De jogador de futebol de base do Palmeiras a executivo de tecnologia, com “tons” de guitarrista ao longo do percurso, o cientista da computação Thiago Suzano sempre gostou de experimentar — na vida e na carreira. Sua chegada à B3, há exatos quatro meses, é um reflexo disso, principalmente quando se fala em testar inteligência artificial (IA) e outros recursos tecnológicos para solucionar problemas do dia a dia.
O diretor de engenharia de software reconhece isso como uma oportunidade, mas também um de seus principais desafios à frente da área de tecnologia dos negócios de balcão da bolsa brasileira. A missão é cada vez mais combinar o uso de nuvem, microsserviços, APIs (sigla em inglês para interface de programacão de aplicações) e IA para levar a transformação tecnológica e digital da B3 ao próximo nível.
“O mundo de hoje é API. Então, temos que estar 100% à base de APIs com uma experiência lisa. E isso tem a ver com nuvem, que é resiliência, escalabilidade e eficiência do negócio”, diz Thiago, em entrevista exclusiva a Finsiders Brasil.
“Nosso desafio é deixar a plataforma tecnológica simples o suficiente para atender qualquer volume ou perfil de cliente. A ideia é virar um grande ‘Lego’ de tecnologia para nossos clientes — FIDCs, bancos e corretoras.”
Nova plataforma
No ano passado, a B3 iniciou a operação da Trademate, a nova plataforma de negociação de renda fixa. Desenvolvida totalmente em nuvem, ela substituirá gradativamente o sistema de negociação Trader. A iniciativa faz parte do processo de migração para cloud que a companhia vem desenvolvendo desde 2022, quando firmou parcerias de 10 anos com as big techs Microsoft e Oracle.
De acordo com a B3, os títulos públicos federais foram os primeiros produtos a serem negociados nesta nova plataforma. Em março, os Créditos de Descarbonização (CBIOs) também ‘viraram a chave’ para este modelo, no mercado secundário.
Conforme a empresa, nos próximos meses, o Trademate receberá, ainda, a migração dos títulos privados como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Cotas de Fundos Fechados (CFFs) e debêntures.
“Acabamos de lançar um MVP para conectar emissores e distribuidores de papéis de renda fixa, usando a nuvem. Pense que, antigamente, esses caras se falavam por telefone para fechar as emissões. Mas o que vem pela frente é o mais legal: vamos poder colocar nessa plataforma em nuvem qualquer produto de renda fixa”, conta o diretor.
IA, formação e diversidade
Apaixonado por tecnologias que resolvem problemas, Thiago enxerga que a IA está começando a ter esse atributo. Em sua área, por exemplo, a modernização de códigos de uma linguagem de programação para outra bebe da fonte de ferramentas baseadas em IA. “Também somos capazes de gerar novos códigos passando instruções de negócio para a IA. Temos usado bastante, inclusive, para automatizar testes. A aceleração da produtividade é algo bizarro.”
Na visão do executivo, a inteligência artificial não vai tirar emprego de ninguém. Porém, ameaçará — e já está ameaçando — o trabalho daqueles desenvolvedores que não souberem atuar com IA. A área liderada por ele na B3, inclusive, aposta em treinamento constante e aplicação do que foi aprendido no dia a dia.
“Temos um ambiente fechado do GPT para poder usar. Além disso, somos heavy users do Microsoft Copilot.”
Em outra frente, Thiago reforça a preocupação com diversidade e inclusão no mercado de tecnologia. Aliás, a falta de representatividade feminina nessa área se soma a um setor financeiro historicamente também liderado por homens. Pesquisa recente da Serasa Experian, por exemplo, indica que, de um grupo de 93,3 milhões de pessoas do gênero feminino, apenas 0,07% (ou 69,8 mil profissionais) atuam em tecnologia no Brasil.
“Nos últimos três meses, por exemplo, contratamos 14 mulheres que estão fazendo transição de carreira para tecnologia”, conta o executivo. Ele cita, ainda, iniciativas da B3 para incluir e desenvolver mulheres nessa área, entre elas, o programa de estágio Manas da Tech e o <Dev>ª, formação em tecnologia exclusiva para mulheres, em parceria com a Ada Tech.
Três paixões: futebol, música e tecnologia
“Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. A música do Skank traduz bem a infância e adolescência do palmeirense Thiago, paulistano da zona leste de São Paulo. Ele começou em um clube de bairro na Vila Alpina e, depois, passou em testes para jogar na base do Palmeiras. A ida e volta dos treinos eram pagas com o dinheiro que ele ganhava trabalhando na escola de informática do tio, conta o hoje executivo de tecnologia.
O jovem Thiago não perdia uma oportunidade em jogar futebol, mesmo que fosse por pura diversão, com amigos. Foi numa dessas peladas que ele torceu o joelho e ficou de fora da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Lesões como essa são as mais temidas pelos jogadores de futebol e já tiraram muitos atletas de partidas decisivas Brasil e mundo afora.
Com uma recuperação longa, o sonho foi abandonado e Thiago passou a se dedicar a estudar para cursar fisioterapia. Chegou a ser aprovado na USP, mas a faculdade era integral, e ele precisava trabalhar para ajudar seus pais. Desistiu. Entregando currículo pela cidade, conseguiu, então, um emprego como office boy no antigo Banco Real.
Tempos depois, teve a oportunidade de trabalhar com tecnologia. Assim, pegou gosto pela coisa, e resolveu estudar ciência da computação. “Picado” pelo bichinho tech, não saiu mais da área. E como sempre gostou de experimentar, passou por empresas de diversos perfis, com destaque para o mercado financeiro.
Antes de chegar à B3, ele estava na registradora Cerc, onde foi diretor de tecnologia. A carreira inclui, ainda, passagens por banco BV (ainda como banco Votorantim), Deloitte, IBM e Arcos Dorados, maior franquia independente do McDonald’s.
No final da entrevista, quando pergunto sobre quem é o Thiago fora do ambiente profissional, ele responde direto com uma frase que também estampa seu perfil no LinkedIn: “Pai da Clara”, sua filha de 4 anos. Mas também revela que chegou a ter uma banda, onde era guitarrista. Daí sua terceira paixão, além do futebol e da tecnologia.