Empreendedores contam os planos após aprovação no sandbox da CVM

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Danylo Martins, Fernanda Bompan e Giovanni Porfírio

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou no último dia 30 as propostas selecionadas para a primeira edição do seu sandbox. Foram aprovados os projetos apresentados por Basement, Beegin (do Grupo Solum) e Vórtx.

O modelo de sandbox — tradução literal de ‘caixa de areia’ — é um ambiente experimental, que busca fomentar a inovação com menor custo regulatório. O formato é adotado por diversos países europeus e asiáticos, como Austrália, Reino Unido, além de países na África e no Oriente Médio. Por aqui, ao contrário, a iniciativa do sandbox vem sendo liderada pelos três reguladores: Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Superintendência de Seguros Privados (Susep).

O Finsiders ouviu as três empresas aprovadas e conta mais detalhes sobre as iniciativas e as expectativas em relação à aprovação no ambiente experimental da CVM.

Mercado de capitais 100% digital

Em entrevista exclusiva ao Finsiders, Juliano Cornacchia, CEO e cofundador da Vórtx, e Fernando Carvalho, CEO da QR Capital, acreditam que a criaram uma empresa com potencial para mudar o mercado de capitais, ao acelerar sua digitalização na intermediação de ofertas públicas de valores mobiliários.

Neste projeto aprovado pela CVM, eles vão desenvolver tokens apenas para debêntures e cotas de fundos de investimento fechados. Mas nada impede, quando a infraestrutura for aprovada, que o modelo seja expandido para outros tipos de ativos.

“E o que está por trás disso é a tecnologia blockchain, que possibilita transações transparentes, eficientes e mais rápidas, sem precisar ir ao cartório, por exemplo”, esclarece Fernando.

Como o projeto foi recém-aprovado, eles evitam falar de metas. Dizem apenas que os objetivos são um só dentro Vórtx QR Tokenizadora. E garantem que ambas as empresas têm expertise para tocar a criação sem grandes dificuldades e ser aprovada pela CVM.

“O que estamos construindo aqui não tem precedente. Não é criar uma nova bolsa, mas trazer o mercado de capitais para um ambiente 100% digital”, diz Juliano. “É um negócio inovador”, resume.

O desafio está agora em formar a equipe que irá desenvolver o projeto. Tudo tem que estar encaminhado até 15 de fevereiro de 2022. Para tanto, eles contarão com capitais próprios para os investimentos, mas não descartam rodadas se assim precisarem.

De acordo com as empresas, as atividades que poderão ser realizadas com o apoio da tokenizadora serão reguladas, ou seja, proporcionarão a oferta, intermediação e distribuição de esforços restritos de Valores Mobiliários Digitais (VMDs), custódia para investidores em plataforma digital, escrituração distribuída de VMDs, negociações multi e bilaterais de VMDs e liquidação de negócios com VMDs.

Em princípio, as atividades serão restritas a 12 emissores ativos. Serão prestados serviços, além da escrituração de debêntures e cotas de fundos de investimento fechados, cédulas e certificados de depósito e valores mobiliários.

Além disso, a autorização no âmbito do sandbox dispensa a nova instituição de uma série de obrigações e possibilitará a negociação de ativos em um mercado de balcão de forma exclusiva. Segundo Juliano, é uma forma de criar uma empresa junto com o órgão regulador sem que, caso surja algum problema no decorrer do processo, todo o mercado seja prejudicado.

Os investidores e emissores interessados em participar desta nova iniciativa podem acessar o site www.tokenizadora.com.br, especialmente criado para isso, e se cadastrar para receber as evoluções do projeto.

A Vórtx é uma fintech que oferece uma plataforma de infraestrutura de mercado de capitais, atuando em corporate trust services, fund trust services e banking services com propósito de descomplicar o mercado de capitais. A empresa detém mais de R$ 500 bilhões em ativos.

Já a QR Capital é a holding controladora de um portfólio de marcas que oferece diversas soluções em blockchain e criptoativos, além de desenvolver e investir em empresas do setor. O grupo busca, desde sua fundação, em 2018, a profissionalização do mercado de blockchain e ativos digitais.

‘Bolsa para empresas emergentes’

A BEE4 (sigla para Balcão Organizado de Negociação de Empresas Emergentes, ou ‘BEE four’), tem como objetivo atrair companhias que já não são mais startups, mas ainda precisam de uma certa maturidade para terem suas ações negociadas na B3, além de terem um faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões.

“Estamos construindo um grupo focado em ativos alternativos, criando uma engrenagem para ajudar esse mercado. Nosso objetivo é contribuir para o mercado de capitais, colocando vários conceitos que a gente já aprendeu”, destaca Patricia Stille, sócia e cofundadora do Grupo Solum e head da BEE4, em entrevista ao Finsiders.

Segundo Patrícia, o Brasil é detentor de uma indústria madura de private equity, com gestoras tradicionais, mas ainda possui um gap quando o assunto é mercado de acesso. De acordo com ela, o projeto da BEE4 chega para atender as empresas emergentes que não têm acesso à capital, trazendo oportunidades para estes investidores e ajudando a desenvolver o segmento.

“É muito importante que o empresário entenda a linguagem do mercado de capitais para receber funding. Ele precisa ter grau de governança, o mínimo de transparência, e a gente criou uma forma de proporcionar isso, que vai entrar nesse projeto do balcão”, acrescenta.

A autorização recebida pela BEE4 estabelece que a iniciativa entre em operação a partir do início de março de 2022, com a implantação total da infraestrutura planejada até março de 2023. Neste primeiro momento, até dez empresas devem ter suas ações listadas pela beegin. “A minha maior preocupação é fazer dos primeiros 12 meses da BEE4 os melhores possíveis. Isso é uma oportunidade de ouro. Vamos contribuir para o mercado de acesso no Brasil”, diz Patrícia.

Além da beegin, o projeto conta ainda com a colaboração da Câmara Intercambiária de Pagamentos (CIP), integrante do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e que promove soluções que viabilizam a evolução do mercado financeiro, além da Finchain, one-stop-shop de serviços de blockchain e criptomoedas no Brasil fundada por Marcelo Miranda, ex-head de equity trading da Deutsche Bank Brasil.

Joaquim Kavakama, superintendente da CIP, disse ao Finsiders que a aprovação da BEE4 no sandbox da CVM marca a entrada da organização como provedora de infraestrutura para outros segmentos de mercado, aportando conhecimento e capacidade técnica para garantir robustez na liquidação das negociações.

“Acreditamos muito neste projeto e estamos confiantes de que a BEE4 será um marco que deverá contribuir muito para o desenvolvimento do mercado de capitais e para o financiamento de empresas emergentes”.

Segundo Marcelo Miranda, diretor da Finchain, a empresa sempre se preocupou com a disseminação das melhores práticas desse segmento. “Para nós, a possibilidade de participar da BEE4 é uma oportunidade de fortalecer toda a cadeia de valor em um caso de uso de suma importância para o mercado financeiro”, afirmou ao Finsiders.

A beegin faz parte do Grupo Solum, liderado por Patrícia Stille e Rodrigo Fiszman (ambos ex-sócios da XP), além de Pedro Janot (ex-CEO e cofundador da Azul Linhas Aéreas) e Alexandre Amitay (ex-consultor da Bain&Co). Além da beegin, o grupo conta com a Solum Capital (gestora de investimentos alternativos); a Solum.ed (braço de educação financeira); a beegin.invest (plataforma de crowdfunding) e a beegin.tech (sistema para apoiar empresas na gestão da relação com acionistas e potenciais investidores).

Livros societários digitalizados

Quando fundou a então Broota, hoje chamada Kria, o empreendedor Frederico Rizzo enxergava um caminho mais digital para o empreendedorismo. Na época, ele inovou ao construir a primeira iniciativa de equity-crowdfunding no país. Desbravou um mercado que, três anos depois, seria regulamentado pela CVM. “Apanhamos, erramos um monte”, relembra.

Nos últimos anos, a própria Kria se reinventou. Além de funcionar como uma plataforma de crowdfunding para startups, a empresa criou um braço B2B, fornecendo toda sua infraestrutura para outras iniciativas na área. São mais de dez clientes em carteira, conforme Camila Nasser, CEO do Kria, contou recentemente ao Finsiders.

Outro negócio originado do Kria foi o Basement, que nasceu de uma dor identificada por Fred e seus sócios: a gestão do captable pelas startups. “Foi por isso que decidimos fazer uma empresa só para controlar captable, buscando um modelo de negócio um pouco mais fácil que crowdfunding, com um SaaS [software como serviço], com receita recorrente”, explica.

A plataforma, já na terceira versão, tem como carro-chefe as stock options. A solução criada pela Basement permite que startups montem e gerenciem um plano de stock options de maneira 100% digital. Hoje com 180 clientes, incluindo startups como Cora, EuReciclo, Qulture Rocks, GeekHunter, entre outras, a expectativa é superar 200 clientes até o fim do ano. “Temos desde empresas que estão começando, passando por empresas em trilhas de Venture Capital, até companhias de capital aberto”, conta Fred.

Há alguns anos, a Basement também estava de olho na possibilidade de digitalizar os livros societários de empresas. “Aplicamos para o sandbox porque não tinha outro caminho para tornar os livros societários eletrônicos”. No ambiente experimental da CVM, a startup foi aprovada para atuar como escriturador de valores mobiliários e prestar serviço para SAs que tenham realizado ou estejam em processo de realizar ofertas públicas, com foco em sociedades empresárias de pequeno porte que emitem via Instrução CVM 588.

A ambição da Basement ganhou um impulso a mais no mês passado, com a mudança na legislação, a partir da publicação da Lei nº 14.195, de 2021, que facilita a abertura de empresas, e prevê que os livros de registros de empresas agora serão digitalizados, podendo ser autenticados de forma eletrônica.

“Estamos falando de algo como 170 mil SAs, e eu diria que 99% trabalham ainda com livros físicos e agora precisam mudar de padrão. No final das contas, nossa ambição de escrituração se tornou mais potente com a mudança na lei”, explica Fred.

Neste momento, a Basement está criando APIs em parceria com as juntas comerciais. “Estamos focados nos próximos dois anos para fazer o ‘go to market’ bem agressivo, e aproveitar este momento de mercado”, diz o empreendedor.

Hoje debaixo de uma holding, que também controla o Kria, o Basement está num processo para se transformar em um negócio independente.

Fred lembra, ainda, que o Basement é uma empresa B, com um propósito forte de que captables diversos são uma das alavancas para a diversidade. “Acreditamos num mundo de mais donas e donos. O design do nosso capitalismo precisa ser repensado. Queremos construir um novo modelo.”

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Danylo Martins é jornalista com dez anos de cobertura de finanças, empreendedorismo e inovação no setor financeiro. Com MBA em mercado de capitais, é vencedor de quatro prêmios de jornalismo econômico e colabora com o jornal Valor Econômico há oito anos. Teve passagens por Folha de S.Paulo e revista Você S/A.

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