OPEN FINANCE

Transferência inteligente estreia com grande expectativa; vai pegar?

Instituições financeiras têm até o fim de abril para se adaptar à funcionalidade que integra a iniciação de pagamento

Imagem: Mohamed Hassan/Pixabay
Pagamentos | Imagem: Mohamed Hassan/Pixabay

O Open Finance brasileiro ganha novas funções a partir desta segunda-feira (15), entre elas, as transferências inteligentes. Definido por especialistas e executivos do setor financeiro como “poderoso”, o recurso deve potencializar a adesão ao sistema de compartilhamento de dados entre instituições financeiras criado pelo Banco Central (BC).

A ferramenta permitirá, com uma só autorização, transferências automáticas via Pix entre contas, usando “gatilhos” para que isso ocorra. O processo será por meio da iniciação de pagamento, parte da fase 3 do Open Finance. Inicialmente, a funcionalidade estará restrita a contas de mesma titularidade (CPF ou CNPJ), mas já há uma expectativa de ampliação, no futuro, para qualquer recebedor.   

Quer alguns exemplos? Imagine que uma de suas contas entrou no cheque especial, mas você tem dinheiro em outro banco ou fintech. Com as transferências inteligentes, será possível movimentar os recursos automaticamente sempre que isso acontecer. Outro caso de uso é aquele “empurrão” para guardar uma grana todo mês em uma determinada aplicação financeira, deixando essa tarefa de migrar o valor da conta A para a conta B no “piloto automático”. 

‘Go live’ faseado

As possibilidades são inúmeras, mas não significa que já nesta segunda-feira (15) o usuário final — ou seja, eu, você e sua tia — terá acesso a soluções desse tipo. Há uma janela até dia 29 deste mês para que as instituições participantes do Open Finance estejam aptas, tecnologicamente falando, a receber as transferências inteligentes. E como se trata de tecnologia, pode ser que nem tudo funcione bem de imediato.

“É um go live faseado. Também não queriam atrasar o cronograma porque muita gente se preparou para estar pronto no dia 15”, explica Gustavo Bresler, chief operating officer (COO) da fintech Iniciador, plataforma especializada em iniciação de pagamento e dados de Open Finance, que lançou recentemente um guia sobre transferências inteligentes com a plataforma de conteúdo Let’s Open.

A oferta dessa funcionalidade para os clientes vai depender, entretanto, da estratégia de cada instituição. “A discussão sobre transferências inteligentes já existe desde o meio do ano passado, com muitas decisões finalizadas no início deste ano. O entendimento já está consolidado”, avalia Gustavo. “Nós, inclusive, temos trabalhado com alguns clientes em sandbox [ambiente de testes].”

Mercado Pago prepara casos de uso

Um dos maiores bancos digitais no Brasil, o Mercado Pago foi a primeira instituição a colocar em operação o serviço de iniciação de transação de pagamento (ITP), em fevereiro de 2022. Atualmente, o banco soma 4,5 milhões de consentimentos ativos no Open Finance — aproximadamente 10% dos mais de 43 milhões no ecossistema como um todo. 

Agora, com as transferências inteligentes, a fintech também diz estar preparada. “Estamos dentro do cronograma, cumprindo todos os marcos do Banco Central”, afirma Felipe Soria, head de inovação em pagamentos do Mercado Pago, ao Finsiders Brasil. “A partir desta semana, estaremos prontos, como detentor de conta, a receber transferências inteligentes. E em algumas semanas, devemos lançar alguns casos de uso.”

De acordo com o executivo, as transferências inteligentes são uma “quebra de paradigma” no Open Finance. “Enxergo como algo poderoso, mas ao mesmo tempo teremos um grande esforço de explicar para as pessoas como funciona porque o tema ‘mexer no dinheiro’ é sensível para todo brasileiro, dada a quantidade de fraudes no país.”

O executivo dá pistas do que pode ser desenvolvido nessa direção. Um exemplo é o depósito em conta (“cash-in”). No mês passado, vale lembrar, o Mercado Pago aumentou o retorno da sua conta remunerada com o objetivo de atrair mais depósitos, na contramão de concorrentes como o Nubank. “Nosso propósito é remunerar quem traz o recurso para nossa conta. Vejo a transferência inteligente como um acelerador desse processo. E nossa aposta é que esse ‘money in’ seja contextualizado”, diz Felipe.

Outro caso de uso, “que deve acontecer muito rapidamente” nas palavras do executivo, é a portabilidade de salário. “Se temos os dados do cliente e sabemos que recebe em determinada instituição, basta pedir a autorização para trazer os recursos para cá e, assim, ter acesso a todos os benefícios que nós oferecemos”, cita Felipe. “Se já tenho vínculo na conta, será ‘one click’ para trazer o dinheiro.”

Alertas inteligentes?

Com mais de 14 milhões de consentimentos ativos, o que representa mais de 30% do total no ecossistema, o Nubank vem defendendo avanços na agenda de pagamentos. No fim de janeiro, aliás, o banco digital realizou um evento para jornalistas sobre Open Finance, no qual destacou temas como as próprias transferências inteligentes, os agendamentos recorrentes e a jornada sem redirecionamento. 

Entre os serviços já oferecidos pela fintech a seus clientes estão, por exemplo, alertas para situações em que os usuários têm algum dinheiro parado na conta ou quando estão no cheque especial em outro banco. Uma das dúvidas é se essas alertas vão se tornar transacionais e automatizados? 

Procurado pelo Finsiders Brasil para falar sobre as transferências inteligentes, o Nubank optou por não se pronunciar neste momento. A reportagem também pediu entrevista ao Itaú Unibanco — que totaliza cerca de 5 milhões de consentimentos ativos no Open Finance — mas não recebeu retorno até o fechamento deste texto. 

PFMs e ‘super apps’ 

Com as transferências inteligentes, a tendência é que os gerenciadores financeiros pessoais (PFMs, na sigla em inglês) voltem a ganhar espaço. Quem se recorda de Guiabolso (comprado pelo PicPay) e Olivia (que é do Nubank)? Na prática, essas soluções não vão apenas permitir a visualização das receitas e despesas, como também poderão realizar movimentações — com o consentimento do usuário, lógico. 

“Para as instituições, será importante ter um PFM para conectar e consolidar as contas do cliente e, assim, manter aquele canal de relacionamento”, argumenta Gustavo, do Iniciador. “A briga, que antes era pela custódia e agora é pela principalidade, passará a ser pelo canal. O cliente poderá movimentar o dinheiro numa só interface, onde também fará a gestão financeira.”

Conforme avalia Felipe, do Mercado Pago, cada vez mais a disputa por principalidade se dará por meio de experiência do cliente. “Nossa estratégia é contexto. Open Finance por Open Finance não quer dizer nada para o usuário. É importante contextualizar isso e traduzir em benefícios para o cliente.”

A criação de super apps ou agregadores financeiros deve ganhar impulso com a integração entre Pix, Open Finance e, mais futuramente, o Drex – a versão digital do real. E nem falamos do uso de inteligência artificial (IA) em toda essa história. “No ‘corpo’ do super app, as transferências inteligentes são o ‘sangue’. Elas que vão fazer a conexão entre as contas do usuário”, define Gustavo, do Iniciador. 

Apesar dos prognósticos favoráveis, neste momento as transferências inteligentes são apenas uma promessa de um serviço que tende a acelerar (agora vai?) o Open Finance. Resta saber se vai mesmo pegar. E não estou falando da nossa bolha, mas do Brasil gigante.