Denise Ramiro
A entrada em vigor da nova regulação que permite a portabilidade de recebíveis de cartões de crédito patina na largada, mas as fintechs mantêm expectativas otimistas. O registro e a negociação de antecipação de recebíveis e arranjos de pagamentos completou um mês hoje. O saldo é de um mercado com alta expectativa de negócios, mas ainda em ritmo de ajustes entre os players – entidades registradoras, credenciadoras e instituições financeiras.
“O mercado ainda está um pouco ruim (por conta das registradoras estarem funcionando de maneira insatisfatória). Para ser classificado como devagar, os negócios deveriam estar rodando no dobro da velocidade que está”, disse uma fonte. “Mas só de não ter postergado de novo foi excelente. Agora ou funciona ou funciona”, completou. A percepção é compartilhada por outros entrevistados. “Estamos com muitos problemas técnicos e desgastes entre a CIP e os bancos”, disse outro executivo. A CIP é uma das três autorizadas a registrar recebíveis de cartão. “Os bancos donos das credenciadoras estão resistindo, pois vão perder a exclusividade em um filão lucrativo. Mas o Banco Central está atento e aplicando multas”, disse uma fonte que já esteve no governo.
“Este é um movimento importantíssimo que vai revolucionar o mercado de crédito, trazendo mudanças efetivas e redução do spread bancário. E por mais que ainda existam alguns problemas técnicos, é natural para um projeto com tamanha complexidade. Pela primeira vez na história do país, estamos vendo, de fato, uma interoperabilidade entre três infraestruturas de mercado”, disse ao Portal fintechs Brasil Caroline Cypriano, diretora da TAG, outra registradoras – a terceira é a Cerc. “E também nunca houve o registro de recebíveis de cartão. É uma dinâmica inédita, na qual é esperado que haja um tempo de estabilização, um período de ajustes. Neste momento, as três casas, com o apoio irrestrito do Banco Central, estão trabalhando de forma bastante colaborativa num projeto macro de avanço para melhorar o sistema que, esperamos, em breve, passado esse período atípico de tombamento, estar operando normalmente”, acrescenta Caroline.
Mercado trilionário
O otimismo das fintechs com as novas regras tem razão de ser. Afinal, terão muito mais acesso a um mercado que movimenta R$ 1,1 trilhão com recebíveis de cartão e que pode chegar a R$ 1,9 trilhão, com a entrada dos R$ 800 bilhões gerados em negócios com duplicatas. Fintechs ouvidas pelo portal acreditam que o novo modelo comece a decolar de fato a partir de agosto.
“Não dá para demorar mais do que isso, o regulador está em cima, todas as registradoras estão super empenhadas para que o negócio funcione direito e há uma cobrança muito grande dos varejistas”, diz Gustavo Muller, CEO da Monkey Exchange. Na expectativa da entrada das novas regras, desde o final do ano passado a Monkey começou a dar forma à Spike, sua plataforma de negociação de recebíveis que reúne em um único ambiente lojistas e potenciais compradores.
Com a Spike, que começa a funcionar em agosto, o lojista poderá colocar a sua oferta de venda de recebíveis, as instituições plugadas no marketplace vão apresentar suas propostas e será o comerciante quem vai escolher com quem quer fechar negócio. É diferente da dinâmica da Monkey, que é um sistema automático que determina quem é o vencedor sempre pelo preço. Para comandar a Spike, a Monkey acaba de contratar Leonardo Lanna, com dez anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pela Stone, Banco Itaú, BV e Santander. Lanna disse ao portal que seu objetivo é lançar quatro produtos até o final do ano: infraestrutura para bancos e adquirentes, o marketplace Spike, Spike Pay e o Spike Services.
O balanço da Grafeno, plataforma de soluções financeiras para empresas e credores, dos 30 dias de vigência das novas regras do BC de antecipação de recebíveis é de que o funcionamento ainda está longe do ideal. Mas, de acordo com o CEO da empresa, Paulo David, já começa a entrar num momento bom e deve fluir melhor ainda até o final do ano, quando superar o principal problema hoje que é construir a real interoperabilidade dos players envolvidos. Ele diz que a demanda é grande, mais de 90% dos seus clientes já estão registrados na sua plataforma.
“Essa mudança das regras vai trazer mais transparência, segurança e maior competição ao mercado”, afirma David. Ele não notou ainda a redução dos juros para os pequenos varejistas, mas um número crescente de empresas estão dispostas a dar crédito. “A tendência é que a taxa de juros caia para menos de 1% ou próximo disso”, diz David. Hoje, a Grafeno tem parceria com 268 players, entre fundos de crédito, fintechs e pequenos e médios bancos.
Áquario meio cheio
A nova regra de antecipação de recebíveis faz parte da agenda microeconômica do BC de olhar mais para a base da economia, o varejo. O esforço vem desde 2010, quando o regulador quebrou a exclusividade das bandeiras de cartões, quebrando a reserva de mercado e facilitando a vida do comerciante, que ao invés de ter várias maquininhas passou a operar com uma só que aceita todos os cartões.
Rafael Sobral, CFO da Blu, que tem na sua base de clientes 15 mil varejistas e 2,5 mil indústrias, diz que notou uma aumento da demanda por causa da reabertura do varejo depois de ficar fechado por causa da pandemia, e registrou crescimento de negócios 10% a 15% no volume negociado entre maio e junho – sua expectativa é que continue crescendo. A Blu oferece três produtos: antecipação de recebíveis, crédito como garantia e produtos como a negociação entre varejo e indústria, que pode resultar tanto em taxa menor como em prazos maiores.”Tudo deve estar azeitado em agosto”, diz Sobral.
“Mesmo sem o aquário cheio, estamos pescando bem, até mais do que o esperado”, diz Bernardo Vale, co-fundador da Marvin, fintech que nasceu em maio, exatamente para explorar uma oportunidade diferente na seara da antecipação de créditos. “Pensa em um posto de gasolina, que compra da distribuidora a vista, e vende para o consumidor com cartão de crédito. O posto tem valores a receber em 30 dias, e se quiser receber o dinheiro dessas vendas antecipadamente, precisará pagar uma taxa alta para os bancos”, explica. O modelo de negócio da Marvin tira o custo da antecipação do dono do posto, faz a equivalência de fluxo de caixa e ‘vende’ os recebíveis para a distribuidora, que passa a ter risco Cielo, por exemplo – em vez do risco do dono do posto. “É como trocar recebível por combustível, é a volta do escambo”, brinca.
(Colaborou Léa De Luca)