Por Diego Perez, presidente da ABFintechs
Mesmo diante de inúmeros gargalos, o Brasil presenciou uma verdadeira digitalização da sua economia nos últimos anos. No segmento financeiro, a inserção de tecnologia foi fundamental para atender às diferentes necessidades de uma população formada por mais de 210 milhões de pessoas.
No caso das startups, sobretudo as fintechs, um dos caminhos naturais para prosperar em um país com diversos entraves de crescimento foi a injeção de recursos junto a fundos de investimentos, investidores-anjo e plataformas de crowdfunding. O resultado foi uma era de crescimento acelerado das companhias e lançamento de produtos e serviços mais baratos e inclusivos.
Esse cenário não só colocou o nível de captação das empresas de tecnologia em outro patamar — que, mesmo diante dos desajustes nas cadeias de produção e inflação em alta, chegou ao valor recorde de US$ 9,4 bilhões no último ano –, como também abriu espaço para a ascensão do financiamento coletivo local.
Entre 2016 e 2021, as plataformas de crowdfunding registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) saíram de 4 para o total de 56. Ainda de acordo com a CVM, no mesmo período o volume de captações avançou acima de 2.000%, para R$ 188,2 milhões.
O ganho de visibilidade da ferramenta como alternativa de acesso a capital também é um ponto importante: mais de 18 mil novos investidores apostaram financeiramente em startups, segundo a entidade reguladora. Atualmente, esse grupo já tem mais de 20 mil pessoas.
Mas, como todo mercado em processo de maturação, eram esperadas modificações nas regras para comportar o novo momento das empresas. Para quem entende a competição como uma ferramenta benéfica, a Resolução 88 da CVM, divulgada no final de abril, foi bastante comemorada.
Agora, a receita bruta anual para a definição do conceito de sociedade empresária de pequeno porte foi ampliada de R$ 10 milhões para R$ 40 milhões. Vale lembrar que o limite de receita bruta para empresas que fazem parte de um grupo econômico chega a R$ 80 milhões.
Com maiores volumes, espera-se que as operações de empresas mais maduras estejam ao lado das PMEs. A modalidade deve trazer novas companhias que antes não poderiam recorrer ao crowdfunding. Para uma noção do quão representativo é o valor, as 9 milhões de micro e pequenas empresas existentes no país faturam até R$ 4,8 milhões por ano e representam 27% do PIB, segundo o Sebrae.
Com a mesma ideia de ser mais flexível, a entidade reguladora elevou de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões o limite de captação das empresas no crowdfunding.
Tal iniciativa deve levar as startups a compreenderem as rodadas de investimento não apenas como um veículo de crescimento e ganho de escala no mercado. Para quem já tem uma operação robusta, o reforço no caixa pode ser um pilar significativo para ações de fortalecimento de marca ou a aquisição de um negócio.
Do lado das plataformas, das 56 empresas de crowdfunding registradas na CVM, a parcela daquelas com negócios relevantes no setor ainda é pequena. Assim, a expansão do montante para captações também possui potencial de influenciar outras plataformas a ganharem espaço, fazendo da competição nesse mercado algo mais frutífero.
Outro efeito positivo das novas normas é tornar o crowdfunding um mecanismo que ultrapasse a barreira da inovação e do Venture Capital. A Resolução 88 viabiliza o investimento coletivo nas empresas da economia real, como indústrias, redes varejistas e comércios, que passam a dispor de uma nova forma de destravar projetos e alcançar mais clientes.
Além do endurecimento nas regras de governança e compliance, os valores mobiliários movimentados precisam ser escriturados. Não é pouco. Na prática, isso significa que profissionais autorizados pela CVM poderão compilar informações a respeito dos direitos de cada empreendedor, quais fundos fizeram aportes e quem são os investidores daquele negócio.
A Resolução, que passa a valer a partir de 1º de julho, significa um novo ambiente de mais segurança para ambas partes.