
Mesmo que você não saiba, você já usa Inteligência Artificial (IA) no seu dia a dia. Seja em assistentes virtuais no celular, nos resultados das pesquisas do Google ou no algoritmo das redes sociais, a IA já faz parte da sua vida.
Além disso, bancos, fintechs, gestoras e até empresas de médio porte já utilizam algoritmos inteligentes para aumentar eficiência, reduzir custos e tomar decisões mais assertivas. A automação de operações financeiras por meio da IA está se consolidando como um diferencial competitivo em um mercado cada vez mais orientado por dados e velocidade de resposta.
No caso em particular das instituições financeiras, tradicionalmente, em processos que exigiam grande esforço manual, como conferência de dados, análise de extratos, reconciliação de contas, elaboração de relatórios e acompanhamento de riscos. Essas tarefas, além de demoradas, estavam sujeitas a erros humanos que poderiam comprometer resultados. A IA mudou essa lógica ao permitir que sistemas aprendam padrões e executem atividades repetitivas com maior precisão e agilidade.
Previsão, gestão de riscos e compliance
Um exemplo claro está no processamento de faturas e notas fiscais. Algoritmos de reconhecimento de linguagem natural (NLP, na sigla em inglês) conseguem extrair informações-chave automaticamente, reduzindo drasticamente o tempo de conferência. Da mesma forma, ferramentas de machine learning já são usadas para classificar transações em categorias contábeis, eliminando a necessidade de revisão manual linha por linha.
A IA não atua apenas na execução mecânica, mas também na tomada de decisão estratégica. Modelos preditivos, alimentados por grandes volumes de dados históricos e em tempo real, conseguem projetar fluxos de caixa. E, também, prever inadimplência e até antecipar oscilações de mercado. Para empresas que operam com margens apertadas, essa capacidade de previsão pode significar a diferença entre manter liquidez ou enfrentar crises de caixa.
Outro campo em rápida evolução é o monitoramento de compliance e prevenção a fraudes. Sistemas baseados em IA analisam milhares de transações por segundo e identificam padrões anômalos que indicam riscos de lavagem de dinheiro ou movimentações suspeitas. O que antes dependia de auditorias manuais periódicas, hoje acontece em tempo real, oferecendo maior segurança regulatória.
Robôs de investimento
No mercado de capitais, a aplicação da IA ficou popular com os robôs de investimento e algoritmos de alta frequência. Essas ferramentas operam de forma autônoma, comprando e vendendo ativos com base em sinais de mercado e estratégias matemáticas. Isso, sem a necessidade de intervenção humana constante.

Embora sejam mais comuns em grandes instituições financeiras, versões simplificadas estão acessíveis a investidores por meio de corretoras e fintechs. Aqui, a IA atua não apenas na execução, mas também na análise de perfil de risco, ajudando a recomendar carteiras personalizadas. Isso democratiza o acesso a práticas sofisticadas de gestão de investimentos, antes restritas a clientes institucionais.
Apesar do potencial transformador, a automação via IA não é isenta de desafios. A qualidade dos dados continua sendo um ponto crítico: algoritmos só conseguem entregar bons resultados se alimentados por informações corretas e atualizadas. Além disso, existe o risco de dependência excessiva da tecnologia, que pode falhar em cenários extremos ou não previstos.
Outro ponto de atenção é a ética no uso da IA. Decisões financeiras automatizadas podem impactar diretamente a vida de clientes e empresas. Por isso, a transparência nos modelos, o uso responsável e a supervisão humana continuam sendo essenciais para evitar vieses ou injustiças.
O futuro da automação financeira
A tendência é que a integração da IA nas operações financeiras se torne ainda mais profunda, e os sinais quantitativos já aparecem em várias frentes. No mercado de pagamentos, a padronização de mensagens ISO 20022 entra em fase crítica: o prazo para o fim da coexistência MT/ISO em novembro de 2025 pressiona bancos a modernizar sistemas e enriquecer dados transacionais, habilitando modelos de IA mais precisos para reconciliação, detecção de fraude e screening de compliance. Nos EUA, o Fedwire migra em março de 2025, e novas etapas seguem em 2026, criando uma base de dados semântica mais rica para automação ponta a ponta.
Nos pagamentos instantâneos, volumes crescentes reforçam o case para orquestração algorítmica de liquidez e risco operacional. O Pix consolidou-se como infraestrutura de massa: o Relatório Anual do SPI 2024 mostra, por exemplo, valor médio de R$ 407,90 por transação em dezembro de 2024, com distribuição granular que favorece modelos de IA para previsão de fluxo e chargeback inteligente. Esse dataset em tempo real é fértil para otimização de tesouraria e mitigação de risco de crédito transacional.
Do lado de tokenização e mercado de capitais, a base de ativos digitais programáveis amplia o escopo da automação. Estimativas amplamente citadas projetam que a tokenização de ativos pode atingir US$ 16 trilhões até 2030, cerca de 10% do PIB global, caso a adoção cruze o ponto de inflexão regulatório e operacional, expandindo a liquidez de instrumentos hoje ilíquidos e permitindo settlement e custódia com verificabilidade em tempo real. Para treasuries corporativas e asset managers, isso abre espaço para smart collateral, programmable cash e rotinas de risco automatizadas integradas a ledgers permissionados e públicos.
Estabilidade financeira
Em bancos e crédito, o passo seguinte vai além da automação de tarefas: trata-se de capturar valor econômico mensurável com modelos generativos no lifecycle do crédito, do onboarding à cobrança. Levantamento recente indica que instituições avançam na adoção de IA generativa no crédito, mas a plena captura de valor exige data foundations robustas, guardrails de risco e integração com core banking. Análises da McKinsey apontam que cerca de 75% do valor da IA Generativa (GenIA) nas finanças se concentra em atendimento ao cliente, “especialista virtual”, geração de conteúdo e engenharia de software — pilares que, quando conectados a workflows de crédito, reduzem loss given default e melhoram collections.
Para reguladores e formuladores de política monetária, a IA também é vetor de estabilidade financeira — e de novos riscos sistêmicos. O BIS destaca que a IA pode melhorar diversos indicadores, mas alerta para riscos de convergência algorítmica e ciberataques, recomendando coordenação entre bancos centrais e estruturas de gestão de riscos mais rigorosas. A imprensa especializada e comunicados recentes reforçam que o uso deve complementar, não substituir, o julgamento humano em temas como definição de juros.
No plano macro, a adoção de IA tende a elevar produtividade — um ponto chave para precificação de ativos e alocação de recursos. Trabalhos do FMI (2025) estimam impactos positivos no crescimento anual (até 0,8 p.p. em alguns cenários), com efeitos maiores em setores intensivos em IA. Isso reforça a perspectiva de que empresas e países mais preparados para a IA capturarão spreads de eficiência mais rápido, inclusive em finanças.
Fator geracional
Há, ainda, um vetor geracional na demanda por automação. Pesquisas recentes mostram maior conforto de Millennials e Gen Z com IA em investimentos pessoais, de orçamento a carteiras geridas por algoritmos, o que acelera a difusão de robo-advisors e personal finance assistido por modelos. Essa aceitação social reduz barreiras de adoção do lado do cliente e pressiona incumbentes por experiências AI-first.
Finalmente, a integração IA-pagamentos-tokenização se cruza com a expansão dos pagamentos em tempo real no mundo. Projeções da indústria colocam os fluxos transfronteiriços rumo a US$ 250 trilhões até 2027, ampliando o espaço para automação de reconciliação, FX e compliance com machine learning. À medida que trilhos modernos (ISO 20022, real-time rails, DLTs) amadurecem, algoritmos inteligentes assumem o papel de motor de liquidez e risco, conectando ERP, core banking e mercados globais.
*CFO da Fintalk