Opinião

Fundos de pensão, aceleração digital e o papel das startups - Alexandre Teixeira/uFund

Alexandre Teixeira*

O Brasil é uma referência mundial no uso de tecnologia para impulsionar a transformação digital de diversos setores da economia: são 225 fintechs de crédito, 129 insurtechs, 541 healthtechs e 299 agtechs. Mas, curiosamente, o processo de digitalização das entidades de previdência privada ainda é tímido quando comparado a estes setores, principalmente quando falamos da relação com os participantes.

Não que a tecnologia não faça parte do cotidiano dos fundos de pensão. Não é isso. Em termos operacionais ela já faz parte da realidade das fundações. Porém, a maioria ainda não oferece uma oferta plural de canais de autoatendimento e transacional de forma a facilitar que as pessoas obtenham informações sobre seus investimentos, a possibilidade de ampliar ou reduzir as contribuições, rentabilidade ou serviços adicionais ofertados como contratação de crédito.

Este cenário impacta principalmente os mais jovens, que se sentem menos estimulados a interagirem com marcas que não estejam presentes digitalmente em suas vidas. O problema limita o próprio crescimento potencial das entidades de previdência privada. Hoje existem 275 fundos de pensão com cerca de 4 milhões de participantes, o que equivale a 2% da população brasileira. Na divisão por faixa etária, apenas 7% dos participantes das EFPC têm menos de 24 anos, o que não chega a 300 mil pessoas.

Em um país como o Brasil, onde o déficit da previdência pública é um problema estrutural, é importantíssimo que as pessoas busquem proteção na previdência privada. Mas o movimento ainda é bem tímido. De acordo com o Relatório Global do Sistema Previdenciário 2020, da seguradora Allianz, que avaliou a estrutura previdenciária de 70 países, cerca de 90% dos brasileiros com mais de 25 anos não poupam dinheiro pensando na aposentadoria; nos EUA o percentual cai para menos da metade (40%).

É preciso conscientizar os brasileiros sobre a importância da poupança de longo prazo, principalmente para garantir uma velhice tranquila e sem a queda da qualidade de vida por conta da menor renda. Este é um importante papel dos fundos de pensão. Mas como atrair novos participantes e como aproximar-se ainda mais de quem já integra o sistema privado de previdência complementar?

É preciso ter canais apropriados, que não só conversem com as diferentes faixas etárias mas também que engajem principalmente os jovens que buscam se identificar com as marcas e investir em propósitos. E é aí que entram as startups. Elas podem agregar com produtos e serviços que atendam a hiper personalização, com uma comunicação que fale com esse jovem no canal onde ele navega e use a linguagem dele.

Uma entidade de previdência não tem como foco desenvolver plataformas e aplicativos. Sua real e legítima preocupação é gerir os recursos dos participantes. Por outro lado, as startups têm as ferramentas adequadas para aumentar a conexão com os atuais participantes e atrair o interesse de mais pessoas, porque as soluções tecnológicas são sua expertise.

A união entre as duas partes é que vai gerar a transformação sobre como a previdência complementar fechada é vista.

Fintechs e neobanks

Um bom exemplo no mercado é a EnergisaPrev, fundo de pensão que administra os planos de previdência de 14 mil colaboradores das empresas que formam o Grupo Energisa, com patrimônio de aproximadamente R$ 1,8 bilhão. Ela está entre as instituições que deram o primeiro passo rumo à transformação digital. O fundo adotou uma solução, desenvolvida no conceito white label, que permite uma comunicação fluida e integrada com os participantes por múltiplos canais digitais, num modelo semelhante ao das fintechs e neobanks.

Durante palestra proferida no 43º Congresso de Previdência Privada da Abrapp, o CEO da EnergisaPrev, Márcio Pires, afirmou que a implantação da plataforma digital fez a carteira de crédito do fundo crescer exponencialmente. A inovação beneficiou as duas pontas que importam: o participante, que consegue crédito a taxas mais justas de juros, e a própria entidade que tem no empréstimo uma forma de aumentar a rentabilidade do fundo.

Mas se a parceria com startups tem sido tão positiva para o setor financeiro – e as poucas experiências no setor de fundos de pensão comprovam isso -, então, o que falta às entidades de previdência privada para serem conquistadas pelo movimento de startups de fato?

A verdade é que existe sim, interesse do setor nesse movimento de modernização. Mas questões culturais e receio de o custo se tornar muito alto são algumas das razões para que “o carro ande com o freio de mão puxado”.

Mudar exige ousadia e desafia as instituições a tornar a comunicação mais efetiva, capaz de alcançar todos os colaboradores. E há ainda o desafio sobre como tratar os dados corretamente.

Outro ponto considerado como dificultador é o fato de que somente agora a geração Z, que tem mais afinidade com tecnologia, está entrando nos planos de previdência complementar. A maioria dos participantes pertence a gerações anteriores, com cultura possivelmente mais analógica.

É verdade que essa cultura existe porque o setor trabalha com um horizonte muito longo e é altamente regulado, o que explica, em parte, o conservadorismo.

No entanto, assim como diversos setores da economia perceberam nos últimos anos, a tecnologia transforma os negócios ao trazer mais precisão e agilidade, fazer mais com muito menos custo e alta assertividade. Além disso, é preciso olhar as soluções para as gerações novas para que a previdência complementar fechada se torne mais atrativa e seja vista como “coisa de gente jovem.”

Afinal, não fazer também tem seus custos. Vivemos na era da transformação digital em que setores são transformados muito rapidamente.

Usar as startups como parceiras significa aproximar participantes e fundações para estreitar relacionamento e multiplicar oportunidades para ambos hoje, sem perder de vista o patrimônio que garantirá a tranquilidade amanhã.

*Sócio e CEO da uFund