Renato Aragon*
Devido ao surgimento de uma grande quantidade de fintechs nos últimos anos, não são raras as especulações sobre a possibilidade de o ecossistema ter esgotado, ou pelo menos já estar perto de esgotar, o potencial de apresentar inovações, o que consequentemente levaria ao seu limite de crescimento no Brasil. No entanto, para não correr o risco de cometer este erro, é preciso desviar o olhar dos números e observar as razões que levaram as startups financeiras a alcançarem o patamar de relevância que possuem atualmente.
Apenas para resumir este raciocínio, basta lembrar que as fintechs surgiram com a proposta de oferecer melhores experiências para o consumidor no relacionamento com as instituições financeiras tradicionais, que representavam, e de certa forma ainda representam, uma indústria extremamente concentrada e, por isso mesmo, sem motivação para investimentos em avanços nas suas ofertas de valor.
Ao identificarem oportunidades de melhorias em setores como meios de pagamento, gerenciamento das finanças pessoais, concessão de crédito e outras áreas, as fintechs mostraram que era possível avançar e obrigaram os chamados ‘bancões’ a se movimentarem na mesma direção.
Diante desse histórico, é possível afirmar que, enquanto houver oportunidades para melhorar a oferta de serviços financeiros, haverá espaço para o surgimento e crescimento das fintechs.
Neste sentido, o início de 2022 revela a existência de pelos menos três campos a serem desbravados com potencial de assegurar o ritmo de crescimento das fintechs. Eles estão ligados às transações imobiliárias, ao agronegócio e ao desenvolvimento das exchanges de criptomoedas.
No que se refere à questão imobiliária, por exemplo, qualquer brasileiro que já precisou de um simples fiador para conseguir alugar um imóvel sabe o abismo que separa os serviços financeiros prestados neste tipo de operação daquilo que se possa chamar de experiência, no mínimo, agradável para o consumidor.
No início do ano passado, este nicho já sinalizava que seria um foco de aquecimento do ecossistema. A expectativa se tornou realidade com anúncios do surgimento de soluções como a possibilidade de investir via crowdfunding na compra de apartamentos, seguro de recebíveis imobiliários, antecipação de recebíveis com a venda de imóveis entre outras inovações. Como não poderia deixar de ser, os investidores entenderam o recado e as notícias de aportes em rodadas envolvendo grandes marcas se multiplicaram fazendo supor que este ano, além da consolidação dos projetos iniciados em 2021, muitos outros surgirão, alimentando o ciclo virtuoso no ecossistema.
Da mesma forma, qualquer pequeno ou médio produtor rural que já precisou de recursos em caráter emergencial para garantir uma tranquilidade mínima na safra conhece as dificuldades de superar as burocracias dos projetos governamentais ou as exigências dos bancos tradicionais.
Neste contexto, 2021 viu surgirem bancos digitais formados pela associação entre grupos de produtores rurais, lançamentos de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) específicos para financiar o agronegócio, além de inúmeras iniciativas de grandes conglomerados de fabricantes de insumos para se aproximar de fintechs e desenvolver produtos mais acessíveis ao trabalhador rural. Em 2022 este movimento promete ser ainda mais acentuado.
Já a parcela de crescimento originada pelo desenvolvimento das exchanges de criptomoedas revelará um amadurecimento cada vez maior de uma verdadeira inovação no mundo financeiro. Após alguns anos de especulações, discussões de conceito e extrapolações sobre o potencial das criptomoedas, 2022 deve ser o marco de uma presença mais forte deste instrumento no dia a dia das pessoas.
Durante o ano passado foram anunciados inúmeros projetos entrando em escala comercial com propostas como a compra, manutenção e venda de criptomoedas a partir de superapps famosos, além do uso do cashback em forma de investimento em criptomoedas e vários outros modelos. Todos eles têm em comum o desejo de popularizar o uso deste instrumento. Isto sem falar nas discussões em torno do Real Digital, que avançam no Banco Central ajudando a conferir maior credibilidade para o negócio. Desta forma, a expectativa é de que os investidores turbinem muitos novos projetos em 2022 ajudando a movimentar o ecossistema fintech brasileiro.
Como fruto da transformação digital, o movimento fintech não pode ser observado pelos parâmetros antigos, que simplificavam a análise ao levarem em consideração fatores como o número de empresas existentes, por exemplo.
As startups financeiras têm em seu DNA as premissas da busca pela máxima eficiência com os menores custos. Para isso elas são amparadas por tecnologias emergentes que permitem fechar os número desta equação. Desta forma, assim como as transações imobiliárias, o agronegócio e as exchanges, elas continuarão em busca de ‘deficiências’ nos modelos tradicionais para continuarem se expandindo em nossa economia.
Como é consenso de que problemas no relacionamento com o consumidor é o que não falta em diversos setores da nossa economia, é praticamente garantido que as fintechs ainda terão um longo período de expansão.
* Renato Aragon é Associate Director da Xsfera