Imagem gerada por InnerAI
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Eu realmente deveria parar de ver tantos filmes e séries, mas é impressionante como, em certos momentos, a vida insiste em se comportar como um roteiro clássico. Em 2025, foi difícil olhar para a inovação financeira e não enxergar os elementos de um roteiro de ação. Estamos fechando o ano com a inovação financeira entrando na parte mais difícil, e inevitável, da trama.

Nos últimos anos, vivemos a fase da descoberta: o crescimento veloz, os novos modelos de negócios, a inclusão financeira ampliada, a concorrência mais aberta, de experimentação contínua e a crença de que finalmente havia espaço para novos protagonistas em um mercado historicamente concentrado criaram um ambiente digno de abertura épica. Era o período das contas digitais, do Pix, do Open Finance e dos pilotos do Drex, quando tudo parecia possível e a história avançava com entusiasmo quase automático.

Mas toda jornada tem um ponto de virada. E ele veio quando os reguladores elevaram a régua de prudência, governança, responsabilidade e tributos. Não como um golpe isolado, mas como uma sucessão de movimentos que, somados, alteraram a paisagem. Aos poucos, tornou-se evidente que não se tratava de ajustes pontuais, mas de uma mudança de época, capaz de separar quem apenas participava de quem teria condições reais de atravessar o arco completo da jornada.

O chamado, como quase sempre acontece, apareceu. Surgiu em forma de normas técnicas, resoluções de risco, operações mais custosas, capital mais seletivo e um conjunto de exigências que, em vez de escalonar conforme o risco, já nascem elevadas, impondo uma maturidade regulatória antecipada que aumenta o custo de entrada. Era um convite involuntário para abandonar o conforto e reconhecer que a próxima etapa exigiria uma versão mais sólida, mais preparada e muito mais disciplinada da inovação financeira.

Inversão do pêndulo

É precisamente nesse ponto que o ecossistema se encontra. Depois de anos em expansão acelerada, vive agora a inversão do pêndulo, o momento em que a história deixa claro que seguir adiante implica atravessar o limiar. E que 2026 será, inevitavelmente, a fase das provações. É a parte menos “glamourosa” da jornada: aquela em que o herói desce da montanha rumo ao desconhecido, enfrenta obstáculos que não podem mais ser ignorados, revisa convicções, refaz capacidades e entende que nem tudo o que funcionou no começo sobreviverá ao caminho.

Rogerio Melfi/PilotIn
Rogerio Melfi/PilotIn | Imagem: divulgação

Na prática, essa travessia significará lidar com um cenário de capital mais crítico, com equipes que precisarão ganhar profundidade técnica, com arquiteturas que terão de ser revisitadas, com governanças que exigirão consistência real e com processos que serão mais robustos. Também será o período em que muitas instituições perceberão que atravessar não é agir isoladamente. Fusões e aquisições devem ganhar força, não apenas como resposta defensiva, mas como meio racional de alcançar escala regulatória e eficiência operacional em um ambiente mais exigente.

Enquanto isso, as conquistas estruturais dos últimos anos, da inclusão financeira aos pagamentos instantâneos, da digitalização à compartilhamento de dados e serviços, seguirão avançando, porém com objetivos distintos dos anteriores.

Momento de revelação

E como toda narrativa clássica promete, haverá um momento de revelação. Ele não surge no meio do caos, mas quando já se acumulou experiência suficiente para reconhecer que a força nasceu justamente dos trechos mais difíceis. Será quando o setor compreender que essa pausa visível na inovação não representou um retrocesso, mas uma etapa de preparo; quando perceber que a vantagem temporária dos incumbentes não encerra a história, apenas redefine o campo de disputa; quando aceitar que crescer para dentro é tão essencial quanto crescer para fora.

Ao revisitar este período, veremos 2025 e 2026 como o vale profundo da jornada, aquele trecho incômodo e inevitável que separa quem tem apenas uma boa ideia de quem conseguiu construir uma boa empresa. Será lembrado como o momento em que o ecossistema abandonou o impulso inicial e começou a se estruturar de maneira consciente, resiliente e sustentável.

Todo herói passa por isso. Toda indústria que se reinventa também. E acredito que seja justamente dessa maturidade que surgirá a capacidade de integrar o Brasil a um sistema financeiro cada vez mais global.

*Especialista em Open Finance e cofundador da fintech PilotIn