Depois de alavancar a inclusão financeira nos centros urbanos, as startups de finanças querem agora bancarizar o meio rural. Durante a campanha eleitoral, a ABFintechs propôs ao hoje vice-presidente eleito da República, Geraldo Alckmin, a abertura de espaço para o segmento no crédito agrícola. O objetivo da entidade é permitir que suas representadas atuem junto às instituições de mercado obrigadas a oferecer financiamentos do gênero em montantes proporcionais aos seus depósitos compulsórios no Banco Central (BC). “Vários bancos não têm o menor interesse em operar na área. Preferem até ser multados pela não concessão de crédito agrícola nos volumes estabelecidos pela regulamentação”, comenta Diego Pérez, presidente da ABFintechs.
A proposta apresentada pela entidade a Alckmin prevê o fim ou, ao menos, a redução das multas pagas pelas instituições financeiras desinteressadas. A ideia é que elas atendam suas obrigações com os produtores agrícolas por meio da aquisição de cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) constituídos com esse específico fim por fintechs. Na prática, os bancos responderiam pelo funding das operações, cabendo a análise de crédito e a liberação de recursos às startups, arranjo que demandará mudanças nas regras dessa linha de financiamento.
“Não recebemos nem sim nem não do Alckmin. Mas saímos do encontro com boas perspectivas, pois ele demonstrou interesse pela proposta e também pelos indicadores das fintechs”, diz Pérez. “Assim que o novo governo tomar posse, vamos retomar nossa pauta de negociações.”
Fortemente concentrado no Banco do Brasil, que detém uma carteira na área de mais de R$ 225 bilhões, o crédito agrícola movimentou R$ 293,35 bilhões em 2021, 42,27% a mais do que o volume de operações registrado na temporada anterior. O acesso aos recursos, no entanto, está longe de ser equânime. Pesquisa divulgada em março pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) revelou que somente 26% de um grupo de 4.336 produtores rurais de 14 estados conseguiram financiamentos em 2020. Outros 38% nunca tiveram acesso ao crédito agrícola. “O produtor rural, em síntese, é um desassistido”, diz Pérez. “Até mesmo aqueles que conseguem crédito são obrigados a contratar seguros e cartões de crédito para obter recursos.”
O plano executado pela ABFIntechs ao longo da corrida presidencial, que contemplou ainda os candidatos derrotados Simone Nassar Tebet e Ciro Gomes (este abordado em conjunto com a Zetta, representante das fintechs de grande porte), é a sua segunda tentativa de abrir as portas das finanças rurais às startups. Ancorada em um trabalho desenvolvido por Mariana Bonora, diretora da casa e CEO da Bart.Digital, especializada em digitalização de garantias agrícolas, a entidade manteve contatos com o Ministério da Agricultura, há três anos, e segue na luta. “O acesso das fintechs à distribuição de crédito agrícola é uma das nossas prioridades”, diz Pérez.
Salários nas nuvens
A escassez de mão de obra qualificada tornou-se uma dor de cabeça crônica para fintechs de todas as latitudes. Se no Brasil a oferta de recém-formados na área de tecnologia atende apenas um terço da demanda média anual, de 159 mil profissionais, segundo levantamento da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), nos Estados Unidos há mais de cem mil vagas de trabalho não preenchidas para especialistas com boa quilometragem em nichos como programação, design de aplicativos, segurança de dados e engenharia de softwares, de acordo com a consultoria Janco Associates.
“Como a digitalização evoluiu em uma escala muito maior do que a formação de técnicos, a previsão é de que o problema se estenda por muitos anos”, diz Daniel Cária, da Vanq. “No Brasil, o descompasso entre demanda e oferta deve superar a marca de 500 mil postos até 2025.”
Entre 2020 e 2021, os salários médios de duas três das especialidades monitoradas pela pesquisa da Brasscom apresentaram evoluções de dois dígitos: softwares (21,3%), para R$ 6,72 mil, e serviços de TIC (10,4%), para R$ 5,33 mil. A alta contou com a colaboração de empresas estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos, que assediam intensamente experts brasileiros em TI. Desenvolvedores de sistemas, segundo Cária, recebem ofertas de US$ 5 mil mensais, o equivalente a dois terços da remuneração no hemisfério norte, para trabalhar de forma remota.
“O problema é que tem gente pegando de dois a três trabalhos fixos, o que não considero honesto”, diz ele. “A atividade exige muita dedicação, já que qualquer software envolve milhares de linhas de código.”
Brasil, Índia, Estados Unidos e Singapura são alguns dos principais formadores de talentos na seara. O gigante asiático, que coloca anualmente no mercado de trabalho cerca de 1,5 milhão de engenheiros, vem ganhando espaço no Japão. O bairro de Edogawa, na zona leste Tóquio, conta com uma comunidade de 36 mil indianos surgida a partir de uma onda migratória de “tech workers”. “Os profissionais brasileiros, a meu ver, levam vantagem sobre os indianos, pois são muito mais empáticos. Entendem perfeitamente as demandas apresentadas”, diz Cária.
LEIA A PARTE 1: Lula Lá, o retorno: especialistas apontam tendências para as fintechs (Parte 1)