(Atualizada às 18h30) Em consulta pública, a proposta do Banco Central (BC) para regulamentação do Banking as a Service (BaaS) está ampla demais e necessita de ajustes, apesar de ser positiva para o desenvolvimento da indústria. É o que defendem representantes do setor ouvidos pelo Finsiders Brasil, que também pediram mais prazo para fornecer contribuições mais robustas. E o regulador atendeu – agora a consulta vai até 28/2.
O BaaS é um modelo que permite a empresas de diferentes setores oferecerem produtos e serviços financeiros a seus clientes, sem ter a própria licença junto ao BC. Quem fornece a infraestrutura para isso, porém, precisa ser uma instituição regulada. Atualmente, essas parcerias se dão por meio de contratos privados. E, por hoje não haver regras padronizadas, dificulta a fiscalização e supervisão por parte do regulador.
Na consulta pública, aberta em outubro de 2024, o BC traz conceitos, responsabilidades, regras e condições para a prestação do serviço de BaaS. O texto também propõe requerimentos adicionais de patrimônio líquido e de capital mínimos e requerimentos prudenciais para instituições que prestam serviços de BaaS. Um dos principais objetivos da futura regulação é mitigar os riscos para os clientes finais dos serviços financeiros contratados.
Com ou sem ‘exclusividade’
A maior preocupação do setor está na regra que impede a contratação de mais de um provedor de serviços de BaaS pelas empresas. “Esse é um ponto que é consenso no mercado. A ‘exclusividade’ não faz sentido. É importante permitir mais de um player para estimular competição, inovação e o crescimento do mercado”, defende Carlos Augusto de Oliveira, diretor-executivo da ABFintechs. A associação foi uma das que pediram mais tempo ao BC para contribuir com a consulta.
A opinião é compartilhada por Marcelo Schucman, diretor-executivo da ABBaaS, que também solicitou a prorrogação do prazo. “A ‘exclusividade’ do prestador de BaaS prejudicaria a competividade e geraria uma potencial consolidação. Até porque players que não têm todos os serviços ficariam com dificuldade de competir. Essa regra parece não seguir a agenda histórica do BC”, aponta.
De acordo com ele, a indústria vem convergindo para um posicionamento de que possa haver um prestador de BaaS por atividade – conta, cartão e crédito, por exemplo. “Acho que ainda precisamos criar exceções. Mas nosso principal ponto é a abertura para o diálogo. Só não acreditamos na ‘exclusividade'”, diz Marcelo.
Exceções
Para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a regra que veda a contratação de mais de um provedor de BaaS deve se restringir aos serviços de contas de depósito e de pagamento pré-pagas. Em nota, a entidade argumenta que essas “são as plataformas principais de identificação e relacionamento do cliente e onde são vinculados os seus recebimentos, pagamentos e produtos contratados”.
Para os demais serviços, incluindo empréstimos, a Febraban defende que a tomadora de serviços de BaaS possa ter diferentes provedoras. Na visão da entidade, isso possibilita o incentivo à inovação, competitividade e maior amplitude de serviços e benefícios ao consumidor final. Por exemplo, “uma tomadora dos serviços BaaS pode identificar no mercado que é mais eficiente e melhor para o consumidor ter uma provedora para cartões, outra para empréstimo consignado e uma terceira para financiamento de imóveis e veículos”, citou.
Complexidade
A abrangência da regulamentação é mais um aspecto que vem sendo analisado com atenção pelo setor. O BC estuda, por exemplo, inserir o credenciamento de estabelecimentos comerciais em arranjos de pagamento como uma das atividades admitidas no modelo de BaaS. Além disso, o regulador espera receber subsídios para decidir sobre uma possível restrição da atuação das subcredenciadoras à condição de tomadoras de serviços de BaaS. Hoje, tanto instituições autorizadas a funcionar pelo BC, quanto as não reguladas, prestam o serviço de subadquirência.
Na Zetta, associação que representa os maiores bancos digitais e fintechs do Brasil, há um consenso de que a atividade de subcredenciamento não deve ser incluída no escopo da norma de BaaS. “A gente entende que a relação existente hoje entre credenciadores e subcredenciadores é distinta do modelo de BaaS”, disse Fernanda Garibaldi, diretora-executiva da entidade, por meio de nota.
“Também pensamos em não onerar [a atividade] com esse custo regulatório. Até porque, embora os subcredenciadores não sejam participantes regulados, existe uma pesada regulação sobre eles”, afirmou. Na visão da Zetta, as contribuições à Consulta Pública 104, que trata do gerenciamento de riscos em arranjos de pagamento, já “endereçam as preocupações” em relação à mitigação de riscos da atividade.
O BC também estuda incluir a Iniciação de Transação de Pagamento (ITP) e os pagamentos e transferências internacionais (eFX) como serviços passíveis de contratação via BaaS. Isso chamou atenção do mercado. “Quando a regulação abrange muitos assuntos, gera complexidade e torna a operacionalização difícil. Então, essa abrangência é algo que preocupa”, afirma Marcelo, da ABBaaS. “Ao ampliar o escopo, requer análise mais demorada”, diz Carlos Augusto, da ABFintechs.
Para Fernanda, da Zetta, é preciso que haja uma definição e uma clareza maior do escopo do BaaS e de quais serão as responsabilidades entre tomadores e prestadores de serviços dessa natureza. “A gente entende que precisa haver um pouco mais de clareza em relação às exigências técnicas, questões relativas a falhas operacionais, custos para os tomadores, entre outros pontos”, afirmou, em nota.
Custo regulatório
A exigência de um capital regulatório adicional, por exemplo, é outro ponto que preocupa as empresas do setor. “Entendemos que os players de BaaS, por serem entidades reguladas, já têm capital alocado com estruturação madura a ponto de oferecer os serviços para terceiros. Esse foi um dos temas pelos quais pedimos mais prazo ao BC, para podermos nos aprofundar nas discussões”, diz Carlos Augusto, da ABFintechs.
Para Marcelo, da ABBaaS, conforme a proposta, o custo regulatório aumentaria para quem atua com BaaS. “O fato é que, sendo um player de BaaS ou não, já existe um escrutínio regulatório de acordo com cada figura – IP [Instituição de Pagamento], SCD [Sociedade de Crédito Direto], financeira”, diz. “Podemos, sim, discutir estruturas de garantia que são necessárias para o mercado”, complementa.
Robustez
Todas as entidades reconhecem a importância de regras específicas para o BaaS, principalmente num momento em que ganha força o embedded finance, com empresas de diferentes setores embarcando serviços financeiros em suas plataformas. “A regulamentação veio em boa hora. O BaaS explodiu nos últimos anos e despertou a atenção do BC, já que vários players que entraram nesse mercado não estavam com a seriedade que o assunto merece. Houve casos até de ‘quarteirização’ de serviços, sem transparência clara sobre os riscos”, diz Carlos Augusto, da ABFintechs.
Para Marcelo, da ABBaaS, a regulamentação do BaaS vem para fortalecer o setor e é quase um “prêmio” aos empreendedores que estão desbravando essa atividade nos últimos anos. “Traz robustez para o mercado e mostra que ele não funciona com ‘jeitinho'”, afirma. O próprio surgimento de uma associação para representar empresas desse ramo é um exemplo da evolução do tema. Criada em dezembro, conforme o Finsiders Brasil mostrou, a ABBaaS foi idealizada por Swap e Celcoin. Hoje reúne mais de dez associados, entre eles, Dock, Fourbank, iugu e Pomelo.
Na visão de Fernanda, da Zetta, o BaaS tem potencial para ampliar o acesso dos cidadãos a serviços financeiros, aumentando as opções disponíveis à mão do consumidor. “Claro que tudo precisa de um ambiente mais transparente, regulado, equilibrado e com uma definição maior das responsabilidades”, argumentou.
Sabe-se que o BaaS entrou no radar do BC há alguns anos, mas ganhou holofotes mesmo no fim de agosto de 2024, quando a Polícia Federal (PF) identificou, na Operação Concierge, uma quadrilha que movimentou R$ 7,5 bilhões por meio de duas fintechs “ilegais”. Conforme a PF, as transações ocorriam de forma oculta por essas “contas bolsão”, chamadas pelo órgão de “contas invisíveis”. Embora o BaaS já estivesse na mira do regulador, interlocutores dizem que o caso levou o BC a acelerar essa agenda.
Mais prazo
Entidades como Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Zetta e a recém-criada Associação Brasileira de Banking as a Service (ABBaaS) estão na fase final de elaboração dos comentários à consulta. Na página disponível no site do BC, também há mais de 20 sugestões. Há, inclusive, posicionamentos públicos de Instituições de Pagamento (IPs) como o Ebanx. A fintech, por exemplo, se coloca contrário à inclusão dos serviços de subcredenciamento e eFX na regulação de BaaS. Já no portal Participa + Brasil, do Governo Federal, constam até agora quase 60 contribuições.
Questionadas pelo Finsiders Brasil, ABFintechs, ABBaaS e Zetta confirmam que pediram ao BC a prorrogação do prazo da consulta pública. A Febraban, por sua vez, diz que não formalizou pedido de adiamento da consulta. “Estamos trabalhando para cumprir o prazo de 31/01”, afirmou. De acordo com fontes a par do assunto, houve vários pedidos de dilatação do prazo junto ao regulador. “Historicamente, o BC tem aceitado esses pedidos”, diz outro interlocutor.