Depois da primeira tentativa de trazer uma fintech para seu portfolio – que foi frustrada pela venda da startup no começo do ano – a Brasil Venture Debt (BVD) está finalizando negociação com outra – mas ainda não pode revelar qual. A gestora lançada em 2019 tem um fundo com R$ 140 milhões e sete startups de diversos setores, com faturamentos entre R$ 5 milhões e R$ 100 milhões. “O segmento de fintechs está e continuará muito em evidência, estimulado por mudanças regulatórias no Brasil”, diz a CEO do BDV, Gabriela Gonçalves. “Até agora, não tínhamos uma oferta atraente para as necessidades de uma fintech de crédito, mas com as últimas parcerias fechadas, hoje conseguimos oferecer recursos para preencher os dois ‘bolsos’ dessas startups”, diz.
Os “dois bolsos” aos quais Gabriela se refere são, de um lado, os recursos que a empresa precisa para investir para crescer – como marketing, tecnologia e contratações – e de outro o funding que precisa acessar para repassar aos clientes finais. Segundo ela, fundos estruturados para esse tipo de financiamento, como FIDCs tradicionais, são normalmente administrados de forma tradicional, convencional, pouco aderente ao perfil de empresas asset light, sem garantias reais e de forte base tecnológica. Gabriela diz que não pode revelar quem são os parceiros, mas entre os cotistas do fundo estão BNDES, XP, Bossanova, BDMG, três family offices e dois investidores pessoas físicas.
Gabriela afirma que a BVD é, por enquanto, a única no país a oferecer financiamento de risco baseado em dívida, e não em participação no capital das startups, como fazem os fundos de venture capital. O recurso é muito usado no exterior há mais de 40 anos – nos Estados Unidos, responde por 25% dos financiamentos de startups, diz ela – mas no Brasil, até pouco tempo, os juros muito elevados e a dificuldade de analisar o crédito de empresas jovens e digitais inviabilizava sua utilização.
O ovo ou a galinha
Na verdade, o modelo que a BDV está aplicando por aqui é um híbrido, com componentes fixos e variáveis: “Temos a preocupação de montar um produto founder friendly, uma estrutura ótima de capital, com garantias e fluxo de pagamento adequados a cada caso, e aos objetivos da startup – o que pode incluir empréstimo-ponte até um aporte de venture capital ou um M&A, por exemplo”, explica. “Nosso objetivo é ajudar startups brasileiras a quebrarem o ciclo vicioso do ovo ou a galinha que dificulta seu acesso a recursos: não consegue crédito porque não tem histórico de operações e não tem histórico de operações porque não tem recursos para investir em crescimento”, diz Gabriela.
A CEO admite que o modelo de dívida não é para quem está muito no começo da empreitada, ao contrário: sua tese precisa estar comprovada, nível mínimo de segurança, margem bruta positiva e mercado escalável. Já ter recebido aportes de fundos de venture capital ou outros investidores institucionais é um diferencial. “Algumas fintechs de crédito hoje no Brasil estão quase pagando para dar o crédito. Tudo bem dar prioridade ao crescimento e não ao lucro no começo, mas tudo tem limite”, diz. Segundo Gabriela, a ideia é construir relacionamentos de longo prazo com as investidas e oferecer mais crédito de forma cada vez mais sob medida.
Gabriela foi coordenadora regional da Endeavor Brasil e supervisora do pioneiro Fundo Criatec I do BNDESPar e Banco do Nordeste. Também foi cofundadora e sócia da Lazada, e-commerce financiado pela Rocket Internet e vendido, em 2016, para o Grupo Alibaba.
Como funciona
O Venture Debt é uma dívida estruturada não conversível para empresas apoiadas por fundos de Venture Capital, cujos fundadores queiram evitar diluição excessiva e ter acesso a um financiamento mais flexível para viabilizar planos de negócios e promover crescimento. Em geral, é menos dispendioso para os fundadores do que equity – quando estruturado apropriadamente, pode ser uma opção de financiamento atraente pelas seguintes razões:
- Não implica em diluição dos fundadores e investidores;
- Processo de due diligence mais simplificado e rápido, quando comparado à equity;
- Maiores prazos e carência de acordo com o ciclo operacional/financeiro da companhia, quando comparado com grande parte das linhas bancarias e outros modelos de dívida.
- Alonga a runway da empresa, possibilitando aumento do valuation neste prazo;
- Alavanca rodadas de captação de equity;
- Não exige participação na governança da empresa;