A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara um conjunto de mudanças que pode transformar o acesso ao crowdfunding de investimento no Brasil. Entre as novas regras, em consulta pública até dezembro, está a permissão para corretoras e distribuidoras oferecerem o crowdfunding diretamente em suas plataformas, num processo mais simples e com menos fricção. Hoje, isso já é possível, mas o investidor precisa sair do ambiente da corretora para criar conta na plataforma de crowdfunding, por exemplo.
O modelo seguirá a lógica da distribuição por conta e ordem, já usada na indústria de fundos de investimento. De acordo com Antonio Carlos Berwanger, superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, trata-se de uma “grande inovação” proposta na minuta da nova resolução. Em webinar da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) na sexta-feira (10/10), ele lembrou que a Resolução CVM 88 – atuais regras do crowdfunding – já avançou em relação à norma anterior, permitindo a divulgação das ofertas por corretoras e distribuidoras.
Hoje, quando uma corretora divulga uma oferta de crowdfunding, por exemplo, o investidor interessado precisa sair do ambiente onde já investe, abrir uma conta na plataforma de crowdfunding e repetir o envio de dados e documentos. Com a mudança, será possível disponibilizar as ofertas diretamente no ambiente das instituições financeiras onde o investidor já tem cadastro.
Liquidez e segurança jurídica
As empresas de crowdfunding e os intermediários precisarão desenvolver integrações de sistemas que garantam a execução das ofertas dentro das regras da autarquia. “Exige-se que a plataforma e o intermediário cheguem a um acordo e avancem em uma integração tecnológica para permitir que a oferta aconteça dessa forma”, explicou Antonio Carlos.
A CVM acredita que os intermediários tradicionais, como bancos e corretoras, ajudarão também a dar mais liquidez ao mercado de crowdfunding. Além disso, essas instituições, por já terem uma relação consolidada com seus clientes e uma estrutura de distribuição já madura, tendem a funcionar como filtros naturais de risco. “Esses intermediários têm uma preocupação de levar bons investimentos aos clientes e, por isso, farão suas próprias diligências sobre o processo de originação das plataformas antes de se conectar a elas.”
Para Gustavo Blasco, CEO da GCB Investimentos, a mudança dará “segurança jurídica e escala” para o mercado de crowdfunding. “Esse negócio da conta e ordem é excelente. A gente conversa com muita gestora de crédito, que faz carteira administrada, assim como DTVMs, que querem oferecer esse tipo de ativo, mas não havia segurança jurídica.”
Novos limites
Durante o evento, Antonio Carlos comentou sobre os principais pontos da consulta pública aberta em 24/9, com prazo até 23/12. Entre outras mudanças, a minuta da nova resolução propõe o fim do limite de faturamento como balizador para que uma empresa possa captar via crowdfunding. Hoje, a regra limita a um faturamento de R$ 40 milhões.
Mais uma novidade é a elevação do teto de captação. Para sociedades empresariais e cooperativas, propõe-se até R$ 25 milhões. No caso das securitizadoras, será de até R$ 50 milhões. E de R$ 2,5 milhões por safra para produtores rurais. Atualmente, a regra estabelece um teto geral de até R$ 15 milhões por ano, considerando o limite de faturamento acima. Segundo o porta-voz da CVM, as mudanças buscam “democratizar o acesso ao mercado de capitais, mantendo a proteção ao investidor e incentivando a inovação”.
Rodrigo Caldas, sócio do CBA Advogados, também chamou atenção para o reforço das regras informacionais da CVM. “Antes, todos os emissores eram tratados da mesma forma, o que gerava distorções. A nova norma corrige isso e cria anexos específicos, o que melhora a transparência e reduz ruídos”, explicou.
O crowdfunding de investimento cresceu exponencialmente nos últimos anos. De movimentações em torno de R$ 200 milhões anuais, o mercado saltou para R$ 1,5 bilhão em 2024, comentou Diego Perez, presidente da ABFintechs. “Na metade deste ano, esse valor [de 2024] já tinha sido ultrapassado. Então, estamos esperando valores bem maiores, dobrando o que tivemos no ano passado. Essa é a expectativa que temos”, disse Antonio Carlos, da CVM.
Securitizadoras
O boom do mercado de crowdfunding se deu principalmente com o avanço das captações de dívida privada tokenizada viabilizadas por securitizadoras. Isso passou a ser permitido depois da publicação pela CVM dos ofícios circulares 4 e 6, ambos de 2023. Não à toa, entre as 25 maiores securitizadoras do País, seis atuam exclusivamente no crowdfunding, citou Antonio Carlos.
Para incentivar a modalidade, a CVM incluiu as securitizadoras como um dos perfis de emissor, com limite de captação de até R$ 50 milhões. Tal limite é considerado individualmente para cada patrimônio em separado (como regra, portanto, para cada emissão), explicou a autarquia na minuta da nova resolução.
Como regra, as securitizadoras também precisarão se registrar na CVM. “Uma vez registradas, elas passam a cumprir com regras de conduta e preocupações típicas que a gente tem para essa atividade, que tem um caráter muito de uma atividade fiduciária em relação aos investidores”, explicou o representante da autarquia. Além disso, as securitizadoras registradas terão que observar o regime informacional da resolução 60, incluindo auditorias e controles mais rigorosos.
Para Rodrigo, do CBA Advogados, a expansão da tokenização e das securitizadoras também traz novos desafios de governança e compliance. Segundo ele, o aumento da liquidez e a integração com intermediários tradicionais exigirão sistemas robustos de controle e uma atuação coordenada entre plataformas e distribuidores. “Os intermediários passarão a ter responsabilidade solidária em relação ao KYC [sigla em inglês para ‘conheça seu cliente’] dos investidores. Isso vai exigir processos bem desenhados e integração tecnológica consistente”, alertou.