“Assim como aconteceu com o WhatsApp, esse negócio vai bombar, vai ter um efeito multiplicador. De boca em boca”. A analogia é de Carlos Netto, o “TK”, cofundador e CEO da Matera, e o negócio ao qual ele se refere são as stablecoins. Assim como o aplicativo de mensagens da Meta eliminou as barreiras para uma comunicação instantânea global, as criptomoedas lastreadas em moedas fiduciárias como dólar ou real prometem uma verdadeira revolução nos pagamentos e nas finanças mundo afora.
Estima-se que essas moedas digitais baseadas na tecnologia blockchain possam alcançar US$ 4 trilhões até 2030, no cenário mais otimista, conforme projeções divulgadas no relatório “Stablecoins 2030 – Web3 to Wall Street”, publicado em setembro pelo Citi Institute. “Esses depósitos vão sair de algum lugar, muito provavelmente os depósitos bancários como conhecemos hoje vão se transformar parte em stablecoins. Não é uma mudança pequena. É uma tendência muito clara e urgente”, destacou Bruno Samora, diretor de Produtos da Matera. E não se trata mais de nicho: nos Estados Unidos, por exemplo, uma em cada cinco pessoas adultas já possui stablecoins, mencionou Bruno.
Mudança cultural
Para Daniel Mangabeira, vice-presidente de Estratégia e Políticas da Circle para América Latina, com as stablecoins, desenha-se uma era em que as movimentações de valor seguirão na velocidade da internet. “Hoje, a internet é uma estrutura tecnológica que permeia a vida de todo mundo. Ninguém hoje consegue viver sem internet, sem um smartphone na mão, sem poder transmitir dados, vídeos, áudios, não importa onde as pessoas estejam. E acho que o movimento de valor é a única coisa que ainda está pendente dessa transformação”, apontou ele.
O executivo da empresa norte-americana, responsável pela emissão da USDC – uma das principais stablecoins pareadas com o dólar na proporção de 1:1 -, enxerga uma mudança na arquitetura do sistema financeiro global. Não a ponto de substituir o modelo tradicional, mas sim complementá-lo.
Além disso, para ele, a transformação em curso vai além do avanço do blockchain, tecnologia por trás das stablecoins e de outras tantas moedas digitais. Significa, de certa forma, romper com um modus operandi do setor financeiro. “Existe uma mudança cultural muito importante. Hoje vivemos numa lógica bancária tradicional, de movimentação de dinheiro transfronteiriça, em que tudo já é dado – é assim e sempre foi assim. Demora, tem taxas”, apontou Daniel.
Regras e desafios
Os reguladores em diferentes países estão atentos à evolução das stablecoins, comentaram os especialistas. No Brasil, o Banco Central (BC) publicou no segundo semestre três consultas públicas com minutas de regras focadas em ativos digitais, inclusive stablecoins, lembrou Tatiana Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados. De acordo com a advogada, há uma expectativa de que o BC publique em breve três normas voltadas ao tema. Elas devem abordar desde regras para a atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais (Vasps, na sigla em inglês) até o uso de stablecoins e outros ativos digitais em operações transfronteiriças.
Segundo Tatiana, os movimentos recentes do BC refletem uma mudança na percepção do regulador em relação a esses ativos da criptoeconomia. “Há dez anos, quando começamos a conversar com o Banco Central a respeito de criptoativos – e nem existiam as stablecoins -, a visão do regulador era muito negativa. Havia certo preconceito, de que os ativos virtuais poderiam ser utilizados principalmente para atividades ilícitas, não vendo o real potencial dos ativos virtuais. Isso mudou totalmente.”
Com a regulamentação iminente, bancos e fintechs entram numa espécie de corrida, apontou TK. “Não fiquem parados. O mercado vai mudar muito rápido. Quem demorar, pode perder cliente”, afirmou o executivo. “Então, é guerra, do banco mais rápido contra o mais lento. Em pagamentos transfronteiriços, [as stablecoins] vão crescer muito forte.”
Para ele, o principal desafio não é tecnológico. “O maior desafio está na simetria de conhecimento”, defendeu TK. Ele explicou que há dois grupos que precisam se aproximar: especialistas em blockchain que não entendem a complexidade de criar produtos para usuários comuns, e profissionais de produto que não dominam a tecnologia.