ENTREVISTA

Serasa mira novas aquisições para ampliar atuação na jornada do crédito

Empresa, que busca se posicionar como "datatech", acaba de concluir a 13ª operação, com a compra da SalaryFits

Valdemir Bertolo/Serasa Experian
Valdemir Bertolo/Serasa Experian | Imagem: Divulgação

Desde que Valdemir Bertolo assumiu como presidente da Serasa Experian no Brasil, há quatro anos e meio, a empresa colocou em marcha uma agenda de crescimento inorgânico. De 2021 até agora, foram 13 operações envolvendo fintechs e startups de outros segmentos, como prevenção a fraudes, agronegócio e seguros. A mais recente delas foi a SalaryFits, de crédito e benefícios, cujo negócio foi concluído neste mês. A estratégia inclui tanto aquisições quanto investimentos minoritários.

“Espero que a gente consiga continuar [nesse ritmo]. Tem uma que talvez saia logo, mas não posso comentar ainda. Acho que sai até o fim do ano”, diz o executivo, em entrevista exclusiva ao Finsiders Brasil na sede da companhia, em São Paulo. “M&A é parte importante da nossa estratégia. Até porque não dá para desenvolver tudo dentro de casa.”

Crescer de forma inorgânica ajuda a acessar novos mercados, como também a ampliar o portfólio de produtos e serviços. O movimento se insere num caminho que vem sendo trilhado nos últimos anos pela Serasa, que é o de migrar de uma visão de birô de crédito para uma datatech

As fintechs são a maioria dos negócios comprados até hoje pela Serasa. Entre elas estão, por exemplo, PagueVeloz (pagamentos), Mova (crédito) e, mais recentemente, SalaryFits (do grupo Zetra). Nos aportes, as fintechs também predominam – a última a receber um investimento da empresa foi a mexicana Palenca, de validação de renda, que busca crescer no Brasil. 

“Estamos atentos a vários setores, principalmente soluções de prevenção à fraude e que aumentam o engajamento do consumidor”, afirma Valdemir. Além disso, a Serasa já assinou cheques para startups no agro, incluindo a agfintech Traive, e mantém o setor no radar para novos deals. A área de saúde também desperta interesse da empresa, de acordo com o CEO. 

Na entrevista a seguir, o executivo comenta, ainda, sobre o posicionamento da Serasa no Open Finance, as estratégias para lidar com a escalada das fraudes no País, o uso da inteligência artificial (IA) e o avanço da tokenização no setor financeiro.

Veja, a seguir, os principais trechos divididos por temas:

Comprar ou investir

Finsiders Brasil: Quais critérios vocês utilizam para decidir se uma fintech será adquirida ou receberá um investimento?

Valdemir Bertolo: Tudo depende do nível de maturidade da fintech. Quando vamos para a aquisição, é porque a fintech já atingiu um nível de maturidade e também passou pela “arrebentação”. Já tem uma perspectiva de receita mais tangível. Fazemos investimentos minoritários principalmente quando [a empresa] ainda é muito ideia, mas não tem receita. Às vezes [a fintech] já tem alguma solução em fase inicial e aí colocamos o dinheiro para acelerar esse desenvolvimento. Foi assim no caso da PayHop, por exemplo. Além de investir capital, fazemos parceria comercial e participamos do board das empresas para ajudar na gestão.

Fonte: Empresa | Elaboração: Camila Belintani/Finsiders Brasil

Finsiders Brasil: A estratégia de M&A e investimentos da companhia é global? Como vocês definem quais negócios vão comprar ou investir no Brasil?

Valdemir Bertolo: A estratégia de M&A é global. Uma empresa que nem a nossa, que vive buscando crescimento, precisa adicionar novas fontes de receita. E às vezes, essas fontes de receita vêm mais rápido se compra alguém já estabelecido, tem um produto pronto, e se junta perfeitamente no nosso portfólio. A AllowMe [de verificação de identidade digital] foi uma delas, por exemplo. Eles tinham mais de 100 milhões de devices registrados na base. E incorporamos na nossa solução end to end. Então, um dos critérios é que buscamos complementaridade no portfólio. 

“Todos os setores que olhamos têm a ver com nossa capacidade principal que é gerenciar esses ‘petabytes’ de dados, transformá-los em analytics para poder oferecer uma solução para cada segmento.”

Segmentos na mira

Finsiders Brasil: Quais setores estão no radar da Serasa para novos investimentos e aquisições?

Valdemir Bertolo: Estamos olhando tudo o que tem a ver com a jornada de crédito. E para fechar nossas soluções, continuamos muito atentos à questão da prevenção a fraudes, assim como soluções que possam gerar mais engajamento do consumidor. O setor de agro é outro que seguimos bastante atentos. Por exemplo, com uso de dados e imagens de satélites, conseguimos identificar como está a produção, se aquela área foi originária de um desmatamento ilegal. Então, conseguimos trazer muita informação para a área agrícola para ela não perder mercado internacional. Além do agro, outro setor que estamos olhando é saúde. 

Finsiders Brasil: Por quê?

Valdemir Bertolo: Porque é um setor que tem carência de informações. Um dos principais problemas na saúde é o número elevado de fraudes. A origem é diversa: pessoas que fraudam atendimento, procedimentos que não são realizados mas são cobrados. [Os problemas] são basicamente fraudes, desperdícios e abusos no plano de saúde. Essas três coisas fazem com que o sistema de saúde tenha um custo bastante grande. E temos ferramentas para poder contribuir com esse setor. Mas não vamos ser provedor de saúde, não. 


Muito além de “limpar nome sujo”

Finsiders Brasil: Algumas das aquisições que vocês fizeram estão permitindo agregar novos serviços e funcionalidades ao aplicativo para o consumidor, por exemplo, identificar os boletos que estão no CPF da pessoa, tomar crédito no marketplace, além de renegociar as dívidas, claro. A ideia é se transformar em um super app de gestão financeira? Quais os desafios dessa jornada para explicar para as pessoas que Serasa não é só associada a “limpar nome”?

Valdemir Bertolo: Foi uma jornada longa, mas acho que já quebramos essa percepção. Antes de 2020, basicamente o consumidor ia se lembrar da gente nesses momentos: “Puxa, meu nome está no Serasa” ou “Estou negativado”.  À medida que ele foi se engajando mais, foi vendo não somente a possibilidade de renegociar suas dívidas na plataforma ou nos feirões Limpa Nome, mas também a opção de contratar um seguro, pagar os boletos, ter acesso a crédito. Espero que em breve possamos adicionar uma previdência privada, ajudando o consumidor a ter uma gestão financeira mais saudável. E tudo isso se liga às nossas plataformas de educação financeira. 

“Aplicativo da Serasa tem cerca de 92 milhões de pessoas cadastradas, sendo que 23 milhões a 25 milhões interagem conosco a cada quatro semanas.”


Ecossistema

Finsiders Brasil: Vocês pretendem se transformar em um super app de gestão financeira?

Valdemir Bertolo: Nosso objetivo é ser um ótimo ecossistema para o consumidor, com foco em gestão financeira. Então, vamos adicionando funcionalidades e que a pessoa tenha a facilidade de entrar num lugar onde liquide tudo, tanto as dívidas pendentes quanto as contas regulares. Hoje temos cerca de 92 milhões de pessoas cadastradas na nossa plataforma, em nosso app. Dessas, cerca de 23 milhões a 25 milhões são engajadas. 

Finsiders Brasil: O que é esse engajamento? Como é medido?

Valdemir Bertolo: São pessoas que interagem conosco pelo uma vez a cada quatro semanas. E olha que não somos uma instituição financeira. Então, temos que criar ativação para a pessoa ir lá na plataforma ou no app. Fomos criando um ecossistema com funcionalidades, por exemplo, negociação de dívidas, acesso a crédito por meio de parceiros, consolidação de boletos e contas. Além de ser uma conveniência para o consumidor, evita a quebra da jornada. Numa negociação, por exemplo, a pessoa consegue imediatamente gerar o Pix e já fazer o pagamento. Agora incluímos a funcionalidade que permite melhorar o score em fração de segundos, depois de pagar determinada dívida.


Open Finance e Cadastro Positivo

Finsiders Brasil: Como vocês estão se posicionando em relação ao Open Finance? Quais estratégias estão adotando?

Valdemir Bertolo: Temos algumas soluções voltadas especificamente para o Open Banking, como categorizadores que harmonizam esses dados que vêm de múltiplas fontes. Por enquanto, a gente vê vários bancos e alguns setores utilizando mais agressivamente o Open Banking, mas ele ainda não está impulsionando o crédito, como se pensava. Temos outros problemas, como o apetite do setor financeiro em conceder crédito, a questão do alto nível de inadimplência. Então, o Open Banking não resolve todos os problemas porque às vezes a pessoa tem mais de uma conta bancária, mas pode resolver dar acesso a uma conta na qual ela está bem. Por isso, precisa combinar tudo isso com outras fontes de informações e análises.

Finsiders Brasil: Isso inclui o Cadastro Positivo?

Valdemir Bertolo: Sim. Quanto mais dados, melhor para o sistema financeiro e para o consumidor. Há ainda um pouco de tabu no Brasil de querer restringir o acesso à informação, mas isso não é bom para o consumidor. O que é bom para o consumidor é ter mais dados para que os agentes financeiros possam tomar decisões melhores. Assim, é possível diminuir a taxa de risco que está embutida na incerteza. Então, o Cadastro Positivo é muito bom para o consumidor. O Open Banking e outras fontes de informação, também. Por exemplo, existem cerca de 39 milhões de brasileiros que não têm renda formal. Quando vão ao sistema financeiro buscar crédito, não têm histórico. Mas são pessoas que possuem renda. Portanto, dá para avaliar que elas têm um fluxo de caixa positivo todos os meses, e isso permite inserir essas pessoas no mercado de crédito.


Prevenção a fraudes

Finsiders Brasil: Falando de prevenção a fraudes, em novembro de 2023, entrou em vigor a Resolução Conjunta 6, do Banco Central, que obrigou as instituições financeiras a compartilhar entre si dados e informações sobre fraudes e golpes. Segundo disse recentemente Carolina de Assis, diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do Banco Central, desde abril de 2024 há uma queda no crescimento dos registros de fraudes. Qual balanço você faz? 

Valdemir Bertolo: A prevenção à fraude tem certa similaridade com a própria questão de avaliação de risco creditício. Ou seja, quanto mais informação, melhor para prevenir as fraudes. Então, [a Resolução 6] é uma iniciativa positiva. Mas no Brasil, e não só aqui, tem muita criatividade. A inteligência artificial (IA) consegue criar uma imagem e uma voz que mesmo o cidadão não consegue identificar se foi ele ou não que falou. Chega a ser um pouco assustador, para falar francamente. Obviamente que a tecnologia nos ajuda a identificar que aquilo é outro padrão. Temos uma tecnologia, por exemplo, que é o liveness, que confirma se a foto foi tirada naquele momento por você mesmo. Quando você fala em prevenção a fraude, é quase que uma artilharia para combater tudo. Tem que ir colocando camadas para tentar coibir a fraude. Mas ela é muito dinâmica. 

“Há ainda um pouco de tabu no Brasil de querer restringir o acesso à informação.”

Inteligência artificial

Finsiders Brasil: Como a Serasa está utilizando a inteligência artificial (IA) para melhorar suas soluções? Nas aquisições, vocês também buscam empresas que usem IA com foco em crédito ou prevenção a fraudes?

Valdemir Bertolo: IA como prospecção de M&A, ainda não. Mas temos usado muito. Acho que é importante fazer uma distinção. Usamos tecnologias de inteligência artificial e machine learning há bastante tempo. O que tem mudado é a IA generativa, que temos usado bastante na relação com os consumidores. Temos 92 milhões de pessoas cadastradas em nossa plataforma e muitas vezes elas nos ligam para perguntar sobre alguma dívida que não reconhecem ou para tirar outras dúvidas. Então, com a IA, consigo oferecer um atendimento rápido e individualizado.


Tendências

Finsiders Brasil: Na sua visão, quais as principais tendências em serviços financeiros e crédito?

Valdemir Bertolo: A interoperabilidade é uma coisa que já está vindo. Você não vai ter mais um banco, e sim ter banking. Ou seja, você pode fazer pagamentos com o banco A, contratar crédito no banco B. Cada vez isso vai ficar mais transparente para o indivíduo. Então, os agregadores terão cada vez mais importância, e algumas empresas podem ter uma participação maior nessa jornada. E pode ser até que o próprio banco não seja mais o grande elo, e sim um prestador desse serviço, mas tem outros orquestradores no meio. O fato é que vai ter muito mais interoperabilidade nesse sistema. A outra coisa que não vai demorar muito é a tokenização de ativos e usá-los como colateral. 

Finsiders Brasil: Como a Serasa se posiciona neste tema de tokenização que está relacionado com o uso da tecnologia blockchain?

Valdemir Bertolo: Especificamente em relação a blockchain, não encontramos ainda nenhum caso de uso que faça sentido para nosso negócio. A tokenização é algo também muito incipiente. Mas vamos acompanhando todos esses mercados muito de perto. Acho que o Brasil está na vanguarda da inovação, a gestão do Banco Central nos últimos anos foi muito ativa e com ideias que não vemos em outros países. No mercado de recebíveis, estamos bem mais próximos [do tema de tokenização].