CONCORRÊNCIA

Governo confirma alta da CSLL para fintechs e reacende debate sobre 'isonomia' com bancos

Alíquota passa de 9% para 15% - e de 15% para 20% no caso das financeiras; setor vê retrocesso na inclusão financeira e ameaça à inovação

Fernando Haddad
Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Lula | Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

A Medida Provisória nº 1.303/2025, publicada pelo Governo Federal na calada da noite desta quarta-feira (11/6), provocou forte reação no setor de fintechs. Isso porque elevou de forma significativa a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de diversos tipos de instituições do setor financeiro, entre elas, fintechs e bancos digitais de maneira geral. A justificativa oficial do Ministério da Fazenda é a de corrigir a chamada “assimetria tributária” entre os bancos tradicionais e os novos players desse mercado. No entanto, para as associações do setor, a medida pode comprometer os avanços da inclusão financeira e penalizar a inovação.

A nova MP eleva a alíquota da CSLL de 9% para 15% para as Instituições de Pagamento (IPs), e de 15% para 20% no caso das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFIs) — as chamadas financeiras. Também passam a pagar 15% as Sociedades de Crédito Direto (SCDs) e as Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs), que anteriormente recolhiam a CSLL à base de 9%.

De acordo com relatório do Itaú BBA, fintechs como PagBank (antigo PagSeguro), Stone e Nubank devem ser as mais afetadas pelo aumento da CSLL. “Segundo estimativas preliminares, o impacto nos lucros será mais pronunciado na B3 (-7%), Nubank (-6%), PagSeguro (-4%) e Stone (-3%). XP e BTG teriam impacto direto mínimo, dado o uso de estruturas bancárias locais ou offshores“, escreveram os analistas do banco de investimento.

Nubank x Bradesco

Em entrevista a jornalistas nesta quinta-feira (12/6), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a medida como uma forma de reequilibrar o sistema. “Por que o Nubank paga menos impostos do que um banco do tamanho do Bradesco?”, disse. “São bancos da mesma dimensão, estão competindo pelo mesmo mercado, pelo mesmo cliente. [O objetivo é] corrigir essa distorção”, afirmou.

Entretanto, o argumento de Haddad não encontra consenso entre especialistas e representantes do setor. O advogado tributarista Vinicius Pimenta Seixas, sócio do Pinheiro Neto Advogados, destaca que essa equiparação desconsidera as diferenças estruturais entre bancos e fintechs. “As Instituições de Pagamento e muitas fintechs não eram equiparadas às instituições financeiras tradicionais. Agora estarão. Mas elas ainda estão em formação, são menores, e muitas têm papel social relevante”, observou.

Arte: Camila Belintani

A crítica é compartilhada por Daniela Froener, advogada tributarista do escritório Silva Lopes. “As Instituições de Pagamento são tratadas, do ponto de vista regulatório e operacional, de forma distinta das instituições financeiras. Equiparar sua carga tributária sem considerar essa diferenciação pode ser um erro estratégico que onera modelos inovadores e compromete o avanço da inclusão financeira”, aponta a especialista.

Na visão de Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), a medida coloca em risco a atratividade do Brasil como ambiente de inovação. “Ao tratar de forma isolada pontos estruturais da reforma tributária, o governo fragmenta o debate e dificulta a construção de políticas públicas estáveis e eficazes já realizados com base em legislação vigente”, diz.

Equilíbrio fiscal x competitividade

Em nota conjunta, oito associações do setor – ABFintechs, ABCD, Zetta, Abipag, Pagos, ABBaaS, Abranet e Acrefi — reforçaram a crítica à ausência de diálogo prévio e à falta de estudos técnicos sobre os impactos da mudança. “A decisão penaliza a competitividade, a inovação dos serviços financeiros e, por consequência, a sociedade brasileira. O equilíbrio fiscal não será alcançado com menor competitividade, com elevação do custo de crédito nem promovendo retrocesso na inclusão financeira.”

As entidades também ressaltaram que, embora o discurso seja de equiparação, em muitos casos as fintechs já suportam uma carga tributária proporcionalmente maior que a dos grandes bancos. “Considerando a alíquota efetiva de tributação, em alguns casos as fintechs já pagam até duas vezes mais tributos que os bancos”, diz a nota.

Ainda no texto, as associações criticaram a criação de medidas para ajustar as contas públicas que atrapalham a concorrência e inovação no setor financeiro. “O equilíbrio das contas fiscais não será alcançado com menor competitividade no setor financeiro, com elevação do custo de crédito nem promovendo retrocesso na inclusão financeira de dezenas de milhões de pessoas atendidas pelas fintechs, financeiras e novos entrantes na última década no País”, escreveram.

Negociação com Congresso

Com a nova MP, o governo prevê arrecadar neste ano mais R$ 10,6 bilhões, R$ 20,9 bilhões em 2026, R$ 11,9 bilhões em 2027 e R$ 9,2 bilhões em 2028. Somente com a CSLL, a expectativa é obter R$ 3,4 bilhões em três anos (de 2025 a 2027).

Além da CSLL, a MP prevê ainda cobrança de Imposto de Renda (IR) para aplicações financeiras antes isentas, como LCIs e LCAs. O aumento da arrecadação virá também da tributação das populares e polêmicas bets e dos criptoativos. A aprovação do conjunto de medidas ainda depende do Congresso.

A “queda de braço” entre o Executivo e o Legislativo começou com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e deve prosseguir quente nos próximos dias e semanas.