Bruna Cataldo*
Recentemente, o Banco Central anunciou que a versão digital do Real será chamada de “Drex” e classificou a ação como mais um passo em direção à implementação da CBDC brasileira – modalidade que está sendo estudada por mais de 100 bancos centrais, que respondem por mais de 95% do PIB global. Posto isso, não resta dúvidas que a implementação do real digital está alinhada à tendência internacional.
Devido ao fato de o principal uso de CBDCs (em países como China, Bahamas e Nigéria) ser a digitalização de pagamentos, o primeiro questionamento que surgiu foi se precisaríamos do Drex, uma vez que já temos o Pix. A realidade é que, justamente pela revolução do Pix, o real digital não está sendo desenvolvido para esse caso de uso. O Pix é uma operação eletrônica, enquanto o Drex é a moeda em si.
Outro questionamento comum é se ele será uma criptomoeda, mas já adianto que não. Criptomoedas são privadas e não são emitidas por bancos centrais. Assim como o Pix, o real digital não é uma criptomoeda – embora o BC vá usar tecnologias originadas no universo cripto para induzir a inovação dentro do sistema financeiro tradicional.
Sendo assim, o principal papel do Drex será completar o tripé de digitalização do sistema financeiro composto – até o momento – pelo Pix e pelo Open Finance. Isso significa que, se o Pix já permite a realização de pagamentos instantâneos, o Drex poderá tornar tais transações “inteligentes”, com o Open Finance complementando ambos, ao viabilizar o compartilhamento e a padronização de dados necessários para inovar dentro desse ecossistema.
Mas, o que significa tornar as transações inteligentes?
As características estão associadas à ideia de programabilidade. Basicamente, o real digital criará uma infraestrutura em que contratos inteligentes permitirão a criação de condições para a realização de transações. Por exemplo, um dos produtos propostos envolve um marketplace para compra de veículos dentro de apps, com o uso do Drex permitindo que os recursos sejam liberados instantaneamente e paralelamente a documentação de troca de propriedade. Aplica-se a lógica da troca de dinheiro que ocorre no Pix a uma transação envolvendo um ativo real.
Outro exemplo de produto proposto que envolve o seu uso é: para que produtos comprados em e-commerce possam ser retirados em armários inteligentes equivalentes de modo que, assim que a senha for inserida no armário pelo comprador para retirar sua compra, o dinheiro seja instantaneamente liberado ao vendedor (ambas as etapas concomitantes).
Além disso, consegui identificar 4 tipos de produtos: marketplaces de ativos tokenizados, inovações em pagamento digital (mais especificamente internacionais e com foco no atacado, ou seja, movimentação entre instituições, não entre pessoas), internet das coisas e plataformas de DeFi. Tal variedade mostra o papel do Drex em permitir inovações em produtos, mas o fato de as propostas terem vindo dos mais variados tipos de instituição (bancos, corretoras, bandeiras, empresas de tecnologia, por exemplo) indica também seu papel em induzir a diversificação dos modelos de negócio atuantes no mercado.
Suas propostas de valor podem ser divididas pelo lado da oferta (instituições) e da demanda (consumidor). Do lado da oferta: (i) a automatização de processos diminui demandas operacionais, (ii) o foco em experiência tende a diminuir demandas no relacionamento com cliente, (iii) a tecnologia usada e a infraestrutura desenvolvida pelo Banco Central garante maior robustez e resiliência ao mercado, (iv) a programabilidade permite a criação de novos modelos de negócio e produtos, e (v) o ganho de eficiência e segurança tende a diminuir custos.
Do lado da demanda, o DREX pode contribuir para maior agilidade nas transações, redução de fricção na liquidação de transações, possibilidade de o consumidor usufruir dos benefícios das tecnologias associadas ao universo cripto com a segurança oferecida pelo Banco Central, aumento da diversidade de produtos no mercado e possível redução no custo para consumir produtos financeiros. No momento, tais propostas de valor são bastante especulativas e abstratas, mas os projetos apresentados no âmbito do Lift Challenge proposto pelo Banco Central já trazem uma ideia dos produtos que podem tornar tais benefícios concretos.
Agora, quanto e quando se vai materializar, é uma incógnita. Enquanto isso, aguardemos o lançamento do Drex no ano que vem e saberemos.
*Head de Pesquisa do Instituto Propague e colunista do Fintechs Brasil