Opinião

O novo texto do Marco Legal das Startups e as fintechs - Rogério Agueda Russo

Rogério Agueda Russo *

No último dia 20 de outubro, foi enviado ao Congresso Nacional, o anteprojeto do Marco Legal das Startups – Lei Complementar nº 249/20 (“PLP 249/20”), que deverá ser apenso ao PLP nº 146/19 (“PLP 146/19”) –, contendo medidas voltadas ao apoio e desenvolvimento do ambiente de negócios voltados ao empreendedorismo de inovação no país.

Trata-se de um marco legal muito importante para os diversos atores do ecossistema, já que, por meio dele, serão reguladas questões de grande relevância, dentre os quais a definição do enquadramento das empresas no conceito de startups – algo que necessitava ser positivado; a exclusão de responsabilidade de investidores em atividades de inovação por dívidas da empresa; a contratação de soluções inovadoras pelo Estado; modalidade especial para licitações; a simplificação de estruturas societárias para o estabelecimento de empresas, dentre outros aspectos relevantes.

A nova regulação beneficia diretamente as fintechs, uma vez que estabelece uma série de regras, de diversas naturezas, que se aplicam ao seu âmbito de atuação, seja na modalidade de pagamento, crédito, crowdfunding, investimento, etc., desde que observados os parâmetros mínimos de aplicação que serão por meio dela definidos.

De início, é preciso observar que o texto busca definir o conceito de startup com base na adoção de critérios objetivos. A sugestão é de a) empresas que tenham auferido faturamento bruto anual de até R$ 16 milhões de reais no ano-calendário anterior, podendo ser calculado de forma pro rata, caso a empresa seja constituída há menos de 12 meses; b) tempo de constituição inferior a 6 anos; e, alternativamente c) a existência de modelos de negócios inovadores em produtos e serviços; ou o enquadramento da empresa no Regime Especial do Inova Simples.

No entanto, além dessa definição mais abrangente, é fundamental que tais critérios estejam plenamente alinhados com as disposições da Lei Complementar nº 123/06 (“LCP 123/06” – Simples Nacional), revogando-se expressamente as determinações que impedem empresas de se enquadrarem no regime simplificado, tal como sugerido no PLP 146/19, em seu artigo 15, que altera a redação dos artigos 17 e 30 da LCP 123/06 – hipóteses de exclusão do Simples Nacional, mas que não foram contempladas no novo texto proposto por meio do PLP 249/20. Com a adoção dessa medida, os critérios societários e tributários estariam em consonância, o que deverá favorecer a captação de investimentos estrangeiros por parte das startups brasileiras.

Os instrumentos de investimento em inovação também são objeto de atenção do legislador, passando a ser admitido o aporte de capital em startups, nos contratos de participação firmados por investidores anjo (pessoa física ou jurídica), sem que tal investimento passe a integrar o capital social da empresa investida. Com isso, aumenta-se de forma indelével a segurança jurídica de investidores no oferecimento do capital necessário ao fomento das atividades de inovação – que já é de risco por natureza –, eximindo que eventuais passivos decorrentes do exercício das atividades econômicas possam vir a afetar diretamente o seu patrimônio.

O estabelecimento de simplificação para o cumprimento de obrigações acessórias atinentes às sociedades anônimas quando se enquadrarem como startups também é um grande avanço. As empresas que tiverem auferido receita bruta anual de até R$ 78 milhões poderão realizar as publicações obrigatórias de forma eletrônica, assim como substituir os seus livros por registros mecanizados ou eletrônicos.

Inclusive, vale destacar que as regras societárias previstas para o Marco Legal das Startups não conflitam com as determinações do Banco Central do Brasil constantes da Circular nº 3.682/13, de modo que, atendidas as demais condições mínimas, as empresas que integrem o Sistema de Pagamentos Brasileiro poderão, em tese, ser enquadradas como startups e gozar dos benefícios nele previstos.

Em linha com a tendência de testes de inovações disruptivas no ambiente bancário, com a aplicação de testes em novos fenômenos e instrumentos financeiros, tais como com o Open Banking, criptoativos, pagamentos instantâneos, blockchain, dentre outros, o PLP 249/20 prevê a possibilidade de órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial afastarem a incidência de normas sob sua competência em relação às entidades reguladas, permitindo-se a flexibilidade necessária para tanto. Caberá, então, a cada entidade reguladora regular os critérios gerais para a criação e as condições de participações das empresas de seus próprios sandboxes, com o objetivo de desenvolver modelos de negócios inovadores e simular técnicas e tecnologias experimentais.

Apesar de serem tratadas pelo PLP 146, o novo texto trazido pelo PLP 249/20 não contém aspectos relevantes de viés fiscal e trabalhista, tais como a possibilidade de dedução da base de cálculo do imposto de renda dos rendimentos provenientes dos Contratos de Participação ou a permissão do estabelecimento de remuneração variável aos empregados da startup por meio da criação de plano de opção de compra de ações (stock options), que é um instrumento interessante para a retenção e atração de talentos por empresas que na maioria das vezes não dispõe de recursos financeiros para investir diretamente na mão-de-obra qualificada necessária para o desenvolvimento de seus projetos.

Vale ressaltar, por fim, que a justificativa do PLP 249/20 informa que “as inovações normativas deste anteprojeto não implicam em impactos orçamentários ou financeiros, em consonância ao imposto pela legislação”. No entanto, como já exposto, para viabilizar a captação de recursos financeiros, é essencial que as startups possam, ainda que investidas por pessoas jurídicas estrangeiras, por exemplo, gozar do regime do Simples Nacional, que é efetivamente mais benéfico aos empreendedores. Essa permissão poderia eventualmente implicar nos impactos orçamentários não desejados pelo Poder Executivo, mas poderá, de outro lado, ser positiva em termos de arrecadação, caso seja verificado o aumento no volume dos negócios no mercado interno, como é esperado a partir da vigência desse importante Marco Legal.

A partir de agora as discussões seguirão nas casas legislativas do Congresso Nacional. É um grande momento para ecossistema de inovação, que irá receber, ao menos em parte, o tão esperado olhar atento do Poder Público para o fomento do setor.

* Rogério Agueda Russo é advogado de NELM Advogados, Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP, colaborador do guia Empreendendo Direito: aspectos legais das startups e da pesquisa “Panorama Legal das Startups