Por Franklin Lacerda*, exclusivo para o Finsiders
Criado em 1983, com sede em Santa Clara, Califórnia, o Silicon Valley Bank (SVB) era um banco comercial, o 16º maior dos EUA e o maior em volume de depósitos no Vale do Silício. Agora entrou para história.
Há muita especulação em torno de sua falência. Então, quero destacar o que a quebra do banco representa para a economia, em especial para as empresas, e o que deve acontecer a partir de agora.
Contexto
Embora relativamente desconhecido fora do Vale do Silício, o SVB estava entre os maiores bancos comerciais americanos, com US$ 209 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) em ativos totais no final de 2022, de acordo com o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC, na sigla em inglês — tipo o nosso Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
A falência do SVB ecoa no mercado, pois vem na esteira de outros problemas no ecossistema, como o ‘VC winter’, os resultados ruins de muitas startups, a desvalorização na bolsa de muitas empresas de tecnologia e a onda de demissões em big techs e startups.
Os bancos e fintechs já estavam no radar desde novembro de 2022, em função do chamado “inverno cripto” (onda de forte queda das criptomoedas) que levou à quebra da FTX, a segunda maior corretora de criptomoedas do mundo — atrás apenas da Binance. A FTX chegou a valer cerca de US$ 32 bilhões e, em apenas um dia, foi a zero.
Além da já conhecida volatilidade do mercado cripto e de muitos problemas envolvendo fraudes, o estopim disso foi a alta de juros ao redor do mundo para combater a inflação. Esse fenômeno não impactou somente o mercado cripto, mas a economia global.
A alta de juros por parte do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, tinha como objetivo enxugar a liquidez da economia. Isso elevou o custo do crédito, mas também tornou mais atrativos os títulos do Tesouro norte-americano.
Em meio a isso, na quarta-feira (8), o SVB anunciou que havia vendido vários títulos com prejuízo. A carteira de títulos do SVB era de aproximadamente US$ 21 bilhões (cerca de R$ 100 bilhões) e rendia uma média de 1,79%.
Com a alta de juros, o valor dos títulos caiu, deixando o SVB e outras empresas com perdas não realizadas. No mesmo dia, o SVB anunciou que também venderia US$ 2,25 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) em novas ações para reforçar seu balanço.
Desde então, o pânico tomou conta do mercado. O FDIC entrou em cena para conter problemas ainda maiores e a perda de dinheiro por parte dos correntistas. E, então, o Fed anunciou no domingo (12), a criação de um programa de emergência para conter os efeitos do colapso do SVB sobre o sistema bancário dos EUA. Em comunicado, o Fed afirmou estar preparado para lidar com qualquer pressão de liquidez que emergir.
Há uma crise bancária?
Outro banco, o Signature Bank, também foi fechado pelos reguladores no domingo (12), quando as consequências da implosão do SVB se espalharam para outros credores. Ele já estava nos holofotes dos reguladores desde a quebra da FTX.
Poucos dias antes do prejuízo nas vendas de títulos por parte do SVB, foi a vez de outro banco. O Silvergate, também duramente atingido pela implosão da FTX, disse na semana anterior que estava fechando as portas. A turbulência nos ativos digitais afetou diretamente sua operação.
Essa sequência de quebras lembrou muito o ocorrido em 2008, mas desta vez, com epicentro em empresas ligadas ao ecossistema de inovação. Contudo, há uma diferença bastante significativa. Não se tratam de ativos especulativos — como era o caso dos subprimes.
Agora são instituições financeiras diretamente ligadas a startups e outras empresas de tecnologia que estão sendo diretamente impactadas. Apesar disso, não vemos indícios de uma crise bancária mais profunda.
Apesar do risco de falência de bancos menos capitalizados, em função dos juros altos e de uma possível corrida bancária, a implosão do SVB — e mesmo o Signature e o Silvergate — parecem ter sido episódios específicos. Mas o risco de uma escalada não está descartado, já que é possível que esses eventos impactem as expectativas de muitos players e reguladores.
Consequências e perspectivas
Esses episódios se conectam de uma forma que deve ser observada. A sequência de acontecimentos que decorreram da alta dos juros — desde a queda das ações de big techs até essas falências — são retratos de um fenômeno maior: o intervalo de ajuste da quinta revolução tecnológica.
Esse “intervalo de ajuste” é uma fase de recomposição institucional do ciclo econômico que separa a etapa de instalação de uma revolução tecnológica da etapa de desdobramento ou difusão.
Enquanto na primeira etapa o capital financeiro investe pesado em empresas com alto potencial de lucratividade, na segunda etapa o capital produtivo domina, as empresas se consolidam, passam a gerar mais empregos e a economia volta a crescer.
Entre a primeira e a segunda etapa há uma bolha. Essa bolha, a exemplo do que aconteceu na quarta revolução tecnológica, está acontecendo em episódios isolados — porém, conectados. A “internet mania” da década de 1990 (que se encerrou com a bolha das ponto.com em 2000) e o boom de liquidez fácil da década de 2000 (que teve como resultado a crise dos subprime) são duas faces da mesma moeda.
Esse novo episódio é mais uma página dessa longa história da quinta revolução tecnológica. Nós acreditamos que, até essa etapa (intervalo) chegar ao tão esperado ajuste, mais demissões acontecerão, mais empresas quebrarão e a liquidez continuará escassa no mercado.
O ajuste ocorrerá quando tivemos uma infraestrutura e um ambiente institucional adequados para que as empresas de tecnologia e toda a “cadeia produtiva” ligada a elas possam florescer para uma etapa de sinergia, em que veremos a expansão total da inovação e do potencial do mercado.
E a economia?
Segundo nosso economista-chefe, André Galhardo, a falência do SVB e o fechamento do Signature Bank devem prestar o mesmo serviço que o aumento das taxas de juros por parte do Fed prestaria à economia norte-americana.
Apesar do recente comportamento (de elevação) da inflação e da resiliência do mercado de trabalho dos Estados Unidos, o Fed não deve fugir do que já estava implicitamente prescrito: dois aumentos residuais de 0,25% nas duas próximas reuniões.
O resto da eventual desaceleração da atividade econômica será promovida pelo próprio “encolhimento” do mercado financeiro. Portanto, o ambiente continuará desafiador. Esperemos mais algumas turbulências pela frente.
Se essa turbulência escalar, talvez vejamos uma mudança de postura do Fed e de outros bancos centrais. Até lá, apertem os cintos!
*Franklin Lacerda é economista e CEO da consultoria Análise Econômica (AE).
As opiniões neste espaço refletem a visão de founders, especialistas e executivo(a)s de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
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