Dono de uma fatia de 23,2% do PIB nacional, o agronegócio ainda conta com poucas fintechs para chamar efetivamente de suas. Composto por cerca, se muito, de uma dezena de braços financeiros digitais – casos de Syde (Syngenta), Fincrop (Bunge) e Payly (Raizen) –, o time recebeu, contudo, dois reforços nos últimos meses: FictorPay e Fincoop.
Controlada do Grupo Fictor, nome conhecido na indústria de alimentos e no comércio de grãos, a primeira recebeu investimento inicial de R$ 40 milhões. Entrou em operação em agosto de 2024, em caráter experimental, com a oferta de linhas de crédito ancoradas em recebíveis do cartão de crédito American Express (Amex) B2B, pioneiro do gênero no País, emitido com exclusividade pela casa.
“A cessão de recebíveis de cartões de crédito é uma das linhas mais baratas do mercado, pois, ao contrário das duplicatas, trata-se de um crédito já performado”, diz Ricardo Abdo, CEO da FictoPay, em entrevista ao Finsiders Brasil. “Resolvemos oferecer essa oportunidade, de início, a empresas do grupo.”
FictorPay aposta em cartão de crédito B2B
Um dos “laboratórios” eleitos pela fintech foram os abatedouros do Fictor, que somam mais de 4 mil funcionários. No caso das unidades de criação e processamento de aves, a opção apresentada permitiu o parcelamento em até 12 vezes da compra de grãos para a alimentação dos rebanhos, que respondem por algo em torno de 70% a 80% dos custos operacionais. O custo total dos financiamentos está ao redor de 15% ao ano, em empate técnico com a taxa de juros básica, a Selic. “O fluxo de caixa desse setor sofre historicamente com desalinhamentos, pois o ciclo de produção, do nascimento ao abate das aves, se estende por 45 dias, e o recebimento só ocorre em 60 dias. Não por acaso, portanto, nossa proposta foi muito bem recebida”, diz Ricardo.
Aprovada no teste doméstico, a linha de crédito foi expandida para toda a praça em junho, de forma simultânea ao lançamento do cartão B2B para todos os interessados. O cardápio também ganhou diversidade, com a montagem de financiamentos sob medida para produtores de grãos. “No último mês, por exemplo, fechamos uma operação no valor de R$ 100 milhões para um produtor de soja do Maranhão. E a procura vem aumentando, especialmente de pequenos e médios agricultores, pois muitos deles não têm acesso às linhas do Banco do Brasil”, diz o executivo.
Diferentes nichos
Mas a FictorPay vem se voltando a outros nichos e públicos. Um exemplo é o ramo de eventos culturais, contemplado há pouco com o lançamento da Ficpass. A plataforma financiou a exposição “Uma homenagem ao Rei Pelé”, atualmente em cartaz no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
Outros dois projetos em pauta são o cartão Amex para a linha de crédito consignado, que atende servidores públicos nas esferas municipal e estadual, e a oferta de financiamentos para a ponta final da cadeia de agronegócio: revendedores das marcas Mellore (carnes bovinas, suínas e de aves) e Fredini (cortes de frangos e rações animais). Ambas pertencem ao Fictor e já são atendidas pela fintech por meio de suas maquininhas Smart FictorPay.
“A meta para 2026 é fomentar a produção de alimentos industrializados do grupo com linhas de crédito, também com base em recebíveis de cartões de crédito, para o varejo”, diz Ricardo. “O público-alvo tem cerca de 11 mil comércios. São açougues e pequenos mercados, para os quais estamos estudando, inclusive, a concessão de geladeiras com as nossas marcas.”
Prestes a completar um ano de estrada, a fintech exibe indicadores robustos. O volume de transações já ultrapassou R$ 1 bilhão. Já as operações de crédito somam cerca de R$ 700 milhões. Trata-se, de acordo com o CEO, de um ensaio para a segunda metade da década. “Nos próximos cinco anos, planejamos ampliar o volume acumulado de crédito para algo na faixa de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões. É um objetivo viável, considerando os números registrados até agora”, diz ele.
Fincoop avança com crédito, seguros e consultoria
Caloura entre as fintechs do agro, a Fincoop foi apresentada ao público durante a última edição do Agrishow. O evento ocorreu em Ribeirão Preto (SP) entre 28/4 e 2/5. O interesse despertado pela novata no evento deveu-se, em grande parte, ao porte e ao prestígio de sua controladora: a Coopercitrus Cooperativa de Produtores Rurais. Com sede em Bebedouro (SP), contabiliza 42 mil filiados e presença física em cerca de 70 municípios de quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso).
A estreante, contudo, logo de cara colocou à disposição dos cooperados uma linha de crédito com recursos bancados pelo programa Desenvolve SP, do governo paulista. “Com taxas competitivas, esses financiamentos são voltados para investimentos em tecnologias de ponta, como agricultura de precisão, irrigação e drones. A Fincoop responde pela análise de crédito”, diz Fernando Degobbi, CEO da Coopercitrus.
A fintech, que tem atualmente 120 funcionários, em sua maioria em contato direto com produtores rurais, herdou alguns negócios e serviços da cooperativa. É o caso da corretora de seguros, que já soma mais de 3 mil apólices negociadas em menos de dois anos de atividades. O seu cardápio inclui de opções convencionais – por exemplo, seguros patrimoniais, para safras, veículos e máquinas agrícolas – até soluções nada usuais. “Trabalhamos com cinco das maiores seguradoras do mercado, o que garante aos cooperados custos menores e apólices sob medida. Já fizemos até seguros ancorados em precipitação pluviométrica, ou seja, chuva”, diz Fernando.
Serviços
Na área de serviços, a Fincoop passou a responder por duas modalidades de consultoria, sucessória e contábil. A primeira foi lançada em julho de 2024, em seminário na Coopercitrus Expo. E deu origem a 15 processos sucessórios em andamento, todos sob a supervisão de bancas de advocacia especializadas no tema. Também recente, a assessoria contábil conta com o apoio técnico de uma grande consultoria, uma das chamadas “big four”.
“Não se trata de auditoria, e sim de orientação na elaboração de informes financeiros, para facilitar, sobretudo, as negociações de taxas e prazos de financiamento com bancos e fornecedores”, diz Fernando. “O objetivo é mitigar riscos de que produtores rurais paguem spreads elevados por não fornecerem informações financeiras de seus negócios da forma adequada.”
Com o mesmo intuito, poupar o bolso dos cooperados, a Fincoop firmou parcerias com sete bancos. Semelhante ao esquema adotado na área de seguros, o arranjo vem proporcionando bons resultados para o público atendido pela cooperativa. E tende a ganhar novos “fornecedores” de funding (fonte de financiamento), pois interessados não faltam. “Como temos o histórico dos cooperados, negociamos, em seu nome, condições de crédito mais vantajosas com os bancos”, diz o executivo. “A iniciativa garantiu reduções de 15% a 20% nos spreads antes pagos pelos produtores, sem o nosso apoio.”
Syde mira novos acordos com bancos e fintechs
Criada no primeiro semestre de 2023 pela Syngenta, a Syde opera de forma praticamente idêntica à da Fincoop na seara de crédito. Para proporcionar financiamentos mais em conta, ágeis e com menores exigências de garantias aos produtores cadastrados no aplicativo da casa – todos, claro, consumidores de produtos da Syngenta e devidamente recomendados por revendedores da marca –, a fintech estabeleceu acordos com sete instituições (casos de AL5, BTG Pactual, Itaú e de duas agtechs, Culttivo e Farm Tech). Com elas, faz, por assim dizer, o meio de campo: encaminha as demandas e apresenta as propostas recebidas a seguir aos agricultores.
“Se o produtor rural se interessa por esta ou aquela oferta, promovemos uma reunião com o parceiro escolhido”, diz Fabio Neufeld, diretor de soluções financeiras da Syngenta. “Além de melhores taxas e prazos, essa prática livra os agricultores das chamadas ‘reciprocidades’, como a contratação de seguros indesejados, frequentemente ‘empurradas’ por bancos para tomadores.”
Dinheiro não falta: os sete parceiros Syde contam com cerca de R$ 1 bilhão para financiar o campo. A demanda acumulada até o momento, no entanto, ficou abaixo do esperado, somando cerca de US$ 90 milhões. Isso provocou, inclusive, alterações no plano de voo da fintech. “Desativamos a conta digital do nosso aplicativo. Quando o volume de negócios justificar, poderemos retomá-la e oferecer ainda outros serviços e produtos financeiros”, diz Fábio.
Entraves
São dois, na avaliação do executivo, os principais entraves para a decolagem das operações de crédito. De um lado, há o despreparo e até mesmo a desconfiança de muitos produtores rurais, que relutam ou nem conseguem prestar informações financeiras de bom padrão. Na outra ponta, várias instituições financeiras não compreendem os ciclos e a as características do agronegócio.
“Quem é do ramo sabe, por exemplo, que problemas logísticos costumam provocar atrasos nos pagamentos de financiamentos e leva isso em conta”, diz Fábio. Ele cita já tomar providências para mudar esse quadro. “Pretendemos fechar acordos com pelo menos três novos parceiros financeiros até o fim do ano. Fintechs e bancos com expertise na área rural terão preferência.”
“Fabricante” em série de bancos digitais e fintechs para os mais variados ramos, a Diletta Solutions, de Campinas (SP), ainda aguarda por encomendas em maior escala dos negócios do campo. Até o momento, a empresa só contabiliza duas experiências no ramo: o desenvolvimento de um banco digital para uma cooperativa de café, que depois foi desativado, e a participação na montagem da FictorPay. “O agronegócio é moderno e eficiente na área de produção, mas ainda tem muito a evoluir em gestão e finanças”, diz o sócio e diretor comercial Maurício Miguel.
A avaliação, contudo, está longe de representar qualquer menosprezo. Com indicadores econômicos em alta nos planos interno e externo e uma carência histórica e elevada de linhas de financiamento, os produtores rurais seguem presentes no radar da Diletta. “Das cerca de 3 mil empresas que devemos contatar neste ano, cerca de 120 são do agronegócio”, diz Maurício.
*Especial para o Finsiders Brasil