A Portaria 1.418, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no final de agosto, deu sinal verde para cooperativas e fundos de pensão voltarem a disputar o crédito consignado privado. Desde a Medida Provisória nº 1.292, de março, a criação da plataforma que concentra as operações na Dataprev colocou em xeque as operações desses players. Agora, eles voltam à cena para competir com bancos e fintechs.
Mas, até que ponto contribuirão para a queda dos juros do “Crédito do Trabalhador“? Para especialistas ouvidos pelo Finsiders Brasil, quanto mais players melhor. Mas os benefícios são limitados, da mesma forma que os trazidos pela entrada das fintechs.
Há diferenças estruturais de custos e taxas – o que vai levar naturalmente a uma divisão de clientes de acordo com seu score de crédito. A avaliação é de Pedro Carvalho, diretor de Instituições Financeiras Não-Bancárias da agência de classificação de risco Fitch Ratings.
“Para o cliente, mais competição é sempre positivo. Mas, na prática, os cinco maiores bancos partem de uma posição de vantagem porque têm funding [fonte de recursos] mais barato, relacionamento consolidado, conhecimento do comportamento do cliente e canais próprios. É natural que fiquem com os melhores”, afirma Pedro.
Ele destaca, ainda, que mesmo assim o consignado representa uma melhora frente ao crédito pessoal sem garantia para as fintechs, nicho em que já atuavam.
Quanto às cooperativas, ele diz que elas até têm funding mais barato do que as fintechs, e podem oferecer alternativa viável aos bancos. Mas vai depender do interesse de cada uma nessa disputa. Já os fundos de pensão poderão continuar mantendo o público cativo, mesmo sem oferecer condições melhores, uma vez que existem outras contrapartidas aos associados.
‘Filet mignon’
As fintechs, por ter custo de funding mais alto, precisam cobrar taxas maiores. Assim, tendem a atrair os tomadores de perfil mais arriscado, negativadas, sem bom histórico na praça – deixando o filet mignon para os bancos, que oferecem juros mais baixos. Ou seja, a tendência é de que os bancos sigam liderando o mercado.
Isso, aliás, já vem acontecendo desde o começo da migração dos contratos de consignados antigos para a plataforma do Crédito do Trabalhador. As instituições financeiras tradicionais, que lideravam o crédito consignado privado antigo, que dependia de convênios com empresas empregadoras, consolidaram a dianteira.
Segundo o MTE, o Itaú agora lidera em valores migrados, com aproximadamente R$ 10 bilhões, seguido pelo Santander, com R$ 9 bilhões, e pelo Banco do Brasil (BB), com R$ 7,3 bilhões.
“Por mais que as fintechs estejam buscando alternativas de funding mais baratas, nunca terão depósitos a vista”, lembra Pedro. Maria Helena Chaves, diretora da unidade de Crédito da empresa de tecnologia Matera, concorda. Para ela, porém, o novo consignado deve cumprir seu papel de inclusão. Ou seja, ainda que pague juros maiores, pelo menos uma parcela da população que não tinha agora passa a ter acesso a crédito. Ela acredita que a modalidade tem grande potencial – mas é uma novidade que ainda está na fase de ajustes.
Juros menores
A entrada dos novos players, mais as novas funcionalidades que estrearam nos últimos meses – a possibilidade de usar 10% do FGTS como garantia, e de migrar contratos de consignado anterior para o sistema novo – já vêm ampliando a carteira e reduzindo os juros. Segundo o site do MTE, em 1/9 a taxa média cobrada era de 3,48% ao mês; em 4/9 atingiu 2,62%.
Até 4/9, mais de R$ 15 bilhões haviam sido migrados , elevando o volume total do programa para R$ 46,5 bilhões em empréstimos. Em outubro, segundo a Dataprev, a portabilidade e o refinanciamento dos contratos passarão a ser feitos diretamente pela Carteira de Trabalho Digital. Com isso, os contratos já migrados poderão ser transferidos para outros bancos que ofereçam condições mais vantajosas de juros, o que deve estimular uma nova redução nas taxas.
O que mudou
Até a publicação da Portaria 1.418, havia dúvidas sobre a continuidade da atuação de cooperativas e fundos de pensão no consignado privado, diante da centralização promovida pela plataforma do novo Crédito do Trabalhador. A regra anterior (Portaria 435) restringia operações fora da plataforma e gerava risco de exclusão para instituições que tradicionalmente já concediam consignado.
Agora, as entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) seguem autorizadas a emprestar a seus próprios participantes e assistidos, conforme previsto na Lei Complementar 109/2001. Porém, devem utilizar a plataforma para consultar a margem consignável e registrar o consumo dessa margem nos contratos firmados em seus próprios canais de atendimento, fortalecendo o controle sobre o endividamento.
As cooperativas de crédito, por sua vez, ganharam maior flexibilidade. As formadas por associados celetistas, com previsão clara em estatuto, e que já atuavam com consignado antes da MP 1.292, podem optar por manter suas operações fora da plataforma. Ainda assim, terão a obrigação de consultar margens e registrar contratos para assegurar transparência.