Imagem gerada por InnerAI
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Depois de anos marcados por crescimento acelerado e apostas ousadas, 2025 ficou na história. Foi o período em que o ecossistema de finanças digitais e fintechs no Brasil passou a operar com mais cautela e pé no chão. O Banco Central (BC), em seu primeiro ano com Gabriel Galípolo à frente da presidência, apertou a supervisão, elevou exigências de capital mínimo e colocou sob lupa temas como segurança no Pix. O sistema de pagamento instantâneo completou cinco anos cercado por novas regras contra fraudes.

O Open Finance avançou em adoção e ganhou funcionalidades como a Jornada Sem Redirecionamento (JSR) na iniciação de pagamento. Já o Drex, projeto do real digital, foi reconfigurado após o abandono do uso da tecnologia blockchain, mantendo a iniciativa viva, porém com expectativas revistas.

Do lado da tecnologia, a Inteligência Artificial (IA) deixou de ser promessa. Passou a integrar o dia a dia das operações, do crédito à prevenção a fraudes, ajudando empresas a ganhar eficiência e controlar custos. No campo dos negócios, os investimentos em fintechs seguiram mais seletivos. Houve menos rodadas exuberantes e maior cobrança por rentabilidade, fluxo de caixa positivo e modelos sustentáveis.

A lógica do crescimento a qualquer custo perdeu espaço, abrindo caminho para uma disputa mais direta com os grandes bancos, inclusive em temas sensíveis como aumento de impostos. Definitivamente, foi um ano que reposicionou o setor e redefiniu prioridades para a próxima etapa do ecossistema financeiro brasileiro.


Pix com doses extras de segurança

Cinco anos depois de seu lançamento, em novembro de 2020, o Pix deixou de ser apenas uma novidade tecnológica para se tornar parte da rotina financeira dos brasileiros. Criado pelo BC, o sistema rapidamente ganhou escala e protagonismo, indo muito além das transferências instantâneas entre pessoas.

Ao longo do tempo, vieram novas funções, como Pix Cobrança, Pix Saque, Pix Troco, Pix Agendado, Pix por Aproximação e Pix Automático. Em 2025, no entanto, a grande novidade veio na seara da segurança. Um dos destaques, por exemplo, foi o anúncio da nova versão do Mecanismo Especial de Devolução, o MED 2.0, para combater fraudes. Facultativo às instituições desde novembro, o recurso será obrigatório a partir de fevereiro de 2026.

Em participação na “LiveBC” em 11/11/2025, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, Renato Dias de Brito Gomes, disse que essas inovações ampliaram a concorrência, reduziram custos para empresas e consumidores e aproximaram o Pix do comércio eletrônico, especialmente com a integração ao Open Finance.

Os números ajudam a explicar por que o Pix se tornou onipresente. Até novembro, segundo dados do BC, foram 290 milhões de transações diárias, com mais de 900 milhões de chaves registradas e mais de 170 milhões de usuários pessoa física. Os recordes de transações e volume financeiro se sucedem – o último foi em 5/12.


Open Finance ganha mais protagonismo

Assim como o Pix, o Open Finance chegou aos cinco anos em 2025, com um balanço amplamente positivo. A diferença é que, ao contrário do Pix, seu impacto não é percebido de forma tão imediata pelo público em geral. Ingrid Barth, CEO e cofundadora da fintech PilotIn, diz que, para quem acompanha o tema de perto, não há dúvida: trata-se do projeto mais ambicioso já conduzido pelo sistema financeiro brasileiro, com um potencial de transformação estrutural que muitos comparam ao do Plano Real, nos anos 1990.

“É um movimento estrutural, que envolve regulação, entidades do setor, avanço tecnológico e, sobretudo, o amadurecimento da percepção e do uso por parte da população. Por isso, o progresso acontece de forma gradual, mas consistente, à medida que o ecossistema e o próprio usuário se adaptam a essa nova lógica de compartilhamento de dados”, afirma.

Ingrid diz que, em 2025, o grande salto veio do uso intensivo de IA sobre os dados do Open Finance. Os casos mais maduros surgiram justamente da combinação entre dados compartilhados e modelos avançados de análise. No crédito, empresas não bancárias passaram a usar essas informações para tornar a concessão mais rápida e precisa.

Ingrid Barth/PilotIn | Imagem: LinkedIn
Ingrid Barth/PilotIn | Imagem: LinkedIn

Ao mesmo tempo, cresceram as plataformas de gestão financeira para Pequenas e Médias Empresas (PMEs), assim como as soluções voltadas a assessores de investimento e planejadores financeiros, que passaram a ganhar escala ao eliminar a coleta manual de dados, acessando tudo diretamente via Open Finance. Ao todo, até novembro deste ano, de acordo com o BC, o Open Finance soma mais de 140 milhões de autorizações, mais de 87 milhões de contas conectadas e mais de R$ 2 bilhões movimentados mensalmente.

Avanços e desafios

Outro avanço relevante foi a evolução da chamada Jornada Sem Redirecionamento (JSR). O mecanismo tornou a experiência do usuário mais fluida, ainda que o processo de consentimento siga como um ponto de atenção, observa Ingrid. Hoje, o cliente precisa autorizar o compartilhamento instituição por instituição.

Conforme discussões recentes com o BC, a expectativa é que, a partir de 2026, comecem testes de uma jornada assíncrona, capaz de permitir o consentimento para múltiplas instituições de uma só vez.

Para executivos da Init, associação que representa os Iniciadores de Transação de Pagamento (ITPs), 2025 foi um ano de grande evolução no Open Finance. Além da JSR, Jonatas Giovinazzo (diretor-presidente) e Gustavo Lino (diretor-executivo) destacam como avanços, por exemplo, o Pix Automático e a entrada em operação da estrutura definitiva de governança, liderada pela Associação Open Finance. Esse movimento marca a profissionalização do ecossistema. 

Jonatas Giovinazzo/Init | Imagem: LinkedIn
Jonatas Giovinazzo/Init | Imagem: LinkedIn
Gustavo Lino/Init | Imagem: LinkedIn

Apesar dos números e do amadurecimento do Open Finance em 2025, o ecossistema não teve avanço na adoção de empresas (PJs). “Não andou”, enfatizam os executivos da Init. Segundo eles, o potencial do Open Finance para PJ é grande, e trata-se de uma das maiores expectativas de evolução em 2026. “Uma vez resolvido o desafio de se ter mais consentimentos PJ, a qualidade dos dados anda”, define Jonatas.

Em meio à escalada de fraudes e golpes no setor financeiro – no ambiente do Open Finance, isso não ocorreu até hoje -, os executivos da Init defendem o compartilhamento de dados via Open Finance como um dos instrumentos de antifraude. 


Drex dá um passo para trás

Em 2025, o BC decidiu apertar o freio e mudar de rota no projeto do Drex, a versão digital do real. No início de novembro, a autoridade monetária desligou a plataforma blockchain usada até agora nos testes da CBDC (moeda digital de banco central, na sigla em inglês). A tecnologia sustentou as duas primeiras fases do piloto, iniciado em 2023, mas ficou aquém dos padrões de privacidade e segurança exigidos pelo BC. A escolha da nova base tecnológica que dará continuidade ao projeto deve ficar para o início de 2026.

Até aqui, os experimentos rodaram sobre a Hyperledger Besu, um tipo de blockchain com controle centralizado, desenhado para ambientes regulados. A partir da terceira fase, no entanto, o discurso muda: o BC adotou uma postura considerada agnóstica em relação à tecnologia, sem compromisso prévio com blockchain ou qualquer outra arquitetura. O próximo ciclo do piloto deve mirar aplicações mais concretas, com foco em soluções para melhorar garantias no mercado de crédito.

No pano de fundo, o plano segue ambicioso. A ideia do Banco Central é criar, no longo prazo, um ecossistema seguro e eficiente para a tokenização de ativos de todos os tipos, com uma moeda de liquidação emitida pela própria autoridade monetária.


IA vira peça-chave de estratégia

Em 2025, a IA deixou de ser promessa e se tornou parte central da estratégia de bancos e instituições financeiras no Brasil e no mundo, impactando desde segurança até atendimento ao cliente e operações de crédito.

De acordo com a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2025, os bancos brasileiros afirmaram que, neste ano, desejavam investir R$ 47,8 bilhões em tecnologia, com um crescimento projetado de 61% nos aportes em IA, analytics e big data.

A Febraban afirma que aplicações práticas da IA Generativa (GenAI), que mais de 80% dos bancos já utilizam, geram ganhos médios de cerca de 11,4% em eficiência operacional, além de reforçar detecção de fraudes, personalizar serviços e automatizar tarefas rotineiras.

Fora do Brasil, a adoção de IA no setor financeiro também avança em ritmo acelerado. Levantamento da consultoria KPMG aponta que 71% das empresas financeiras já usam IA em suas operações. Já 41% aplicam a tecnologia de forma moderada ou intensa, especialmente em áreas como gestão de riscos, contabilidade, tesouraria e operações fiscais.

‘Vetor de inovação’

Ao mesmo tempo, temas como governança de dados, explicabilidade dos modelos e proteção contra vieses e riscos de sistemas de caixa preta seguem no centro do debate regulatório e de mercado, conforme publicado pelo Finsiders Brasil, com foco na necessidade de regras claras para o uso responsável dessas ferramentas.

“A Inteligência Artificial se consolidou como o grande vetor de inovação do ano. As fintechs passaram a olhar a IA como ferramenta de gestão financeira, mas também como base para análises comportamentais, criação de produtos e personalização em escala”, diz Ingrid.

Conforme a especialista, o avanço dos modelos de linguagem de grande escala (Large Language Models, LLMs) voltados especificamente ao setor financeiro reforçou esse movimento, ampliando as possibilidades de uso dos dados financeiros com mais precisão e eficiência.


Regras mais rígidas

O setor financeiro brasileiro viveu um período de regras mais rígidas em 2025, marcado ainda pelo aumento do embate entre bancos tradicionais e fintechs. O avanço das discussões tributárias, as exigências maiores de governança e a ampliação da supervisão por parte dos reguladores elevaram a pressão sobre o mercado, em ritmo mais acelerado do que o próprio processo de maturação observado ao longo do ano, segundo especialistas.

No centro dessa agenda, o BC e o Conselho Monetário Nacional (CMN) avançaram sobre temas estruturais. As novas exigências de governança e as restrições ao uso dos termos banco e bank ganharam força, com efeitos diretos sobre o setor. A Resolução BCB nº 501 de 2025 passou a exigir a rejeição automática de transações destinadas a contas com suspeita de fraude.

Também houve avanço na regulamentação do Banking as a Service (BaaS), modelo em que empresas oferecem serviços financeiros a partir da infraestrutura de instituições reguladas, com maior controle sobre práticas como “contas bolsão” e exigência de identificação clara dos titulares, reforçando a rastreabilidade das operações.

O movimento regulatório alcançou ainda o mercado de ativos virtuais e a estrutura de capital das instituições. Neste ano, o BC publicou normas para organizar a atuação das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs), que passam a exigir autorização formal, segregação de recursos dos clientes, padrões mais elevados de governança e requisitos de capital variáveis conforme a atividade, com vigência prevista para 2026.

No mesmo eixo, o BC e o CMN adotaram uma nova metodologia para o cálculo do capital mínimo exigido de instituições financeiras e demais autorizadas. Por exemplo, para Instituições de Pagamento (IPs, como atuam muiats fintechs), elevou o piso de R$ 1 milhão para uma faixa entre R$ 9,2 milhões e R$ 32,8 milhões.

Fernanda Garibaldi/Zetta | Imagem: LinkedIn
Fernanda Garibaldi/Zetta | Imagem: LinkedIn

‘Novos padrões regulatórios’

No campo tributário, por pressão do Governo Federal, o Congresso avançou no aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para fintechs e outros tipos de instituições. O texto, aprovado por senadores e deputados, agora depende de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“O setor financeiro está lidando com novos padrões regulatórios e isso impõe reorganizações por parte das empresas, sobretudo se considerarmos que as companhias estão em estágios diferentes de maturidade societária e de governança corporativa. Nesse sentido, o grande desafio para as fintechs em 2025 foi se preparar para os novos padrões normativos do setor”, diz Fernanda Garibaldi, diretora-executiva da Zetta, que representa alguns dos maiores bancos digitais e fintechs do País.

Diego Perez/ABFintechs
Diego Perez/ABFintechs | Imagem: divulgação

Na mesma linha de Fernanda, Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), avalia que as fintechs mantiveram protagonismo, ampliaram o acesso da população a serviços financeiros e preservaram altos níveis de confiança. O aperto regulatório, por sua vez, passou a funcionar como elemento organizador para os ciclos seguintes.

“Mesmo diante de custos regulatórios crescentes e incertezas tributárias, as empresas fortaleceram compliance, aprimoraram eficiência operacional e seguiram inovando em crédito, pagamentos e infraestrutura. O foco esteve em modelos sustentáveis e produtos de impacto direto para o usuário, elementos fundamentais para o processo de amadurecimento que deve se intensificar no próximo ciclo”, projeta.


Investimentos em fintechs

Os investimentos em fintechs seguiram estáveis em 2025, embora bem abaixo dos ciclos de maior entusiasmo, de acordo com especialistas ouvidos pelo Finsiders Brasil. Juros elevados mantiveram o custo do capital alto e reduziram o apetite por risco. Além disso, dúvidas jurídicas em alguns segmentos do mercado brasileiro continuaram a afastar parte do investidor estrangeiro.

Dados compilados por analistas, a pedido do Finsiders Brasil, mostram que, no Brasil, os aportes recuaram de US$ 541 milhões em 59 rodadas no segundo semestre de 2024 para cerca de US$ 339 milhões em 47 rodadas no primeiro semestre de 2025. Na América Latina, estudo do Distrito apontou queda superior a 60% nos aportes em fintechs no mesmo período, para US$ 735 milhões, com o Brasil concentrando a maior fatia desses recursos.

Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, e Leonardo Andreoli, analista da Hike Capital, explicam que o capital ficou mais seletivo. Investidores passaram a priorizar segmentos com maior previsibilidade, como infraestrutura financeira, crédito, soluções de prevenção a fraudes, KYC (sigla em inglês para “conheça seu cliente”) e monitoramento regulatório.

Plataformas voltadas a empresas (B2B) e companhias que usam intensivamente Inteligência Artificial também atraíram atenção. Segundo ambos os especialistas, o perfil do investimento mudou. Há preferência clara por negócios com caminho definido para rentabilidade, boa gestão de caixa e capacidade de cumprir exigências regulatórias, deixando para trás a lógica de crescimento acelerado sem retorno visível.

Colaborou Danylo Martins