
A história do WhatsApp em pagamentos e serviços financeiros no Brasil já teve diversos capítulos. Talvez o mais emblemático deles tenha sido o “embate” entre o aplicativo de mensagens e o Banco Central (BC), às vésperas do lançamento do Pix, sistema de pagamento instantâneo criado pelo regulador brasileiro. O enredo culminou com a liberação, em fases, do WhatsApp Pay. Em março de 2021, foi a vez das transferências entre usuários. Dois anos depois, o BC autorizou o pagamento de compras pelo aplicativo de mensagens da Meta.
Corta para 2025, e o resumo da ópera é que o WhatsApp optou por adotar o Pix em vez de competir com ele. Em junho do ano passado, por exemplo, o app de mensagens incluiu o pagamento instantâneo como opção para transferências via WhatsApp Pay. Já em dezembro, liberou uma funcionalidade que permite ao usuário adicionar a chave Pix em seu perfil. São dois movimentos recentes que reforçam como os dois “queridinhos” dos brasileiros estão cada vez mais próximos.
“Nunca quisemos concorrer com o Pix”, enfatiza Guilherme Horn, chefe do WhatsApp para Brasil, Índia e Indonésia. O executivo, que completou três anos na empresa neste mês, reconhece que foi preciso ajustar a rota, em meio ao sucesso do Pix. “Demos uma ‘pivotada’. Começamos no mundo dos cartões de crédito, mas quando incluímos o Pix, percebemos o quanto a adoção foi boa”, revela ele, em entrevista exclusiva ao Finsiders Brasil no escritório da Meta (dona do WhatsApp), em São Paulo.
Na conversa a seguir, Guilherme conta como o WhatsApp caiu no gosto de bancos e fintechs como canal para a realização de transações financeiras. Há casos, inclusive, em que o app de mensagens se tornou a principal ou a única plataforma. O avanço da Inteligência Artificial (IA) Generativa impulsiona esse movimento, com assistentes que reconhecem texto, áudio e voz para fazer pagamentos. Em outras palavras, basta pedir para o “Zap” mandar um Pix, e pronto. E não só isso: instituições de diferentes portes já permitem que seus clientes contratem crédito ou renegociem uma dívida pelo WhatsApp.
Pix + Zap
Finsiders Brasil: Em serviços financeiros, o WhatsApp teve uma evolução nos últimos anos. Primeiro, houve o lançamento do WhatsApp Pay, a história com o Banco Central. E mais recentemente, a empresa acrescentou Pix como opção para transferências. Como está o WhatsApp Pay atualmente? Ele sobrevive?
Guilherme Horn: Fizemos uma “pivotada”, mesmo. Inicialmente estávamos focados no mundo dos cartões de crédito. Depois, incluímos o Pix – primeiro para negócios e depois para o WhatsApp Pay. A adoção foi muito boa, embora não possamos divulgar números. Com o Pix, encontramos o Product Market Fit [adequação do produto ao mercado]. Está funcionando bem e as pessoas estão usando. Nosso formato é prático – dá para gerar a chave Pix e mandar para os contatos. Mas o pagamento não acontece dentro do WhatsApp.
Finsiders Brasil: Num próximo passo, a ideia é que isso ocorra no app, por exemplo, com uma jornada de iniciação de pagamento?
Guilherme Horn: A evolução será a jornada sem redirecionamento, via Open Finance. Por enquanto, estamos testando, mas de uma forma muito low profile. Sempre buscamos entender o que é, de fato, importante para o consumidor. Um dos princípios inegociáveis do WhatsApp é ser simples, com segurança e privacidade. No fundo, para a gente, pagamento não tem o objetivo de ser uma nova área de negócio. O objetivo é completar uma jornada de compra e contratação de serviços pelo WhatsApp.
Plataforma transacional
Finsiders Brasil: Nos últimos anos, é possível perceber que o WhatsApp deixou de ser apenas uma opção de canal de atendimento aos clientes de bancos e fintechs para uma plataforma transacional. Afinal, o que explica essa mudança?
Guilherme Horn: Sua percepção está certa. Os bancos e fintechs enxergaram que o WhatsApp é uma plataforma aberta, nas mãos das pessoas, o tempo todo. E ele tem uma confiabilidade muito grande. Os vínculos mais relevantes do brasileiro estão no WhatsApp – família e amigos; é onde as questões importantes do dia a dia são discutidas. Isso tem um valor enorme para as instituições financeiras, que vivem de credibilidade. É um canal confiável, privado e criptografado. E você não precisa sair dele para acessar outros aplicativos. As instituições financeiras brasileiras viraram um benchmark para o WhatsApp no mundo todo.
Finsiders Brasil: Tem alguns exemplos? Quais são os principais produtos e serviços financeiros que as instituições disponibilizam no WhatsApp atualmente?
Guilherme Horn: Os cases aqui são referência, tanto pela intensidade de uso, quanto pela inovação. Só o Itaú tem mais de 80 casos de uso. O Banco Mercantil só faz captação de crédito pelo WhatsApp. A Magie, por exemplo, não tem nem aplicativo nem site. Outro caso interessante é a PilotIn, que é B2B2C e nasceu diretamente no WhatsApp, sem app próprio.
Banco sem aplicativo?
Finsiders Brasil: Para que acontecesse essa mudança na adoção do WhatsApp pelas instituições financeiras, houve alguma evolução nas tecnologias que o aplicativo oferece para as empresas?
Guilherme Horn: A API evoluiu muito, tanto em controles quanto em recursos. O Flows, por exemplo, é uma extensão da API, que algumas fintechs usam para incluir a senha na hora que o usuário vai fazer uma transação. Veremos mais casos de uso. E o que estamos percebendo, em todos os setores da economia, é as empresas usarem o WhatsApp para parte fundacional, no core business.
Finsiders Brasil: Você acredita que chegaremos a um ponto em que as principais instituições financeiras usarão o WhatsApp e não terão aplicativos próprios?
Guilherme Horn: É difícil imaginar isso. No mundo digital, você precisa oferecer todas as opções para o consumidor. Alguns vão preferir usar o app; outros, o site; ou ir até a uma agência. Uma das facilidades do mundo digital é ter várias formas de se relacionar. Não temos intenção que os apps acabem, esse não é nosso objetivo. Mas achamos que muita coisa dentro dos apps pode virar uma conversa.
Finsiders Brasil: Existe uma curva de aprendizado para as pessoas entenderem que é possível ter quase que um banco dentro do WhatsApp?
Guilherme Horn: Acho que é um processo. Da mesma forma quando surgiram os primeiros bancos digitais, muita gente questionava o fato de não ter agências físicas. Uma coisa é fato: se você pega o celular de qualquer pessoa, tem um monte de app que não usa há um tempão. Já a conversa é um meio muito natural para as empresas fazerem negócios.
Taxa de conversão
Finsiders Brasil: As empresas pagam para usar a plataforma do WhatsApp. Como fica a monetização, considerando que elas têm esse custo?
Guilherme Horn: Quando comparamos processos de contratação de crédito, que antes usavam call center, e-mail, SMS ou app, o WhatsApp tem uma taxa de conversão muito maior. Temos casos em que essa conversão é 40 vezes maior do que os demais canais. Então, tem muita margem. Um caso de uso que representa milhões de economia por dia para uma instituição financeira: confirmação de compras suspeitas com cartão de crédito presencial. Antigamente, o banco enviava SMS, e a pessoa ia ver a mensagem só à noite. Outro exemplo é a recuperação de carrinho abandonado.
Finsiders Brasil: Como qualquer tecnologia, o WhatsApp pode ter instabilidade ou ficar fora do ar. Qual o impacto disso para os bancos e fintechs que dependem desse canal?
Guilherme Horn: É interessante notar que, até hoje, foram pouquíssimos eventos desse tipo. Se compararmos quantas vezes os apps dos três maiores bancos ficaram fora do ar nos últimos dez anos com as situações em que o WhatsApp teve problemas, a diferença é impressionante. São muitos raros os casos [em que o aplicativo fica fora do ar].
Finsiders Brasil: Quais tendências você vê para a inovação em serviços financeiros?
Guilherme Horn: A Inteligência Artificial (IA) abre muitas oportunidades. Ainda vemos os serviços financeiros serem muito segmentados, ou seja, não é algo feito para você. Acho que a IA vai permitir um grau de personalização que é muito diferente do que existe hoje. E o Open Finance também está só no começo. Quando você junta as duas coisas, é uma mudança muito grande.