
O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, revelou nesta terça-feira (25/11) que a autarquia tem uma fila de pedidos de convênios de bancos centrais ao redor do mundo interessados nas inovações do Brasil. Muitos estão de olho, por óbvio, no Pix. Entretanto, o regulador brasileiro não consegue atender à demanda por falta de orçamento e estrutura. A declaração da Galípolo ocorreu durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
“Apesar de o Banco Central do Brasil ser reconhecido globalmente por todas as inovações, temos uma fila de pedidos de convênios de outros bancos centrais que hoje não damos conta de atender”, reconheceu o presidente do BC. “Toda vez que a gente relata qual é o estatuto e qual é o arcabouço legal do Banco Central, os outros banqueiros centrais não acreditam. Como assim? Vocês não têm orçamento?”
Galípolo voltou a defender a importância da PEC 65, o Projeto de Emenda à Constituição que busca garantir autonomia financeira e orçamentária do BC. O presidente da autoridade monetária pediu, reiteradamente, “ajuda” aos senadores para avançar na análise da proposta, enfatizando que a PEC está tramitando há anos no Congresso. “É muito estranho que este seja o Banco Central que é referência para o mundo em várias entregas para a sociedade e que ele tenha institucionalmente menos que os demais têm”, criticou ele, comparando o BC brasileiro com reguladores de países emergentes como Chile e Nigéria.
O presidente do BC exemplificou os desafios enfrentados com a falta de pessoal para dar conta não apenas de regular e supervisionar um número elevado de instituições, como também manter o Pix em operação, 24h por dia, 7 dias por semana. “Falam pra gente assim: vocês fizeram o Pix sem poder pagar adicional noturno [aos servidores], sem pagar adicional aos finais de semana, e tem um sistema 24 por 7?”, disse Galípolo. Segundo ele, a área de Fiscalização tem atualmente “menos da metade” da equipe comparada a 10 anos atrás, com “três vezes mais instituições” para supervisionar.
Arcabouço legal ‘defasado’
Galípolo disse, ainda, que o arcabouço legal do BC “está defasado” para lidar com a nova estrutura do sistema financeiro. Trata-se de um movimento global, com o avanço de players que fazem intermediação financeira sem serem bancos. As fintechs são um exemplo. Segundo Galípolo, com o aumento da regulação bancária após a crise do subprime, em 2008, a liquidez fluiu para segmentos menos supervisionados. “Esses novos atores, para onde fluiu a liquidez, deveriam estar ligados à infraestrutura do BC? Se sim, o BC deveria também supervisionar?”, questionou ele.
A discussão tem se repetido em fóruns internacionais, com posições divergentes entre reguladores, apontou Galípolo. “Alguns países dizem para reduzir regulação de bancos. Outros reguladores defendem que deveria subir a regulação para todo mundo em função do risco que corre”, afirmou. Para ele, o debate envolve não apenas o perímetro regulatório, mas a necessidade de garantir condições ao BC para regular, supervisionar e fiscalizar.
Galípolo mencionou, ainda, que a Inteligência Artificial (IA) pode ser uma importante aliada no processo de supervisão bancária. “A Inteligência Artificial pode permitir fazer supervisão não só por amostragem, mas fazer um acompanhamento de todas as operações”, disse. Porém, sua utilização depende de orçamento, salientou ele. “Envolve um investimento alto, porque eu não posso plugar em uma Inteligência Artificial que está disponível e permitir que uma instituição terceira tenha acesso a isso. Hoje, infelizmente, o Banco Central padece da ausência de recursos.”
Operações policiais
Ao comentar sobre as investigações criminais recentes ligadas ao setor financeiro, Galípolo disse que o BC não tem e não deve ter um papel de protagonismo em ações desse tipo. A declaração foi feita ao comentar críticas de que estaria ausente durante a Operação Carbono Oculto. Na ocasião, ele viajava a trabalho para participar de uma conferência internacional com outros presidentes de bancos centrais. Para Galípolo, isso demonstra confusão sobre as atribuições do BC.
“Revela uma expectativa de quem escreveu aquilo, que o presidente do Banco Central estivesse com uma metralhadora na mão, dando um chute numa porta para invadir uma instituição. Não é papel do Banco Central. O Banco Central não faz isso”, afirmou. Galípolo reforçou que, quando o BC identifica alguma irregularidade, sua obrigação legal é informar o Ministério Público. Esse, por sua vez, decide se abre investigação e encaminha à Polícia Federal.
Termo de compromisso entre BC e Campos Neto
Galípolo foi convidado pela CAE do Senado para dar mais detalhes e explicações em relação ao termo de compromisso assinado em junho último pelo ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre supostas operações de câmbio irregulares que teriam ocorrido no período em que ele atuava na tesouraria do Santander. Ou seja, antes de ser presidente da autoridade monetária. Conforme reportagem do Valor Econômico no início deste mês, como parte do termo, Campos Neto se comprometeu a pagar uma contribuição pecuniária de R$ 300 mil ao BC. Essa obrigação já foi cumprida, de acordo com os documentos divulgados pela própria autarquia.
Na audiência no Senado, o sucessor de Campos Neto no comando do BC buscou esclarecer o que chamou de “confusões” a respeito do assunto. Galípolo enfatizou que o BC “não faz acordos de leniência” e não tem poder para interromper investigações criminais. De acordo com ele, o termo de compromisso diz respeito a um “processo de preenchimento de informações de clientes no sistema.”
Segundo Ailton de Aquino Santos, diretor de Fiscalização do BC, houve “infrações de controle, de compliance“. E ao analisar o conjunto dessas infrações, o comitê técnico do BC “entendeu que não estavam presentes as condições de falta grave”, afirmou Aquino, também presente na audiência pública. Ainda de acordo com ele, nesse caso, que a governança foi cumprida, seguindo “todo o caminho burocrático”.