As classes C, D e E no Brasil, consideradas a base da pirâmide social, representam 76% da população brasileira e respondem por quase metade do consumo do País. Mas, ainda assim, têm um potencial de compra reprimido, em parte, pela falta de acesso ao crédito. A pesquisa “Mercado da Maioria”, realizada pelo Instituto Locomotiva em parceria com a PwC, revelou que 56% das pessoas da classe C já deixaram de comprar algo por falta de crédito. E, nas classes D e E, este número sobe para 72%. Uma alternativa para esse gargalo está nas operações financeiras realizadas pelo varejo, que conseguem abarcar também os desbancarizados, pessoas que não têm conta no banco.
São operações realizadas pela própria rede de lojas, que oferece financiamento ou empréstimo, por exemplo, sem depender de um banco. Isso acontece quando ela mesma é dona da operação. Ou, então, quando conta com uma empresa parceira com um ecossistema financeiro pronto para uso, sempre em conformidade com o Banco Central. Em um cenário positivo, esse tipo de programa ajuda na fidelização do cliente, que consome mais dentro da loja. Assim, ele também ganha poder de compra, mesmo que por um curto período.
“Com a chegada dos bancos digitais e a pandemia, as pessoas passaram a ter acesso a banco, em parte para receber o auxílio-emergencial. Mas não a serviços financeiros e crédito”. A afirmação é de Pedro Albuquerque, cofundador e diretor de Novos Negócios da Retail Payment Ecossistem (RPE), empresa focada em soluções de meios de pagamento para varejo, bancos e fintechs.
“Mesmo os bancos digitais não conseguem atingir plenamente a população das classes C, D e E, pois ou eles não tem interesse ou disponibilizam valores muito pequenos, que não resolvem a demanda”, diz.
Crédito no varejo
Pedro explica, ainda, que quando os bancos dão crédito para as classes C, D e E, também registram aumento da inadimplência. “Como esse público também consegue crédito no varejo, ou pago a fatura do banco ou a fatura do supermercado. Em geral, o indivíduo tende a pagar o supermercado. Então, no final das contas, é o varejo que dá esse crédito a esse público.”
Ainda de acordo com a pesquisa, 87% das pessoas das classes C, D e E consumiriam mais se tivessem mais acesso a crédito. Eles têm dificuldades, por exemplo, com aumento de limite no cartão: 79% já solicitaram aumento de limite, mas 38% deles nem sempre conseguiram.
Outro dado que surge na pesquisa é sobre o uso do Pix como principal meio de pagamento do dia a dia para 66% dessa população. Afinal, o Pix apresenta descontos para quem o utiliza, ausência de taxas e transação instantânea. “O Pix transformou a indústria de meios de pagamento e também o varejo, pois ele é trilha para vários serviços. Não só pode ser usado para compras, mas também para pagamentos de fatura e outras necessidades”, diz Pedro. Por sua vez, nas classes C, D e E 52% são mulheres; 62% se identificam como pessoas negras; 9% são LGBTQIA+, entre os adultos; e 9% tem algum tipo de deficiência.
Biometria
Para este público, o uso dos cartões private label, aqueles emitidos por uma marca e que só podem ser utilizados dentro da própria rede de lojas – pois não têm bandeira -, representam apenas 9% do total. Mesmo assim, 15% das pessoas ainda não o utilizam como meio de pagamento, mas gostariam. Segundo a pesquisa do Instituto Locomotiva, a integração das formas de comprar online e offline pode ajudar os meios de pagamento a se integrarem, tornando-se uma alternativa menos complicada aos consumidores.
Hoje, 28% dos brasileiros já utilizaram pagamento por uso de reconhecimento facial ou biometria, o que mostra um grande potencial de crescimento para a modalidade. “As validações biométricas podem ser usadas para transação, captação de cadastro e muitas outras funções no varejo. Elas deixam a jornada do consumidor mais fluida, pois os métodos tradicionais de validação, como SMS ou Whatsapp, mostram a dependência por operadoras de telefone para receber um token. Com a biometria, isso não acontece”, diz Glauco Soares Filho, co-fundador e diretor de negócios da Horizon Pay, um spin off da RPE.
Acesso a crédito
Dessa forma, “o acesso ampliado ao crédito e tecnologias como biometria no varejo têm transformado de forma significativa o setor, proporcionando uma experiência de compra mais segura e conveniente para os consumidores. Ao substituir senhas e cartões por reconhecimento facial, impressão digital e outras formas de identificação, a biometria pode reduzir fraudes e simplificar o processo de autenticação nas transações. Paralelamente, o maior acesso ao crédito permite que mais consumidores realizem compras, impulsionando as vendas e expandindo a base de clientes dentro das empresas”, afirma Glauco.
Ainda de acordo com o estudo, mesmo com a transformação digital, as lojas físicas ainda têm relevância. Para compras de supermercado, por exemplo, 46% das pessoas das classes C, D e E usam somente os espaços físicos. A maioria opta em comprar mais pela internet artigos eletrônicos, cursos diversos ou cursos de idiomas.
Para o varejo continuar se destacando e tendo relevância para esse público, será preciso criar experiências envolventes e personalizadas para conquistar o consumidor de acordo com suas preferências. Por exemplo, alternativas que levem em conta a sustentabilidade, a diversidade e a responsabilidade social. Aos poucos, as preferências de consumo estão mirando o bem-estar coletivo, levando em consideração um propósito. E é dessa forma que o consumidor consegue se engajar no processo e também participar dele, se tornando protagonista.