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ENTREVISTA Orlando Cintra/BR Angels: “Fintechs de IA em back office e segurança são as mais promissoras hoje”

Os 270 investidores anjos da BR Angels já investiram R$ 40 milhões em 28 startups desde 2019 – a 29a. já está escolhida. O total das rodadas, contando os investimentos solo e os co-investimentos de outros grupos e parceiros, chega a R$ 83 milhões. E o objetivo é investir nos próximos 12 meses mais R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões.

Curiosamente, apenas três startups do portfólio têm alguma conexão com serviços financeiros. Para o CEO Orlando Cintra, que fundou o grupo em 2019, é difícil investir em fintechs, pois elas se valorizam muito rapidamente – e muitas hoje fazem “mais do mesmo”. “As que investem em soluções para back office e segurança, principalmente as que souberem como aplicar Inteligência Artificial nisso são as mais promissoras. A IA pode ser um game changer nesse mercado” diz Cintra.

Segundo ele, o objetivo da BR Angels é aportar não apenas dinheiro, mas conhecimento – o que no universo das startups é sinônimo de “smart money”. Sim, um “smart money positivo”, que favorece não o investidor com lucros rápidos de jogadas oportunistas – como o termo é usado no mercado financeiro – mas que usa a experiência e a rede de relacionamentos dos investidores para ajudar os empreendedores das startups investidas. “Os participantes do grupo se comprometem, desde o começo, a dedicar ao menos quatro horas de mentoria por mês”, diz. Cintra buscou formar o BR Angels com executivos, para criar um grupo menos acadêmico e com mais prática.

Antes de 2019, Cintra vinha construindo sua carreira em grandes empresas multinacionais de tecnologia como HP e SAP – com algumas esporádicas incursões no mundo dos investimentos anjos a partir de 2015.

Leia a entrevista a seguir para conhecer melhor o trabalho e as motivações de Cintra e da BR Angels:

FINTECHS BRASIL: Nos últimos meses temos assistido a uma retração dos investimentos de risco, devido a diversos fatores conjunturais como juros e inflação elevados. Como a BR Angels se posiciona nesse momento?

ORLANDO CINTRA: Olha, ainda não dá para tirar o casaco – mas a gente já vê a primavera apontar lá na frente. É cedo para dizer que o inverno acabou, mas eu já consigo ver claros sinais positivos, gente falando de IPO no ano que vem, e a inflação começando a arrefecer – principalmente aqui no Brasil… e o interesse por startups começa a voltar um pouco mais forte. Falando especificamente de investimento anjo, os volumes caíram menos – se bem que o esperado era que o volume fosse muito maior. Seria o mais lógico, com a retração dos fundos de venture capital, mais startups deveriam procurar investimentos anjo. Mas não aconteceu esse movimento: o que aconteceu foi que muitos empreendedores, lendo o momento, em vez de buscar investimentos menores, se retraíram para não desvalorizar o negócio e entregar fatias maiores do controle do capital . Acredito que quando a economia começar a acelerar de novo, vamos ver um efeito rebote.

FINTECHS BRASIL: A BR Angels quase não investe em fintechs. Vocês não gostam do segmento?

ORLANDO CINTRA: Eu particularmente adoro fintechs. Fintech pura, temos apenas a Sinapse, mas investimos também na GetCommerce e na Minds Digital, que prestam serviços para o setor financeiro. Não investimos tanto quanto gostaríamos por dois motivos: 1) quando uma fintech aparece com uma solução disruptiva, sua valorização é muito rápida; 2) ultimamente temos visto mais do mesmo. Inclusive temos dado esse feeedback para as fintechs que estão no nosso pipeline de mais de 200 startups. As fintechs são o segundo maior segmento desse grupo – o maior grupo é das startups provedoras de tecnologia.

FINTECHS BRASIL: E qual o problema de se valorizar muito rapidamente?

ORLANDO CINTRA – Para investidores anjo, que normalmente assinam cheques de até R$ 2 milhões, o ideal é investir no começo – mas é difícil acertar o timing para entrar. Se colocarmos R$ 2 milhões em uma fintech que já vale R$ 100 milhões, qual é a chance de ela ser vendida em cinco anos por dez vezes mais, ou seja, por R$ 1 bilhão? Na BR Angels não perseguimos apenas altos retornos, mas também não entramos para perder – o objetivo normalmente é conseguir uma valorização de 5 a 10 vezes o investimento em cinco anos. É possível, claro – a Visa acaba de comprar a brasileira Pismo por US$ 1 bilhão – mas é uma aposta muito arriscada: quanto maior o valuation na hora do cheque, mais forte precisa ser a tese de que ela vai se valorizar muito mais ainda lá na frente. Nas outras startups essa valorização demora mais. Para investidores de Series A, Series B, que assinam cheques mais altos, isso não é um problema – mas para investimento anjo sim. O ideal é identificar antes, pegar ali no nascedouro uma fintech que se valorize muito – o que é fácil falar, mas difícil fazer.

FINTECHS BRASIL: E em relação ao segundo ponto, o “mais do mesmo”?

ORLANDO CINTRA: Muitas fintechs que no passado eram novidade por atacar uma dor ainda inatacada, como fizeram Nubank e Ebanx, hoje em dia já não são tão novidade assim. Até três ou quatro anos atrás, havia muitas lacunas a preencher no mercado financeiro, mas depois que uma começou a fazer, surgiram outras 20 fazendo a mesma coisa. Nossa obrigação é saber o que uma nova fintech de pagamentos faz diferente do Ebanx, por exemplo. Mas, principalmente nos últimos 12 meses, está cada vez mais difícil encontrar essa diferenciação. Por isso, atualmente estamos olhando para fintechs que estão conseguindo aplicar inteligência artificial de forma inteligente. IA pode ser um grande game changer – não só para fintechs, mas para startups no geral. Desde que surgiu o ChatGPT, o acesso à IA ficou mais fácil e mais barato, virou commodity. Quem conseguir trazer isso para o seu produto ou seu serviço, e transformar o valor entregue ao cliente, larga na frente. Acredito que a IA será um fator de diferenciação clara entre as fintechs “mais do mesmo” e aquelas que serão os futuros unicórnios. Como exemplo de bom uso da IA pelas fintechs , temos as que vêm aplicando a tecnologia em análise de risco de crédito; logo vamos ver outras buscando uma maneira mais inteligente de fazer um PIX por comando de voz, ou de sugerir automatizar um PIX que você sempre faz…

FINTECHS BRASIL: Além da IA em risco de crédito, onde mais você acredita que ainda há espaço para as fintechs inovarem?

ORLANDO CINTRA: Tem muito a ser feito em back office e segurança. Pode não ser muito glamuroso, mas com certeza é necessário – e tem muita empresa que investiria muito dinheiro nisso. Quando a gente fala de fintech, está sempre pensando na ponta do cliente final – mas trazer inovação para os departamentos financeiros das empresas também é uma grande oportunidade, um mato muito alto a desbravar, tem muita ineficiência no trabalho de cruzamento de dados e de informações – na verdade, na falta disso. São processos simples, de reembolso de despesas, conciliação de dados… mas que ao mesmo tempo ainda é problemático, ocorre muito erro principalmente na parte de cálculo de impostos, de confecção de balanços… ainda são processos mecânicos, com uso intensivo de planilhas e de mão de obra humana. A inteligência artificial ainda é pouco utilizada para isso. A IA também pode ajudar as empresas a tomarem decisões a partir da leitura correta dos dados e das leis. Imagina um sistema que digira rapidamente aspectos de uma reforma trabalhista que acabou de entrar em vigor… hoje você só consegue fazer isso através de uma consultoria, ocupando horas e horas do seu time. E veja que não estou nem falando de inovação disruptiva, apenas de inovação incremental – mas hoje não existe inteligência artificial nem para isso. Eu acho um baita filão. Não tem glamour, mas tem utilidade e dinheiro disponível para investir, muita empresa precisa disso.

FINTECHS BRASIL: E onde entram as soluções de IA para segurança?

ORLANDO CINTRA: Uma das nossas investidas, a Minds Digital, tem um sistema de autenticação por voz muito interessante para bancos, seguradoras e para vários segmentos – é mais complicado fraudar voz do que imagem facial. Hoje a gente não consegue ainda identificar uma situação perigosa, por exemplo; tem recursos de segurança, mas não inteligência artificial para isso. Mas o que falta para conseguir não é muito, porque um celular já tem todos os sensores, todos os componentes tecnológicos necessários; o que falta é inteligência, falta algoritmo. Acredito já ser possível chegar numa IA que identifique quando estiver acontecendo um roubo, detectar uma situação de perigo. Chega de deixar nosso verdadeiro celular em casa, e sair na rua com o “celular do ladrão”. A inteligência artificial estará no “pedigree” de novas fintechs que vão surgir nos próximos 12 meses.

RAIO X
Os investidores-anjo brasileiros aportaram R$ 984 milhões em startups ao longo de 2022, segundo pesquisa divulgada pela Anjos do Brasil no mês passado. O valor representa uma queda de 2% no volume investido em relação a 2021, quando foram injetados R$ 1,05 bilhão nas startups nacionais. Segundo o estudo, o valor médio dos aportes foi de R$ 124 mil em 2022, 3,7% a menos do que no ano anterior. Os números da pesquisa mostram um aumento de 2% na quantidade de investidores em 2022, passando de 7.834 para 7.963. A alta havia sido ainda maior na edição anterior, quando o número de investidores-anjos cresceu 13% entre 2020 e 2021. Em 2022, o top 3 dos setores que mais chamam atenção foi formado por agtechs (57,5%), SaaS (49,4%) e healthtechs (47,9%).