A transformação digital tem se consolidado como um dos principais vetores de mudança na forma como as empresas acessam financiamento e se relacionam com o sistema financeiro. Nesse cenário, a tokenização de ativos desponta como uma das inovações mais disruptivas e promissoras. Essa tecnologia, fundamentada no blockchain, permite representar ativos reais por meio de tokens digitais, abrindo caminho para maior liquidez, segurança e transparência nas transações.
No mercado de crédito, isso significa a possibilidade de converter recebíveis, duplicatas e contratos em tokens, cuja negociação pode ocorrer de forma rápida e rastreável. Para as empresas, especialmente as Pequenas e Médias (PMEs), esse processo é um divisor de águas. Em vez de depender de intermediários tradicionais, torna-se viável captar recursos diretamente com investidores interessados, com taxas mais competitivas e prazos mais ágeis. Além disso, a tokenização reduz barreiras de entrada e democratiza o acesso a oportunidades antes restritas a grandes players. Isso porque os instrumentos podem ser fracionados em tokens de valores menores, sem que o valor total do ativo seja reduzido.
A consequência é um mercado de crédito mais inclusivo e descentralizado, em que credores e devedores se relacionam de maneira mais direta e transparente. Essa mudança estrutural redefine um espaço historicamente dominado por bancos e fundos, trazendo benefícios como redução de custos operacionais, eliminação de burocracias cartoriais e maior previsibilidade na gestão de caixa. O impacto positivo se estende a empresas de diferentes portes, das startups em busca de capital sem diluição de controle societário até grandes companhias com cadeias complexas de recebíveis.
É importante ressaltar, no entanto, que a eliminação de burocracias cartoriais ainda não é uma realidade. Um exemplo disso é o novo marco da tokenização imobiliária, estabelecido pela Resolução nº 1.551 do Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci). Embora a norma tenha criado uma base regulatória relevante, ela não desvinculou a necessidade de registro em cartório de imóveis para comprovação da titularidade da propriedade.
Outro ponto importante é a integração da tokenização com o ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês). Isso amplia ainda mais as possibilidades para as empresas. Com essa conexão, ativos tokenizados podem servir como garantia em operações de crédito globalizadas, em um ambiente que dispensa intermediários tradicionais. Isso abre novas perspectivas para startups e PMEs que buscam recursos de forma inovadora, ao mesmo tempo em que pressiona o sistema financeiro convencional a acelerar sua adaptação a essa realidade.
Desafios regulatórios
É inegável que ainda enfrentamos desafios regulatórios. No Brasil, a legislação caminha para acompanhar essa transformação, mas ainda existem pontos em aberto relacionados à tributação, validade jurídica e proteção ao investidor. Algumas iniciativas mostram que o movimento de convergência entre inovação tecnológica e arcabouço legal já está em andamento. O sandbox regulatório da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instituído em 15/5/2020, é um exemplo importante, pois foi voltado para projetos de tokenização e estimulou o uso da tecnologia blockchain no mercado de capitais.
Além dele, também merecem destaque o sandbox do Banco Central (BC), o reconhecimento de valores mobiliários tokenizados pela própria CVM e o projeto do Drex. Esse conjunto de ações indica que a adaptação regulatória está em curso e será determinante para que a tokenização alcance seu potencial pleno no mercado de crédito.
Estamos diante de uma revolução que não é mais apenas promessa, mas realidade em expansão. A tokenização transforma ativos ilíquidos em instrumentos acessíveis, fortalece a confiança por meio da rastreabilidade e aproxima empresas de investidores de forma inédita. Quem compreender essa mudança agora terá não apenas uma vantagem estratégica, mas também a chance de participar ativamente da construção de uma nova infraestrutura financeira mais justa, eficiente e democrática.
*CEO da Grafeno