Dario Palhares
Com um histórico respeitável em bancos tradicionais (BEC, BMC, Bancesa, Bicbanco, Banfort, Parnaíba etc.), o Ceará também mostra serviço na seara das finanças digitais. O Estado, que vem adotando uma série de iniciativas de estímulo à inovação, soma atualmente cerca de 12 fintechs, algumas já de renome nacional. São os casos da Mobills, arrematada pelo Santander em junho do último ano, Somapay, Mittu Bank e da administradora de cartões de crédito FortBrasil, que se prepara para ampliar o cardápio de produtos e serviços e a sua área de atuação.
“Depois de roer muito osso para viabilizar a oferta de crédito para as classes C e D no Nordeste, começamos a saborear filé mignon em outras regiões”, diz Marcelo Zanatto, CIO da FortBrasil, que destaca as credenciais da startup para as novas investidas. “Vários concorrentes do Sul e Sudeste que se estabelecerem aqui no Ceará acabaram desistindo, pois não tiveram lucros.”
Criada há 18 anos a partir de um negócio de factoring, a fintech administra 2,4 milhões de cartões de crédito, que, prevê o executivo, devem fechar o ano com aquisições da ordem de R$ 3 bilhões, 20% a mais do que o volume registrado em 2021. Composto por tarjetas com a bandeira Mastercard (80% do total), private label e, ainda, 26 mil cartões 100% FortBrasil, voltados a comerciantes de menor porte, o estoque de moedas plásticas é atrelado a 300 parceiros varejistas – com destaque para redes de supermercados e drogarias, além de lojas de roupas e calçados –, que contam com 36 mil pontos de venda, em sua grande maioria espalhados pelo Nordeste.
Rumo a São Paulo
“Há três anos e meio, iniciamos as operações no Centro-Oeste e, mais recentemente, firmamos as primeiras parcerias no Sul”, diz Zanatto. “Agora nossas atenções estão voltadas para o Sudeste.” A nova etapa do programa de expansão começou a ganhar contornos mais precisos no início do ano, com a contratação de um profissional encarregado de abrir portas e identificar oportunidades na região mais rica do país. O trabalho, prevê Zanatto, deve apresentar os primeiros resultados a curto prazo. “Estamos conversando com cinco redes de supermercados paulistas”, diz ele. “A meta traçada é contar com quatro grandes parceiros em São Paulo nos próximos 12 meses.”
Para valorizar o seu peixe nestas e em outras negociações, a FortBrasil vem acenando com uma série de novos serviços. O pacote inclui, para a clientela de pessoas físicas, a conta digital, prevista para o primeiro semestre de 2023, e um programa de cashback, que garantirá recompensas aos usuários dos cartões administrados pela casa. “Nosso público já conta também com uma linha de crédito pessoal, o Meu Empréstimo, lançada há seis meses”, diz Zanatto.
Com relação aos parceiros comerciais, a startup cearense prepara dois trunfos. O primeiro é um sistema self-service, baseado em um aplicativo de QR Code, que permitirá o cadastramento de novos usuários nos pontos de venda físicos, habilitando-os a realizar compras com seus novos cartões de crédito na sequência. O outro é a prestação, a partir da primeira metade do próximo ano, de crédito como serviço – CaaS, no acrônimo em inglês –, por intermédio de APIs.
“Este será o primeiro passo para nos tornarmos uma plataforma de tecnologia de crédito”, observa Zanatto. “A ideia, de início, é oferecer o CaaS para compras com cartões de crédito e depois estender o serviço para empréstimos e a nossa conta digital. É uma opção sob medida para startups e empresas de médio porte que já contam com alguma infraestrutura de tecnologia.”
One Step
A exemplo da FortBrasil, o Mittu Bank também está ampliando seu leque de públicos e praças. Criada há três anos, a fintech, que conta com um escritório em São Paulo desde o primeiro semestre, voltou-se, de início, aos 9 mil funcionários do seu controlador, o Grupo Servnac, que atua em segurança, rastreamento e terceirização de mão de obra para empresas e condomínios.
“Depois que cerca de 80% dos colaboradores da casa aderiram à nossa Conta Pessoa Física, iniciamos, em março de 2020, um esforço comercial para conquistar folhas de pagamento de outras empresas”, relata o CEO Vicente Araújo Neto. “O serviço é 100% gratuito. Só faturamos quando os funcionários dessa clientela PJ movimentam suas contas e contraem financiamentos.”
A diversificação sofreu, logo na largada, os efeitos da pandemia da Covid-19. Os números da startup, contudo, já são consistentes: em 2021, os pagamentos de salários e transferências somaram R$ 200 milhões e a carteira de empréstimos contabilizou operações de R$ 22 milhões – 70% para PFs e 30% para PJs, incluindo condomínios residenciais e de escritórios. “Para este ano, projetamos uma alta de 10% em ambos os segmentos”, diz Araújo. “A tendência, a curto prazo, é de aquecimento, pois só há pouco reforçamos os investimentos em marketing.”
O menu do Mittu Bank também tende a crescer nos próximos meses. Uma das novidades prestes a sair do forno é uma linha de microcrédito voltada, inicialmente, a clientes de confecções de menor porte, que tem por objetivo desonerá-las dos financiamentos habitualmente concedidos a esses compradores. A principal aposta, contudo, é o projeto One Step, um sistema digital desenvolvido para departamentos de recursos humanos (RHs) de empresas em geral. “O One Step tem como ponto de partida nossos serviços de folha de pagamento”, diz Araújo. “Vamos oferecer uma ferramenta completa de gestão aos RHs, abrangendo salários e benefícios.”
Embora trace planos, a médio prazo, de fincar sua bandeira em outros pontos do mapa nacional, a fintech tem como prioridades a consolidação de sua presença no Nordeste e a alavancagem da operação na cidade de São Paulo. Na Pauliceia, o público-alvo principal é formado por empresas de segurança e, por tabela, os condomínios presentes em suas carteiras. Já no Nordeste, o Mittu Bank mira em pequenos e negócios de outros segmentos, como varejos diversos e hotéis.
“As empresas de segurança do Ceará e estados vizinhos não demonstram muita disposição para trabalhar com a controlada de uma concorrente”, diz Araújo. “O potencial da região, no entanto, é enorme, especialmente no interior, onde os grandes bancos vêm fechando muitas agências.”
Criatividade e tecnologia
O binômio formado por criatividade e tecnologia está em alta no Ceará. A terra de José de Alencar (1829-1877) é um dos destaques do Índice de Inovação dos Estados (IIE), da Federação das Indústrias cearenses (FIEC), que considera, entre outros critérios, investimento público em ciência e tecnologia, capital humano, inserção de mestres e doutores na indústria e produção científica. Desde 2018, o Ceará galgou cinco posições no ranking do IEE, da 16a para a 11a, e já se encontra, com um índice de 0,223, no vácuo do líder da Região Nordeste, Pernambuco (0,237).
“O interesse pela inovação é crescente no Ceará: entre 2016 e 2020, o total de empresas do Estado que recorreram aos benefícios fiscais previstos pela Lei do Bem para investimentos em novas tecnologias saltou de 13 para 45”, observa Rodrigo Miranda, diretor nacional de operações da consultoria internacional G.A.C, que acaba de inaugurar em Fortaleza o seu quarto escritório no país. “Além de iniciativas públicas, há também vários projetos de parcerias público-privadas que estão colaborando para que o Ceará seja visto como um novo polo de inovação no Brasil.”
Um dos principais agentes desse processo é a Fundação de Ciência Tecnologia e Inovação de Fortaleza, a Citinova, que tem status de secretaria municipal. Em conjunto com órgãos estaduais, caso do Laboratório de Inovação e Dados, o Íris, e outros parceiros, grupo que inclui União Europeia (UE), Bloomberg Philathropiese e iFood, a Citinova acumula um portfólio de 28 projetos, em pouco mais de um ano, nas áreas de habitação, saúde, educação e mobilidade urbana.
“Um exemplo recente foi o desenvolvimento, em parceria com a startup pernambucana Nina, e a instalação no aplicativo do sistema de transporte público de um botão de pânico para combater o assédio sexual contra mulheres nos ônibus”, cita Victor Macêdo, vice-presidente da Citinova. “A iniciativa, que contribuiu para um salto nas denúncias do gênero por passageiras, foi o item melhor avaliado em pesquisa realizada em 2021 com os usuários do transporte municipal.
O sucesso na empreitada estimulou a fundação a se aproximar de outras startups. Há pouco mais de um mês, ela encarregou a baiana Solos de montar e conduzir a estrutura logística de uma parte da frota de 47 triciclos elétricos usados por catadores. “Eles elaboram rotas mais eficientes e mantém contato permanente, por WhatsApp, com os catadores”, diz Macêdo. “A ideia é expandir esse programa piloto para toda Fortaleza e articulá-lo com todos os pontos de entrega de lixo.”