do Banco Original e membro do conselho do Open Finance, reforçou o papel da nova infraestrutura como motor de competição. “Fizemos uma inclusão financeira inédita. Mas o próximo passo é destravar o eixo do crédito. A competição real só virá quando conseguirmos romper as barreiras na concessão de crédito.”

Gilneu Vivan, diretor de Regulação do BC, destacou que o desafio é mostrar ao cliente o valor do Open Finance. “Lá atrás, a pessoa consentia, mas não via benefício. Hoje, o incentivo já vem junto: ‘compartilhe seus dados e ganhe limite maior, uma oferta melhor, uma taxa mais baixa’. Agora a população começa a perceber que tem algo a ganhar com isso”, afirmou o diretor. “Daqui a 10 anos, o produto bancário será resultado da necessidade do cliente, e não do banco.” Para ele, o maior desafio será transmitir segurança em um mundo digital cada vez mais complexo.

Raul acredita que o sistema financeiro nacional passará por uma transformação radical, impulsionada por três pilares: digitalização, educação e tokenização. “Se conseguirmos vencer os desafios regulatórios e operacionais, teremos uma redução real do custo de crédito e um novo salto de inclusão.”

Ana Carla visualiza um futuro em que o Open Finance será tão natural quanto abrir uma conta bancária. “A adesão não será mais um tema. Compartilhar dados será um passo automático da jornada financeira. A configuração do sistema será muito mais fragmentada e centrada no consumidor, e não mais na instituição.”

Já Marina aposta na liderança brasileira no cenário global. “Nós somos campeões das boas notícias em regulação financeira e tecnologia. Daqui a dez anos, vamos continuar puxando essa fila. O desafio será garantir que mais investidores estejam no mercado e que eles possam fazer escolhas adequadas ao seu perfil, com segurança e informação.”