O segundo semestre de 2025 vem sendo marcado por forte pressão da sociedade civil no que toca à agenda regulatória do Banco Central (BC) quanto ao tema de prevenção a fraudes. Em linha com essa agenda, o BC publicou, na última sexta-feira (26/09), as Resoluções BCB nº 506 e 507, respectivamente, para alterar o Regulamento anexo à Resolução BCB nº 01/2020 (Regulamento do Pix) e aprovar o novo Manual de Penalidades do Pix. Ambas as normas entraram em vigor na data de sua publicação.
Podemos sintetizar as alterações de que tratamos neste texto em três pontos: maior granularidade no tratamento da prevenção a fraudes; rebuscamento de controle quanto à higidez do arranjo Pix; e possibilidade de imposição de multas mais severas a participantes do arranjo.
Regulamento
A Resolução BCB nº 506/2025, alterando o Regulamento do Pix, traz dois itens inéditos:
- Inobservância do patrimônio líquido mínimo (R$ 5 milhões) passa a ser caso de exclusão do arranjo, não mais de suspensão cautelar
- Possibilidade de imposição de multa diária de até R$ 200 mil, a depender do porte do participante, quando este não tomar medida para sanar descumprimento do Regulamento do Pix
Além disso, a nova resolução define que os critérios para “fundada suspeita de fraude” serão delimitados em norma posterior. Neste ponto, o regulador parece ter observado comentários do mercado privado a respeito da Resolução BCB nº 501/2025. Embora a autarquia tenha mencionado o termo “fundada suspeita de envolvimento de fraude”, aquela norma não tratou de eventual instrução normativa subsequente que esclarecesse como parametrizar essa obrigação regulatória.
Para o mercado, tem-se um recado claro: haverá norma do BC para esclarecimentos de parâmetros de prevenção a fraudes. Possivelmente será semelhante à Carta-Circular nº 4.001/2020 (exemplos de indícios de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo).
Marcação de fraude transacional
Um outro item relevante das alterações realizadas no Regulamento do Pix é o estabelecimento da “notificação de infração para marcação de fraude transacional”. Esse item permite à instituição participante a marcação de CPF ou de CNPJ de seu cliente que esteja envolvido em episódio de fraude relacionado a uma transação Pix específica.
Vale notar que, quanto a essa notificação, o regulador decidiu utilizar a forma verbal “pode”, de modo a ser correta a interpretação de que a instituição participante do Pix tem a possibilidade de escolher implementar ou não esse instrumento. Apesar disso, é seguro dizer que é fortemente recomendado que a instituição realize essa notificação por pelo menos dois motivos. Primeiramente, porque a regulação e a supervisão do BC tendem a ser cada vez mais rigorosas no que toca à prevenção de fraudes. Adicionalmente, porque uma falha quanto a procedimentos relativos a fraudes pode representar, em última análise, falha em controles internos, tema historicamente recorrente na atividade sancionadora da autarquia.
Enquanto a notificação parece ter forma de escolha, os procedimentos que dela decorrem têm caráter claramente obrigacional. É o que se percebe pelo uso da forma verbal “deve”, no novo dispositivo do Regulamento do Pix, em que o participante do Pix deve rejeitar pedido de registro de chave Pix em caso de usuário com notificação de infração para marcação de fraude transacional registrada no DICT pelo próprio participante, devendo comunicar o motivo da rejeição ao usuário. Essa rejeição também deve ocorrer em caso de portabilidade e reivindicação de chaves.
Manual de Penalidades
A Resolução BCB nº 507/2025 aprova o novo Manual de Penalidades do Pix. A nova norma também é convergente com as medidas adotadas pelo BC quanto ao tema de prevenção a fraudes, notadamente ao prever a irregularidade de “falhar na adoção de mecanismos de segurança que visem o gerenciamento de risco de fraude”, que não estava na versão anterior do Manual de Penalidades. A depender do porte da instituição, a nova regra pode representar multa com montante de até R$ 150 milhões.
Especificamente quanto aos valores de multa, pode-se dizer que o novo manual é muito mais severo que o anterior. Anteriormente, a maior quantia de multa aplicável era de R$ 25 milhões. Agora, passa a ser R$ 500 milhões.
Apesar desses montantes chamativos, é preciso notar que a soma das penalidades de multa aplicadas à instituição participante em um único processo de apuração de descumprimento do Regulamento do Pix será limitada:
- para as instituições participantes autorizadas a funcionar pelo BC, ao maior valor entre 25% do capital mínimo exigido, quando aplicável. Ou 25% do Patrimônio Líquido (PL), apurado no último balanço disponível no BC
- Para as demais pessoas jurídicas, ao valor de R$ 1.250.000,00.
Simplificação
Com relação aos fatores de ponderação para aplicação de multa, podemos afirmar que houve simplificação.
A Resolução BCB nº 177/2021, norma que aprovava o Manual de Penalidades revogado, continha três itens para fator de ponderação: (i) tipo de instituição; (ii) percentual do total das transações Pix pagas e recebidas no Sistema de Pagamentos Instantâneos; (iii) percentual do total de chaves Pix potencialmente comprometidas em incidentes de segurança em relação ao total de chaves Pix registradas no DICT na data de cessação do evento.
A nova norma conta somente com o “porte da instituição” para fator de ponderação. Isto tende a tornar a imposição de multa mais clara e previsível aos participantes, o que é extremamente positivo.
Por fim, deve-se prestar atenção aos conceitos de “reincidência” e “reincidência específica”, que têm como marco temporal o período de três anos. Isso não havia na versão anterior do Manual de Penalidades do Pix.
Também deve ser alvo de atenção a possibilidade de aplicação do princípio da retroatividade da norma mais benéfica, haja vista ser possível a utilização das regras contidas no novo Manual de Penalidades para expedientes irregulares adotados na vigência do manual revogado, desde que as consequências sejam menos gravosas ao participante.
Próximos passos
O recado do BC é muito claro: prevenção a fraudes é a prioridade do momento. Esta afirmação deve se refletir cada vez mais no cotidiano da atividade normativa da autarquia.
Compreender isso, no entanto, vai muito além de um exercício de futurologia regulatória. As tomadas de decisão de gestores, em instituições reguladas pelo BC, precisam orientar, o quanto antes possível, processos e procedimentos que estejam aptos não somente ao cumprimento da norma atual, mas a possíveis desdobramentos desta.
Essa predição de movimentos regulatórios certamente é diferencial competitivo que pode representar turning point em valor de mercado de empresas atentas a este momento.
*Advogado, professor especializado em regulação financeira e consultor jurídico e regulatório da GMS.