Por Luiz Henrique Didier Jr.*, exclusivo para o Finsiders
As últimas décadas foram emblemáticas para os brasileiros. Saímos de um cenário em que uma empresa ou um cidadão tinha muita dificuldade para fazer negócios com o mundo. Atualmente, o cenário é outro. Seja no segmento do e-commerce, streaming, de investimentos e até no segmento de criptoativos, milhões de brasileiros ganharam acesso a produtos internacionais por meio dos pagamentos cross-border.
Porém, até pouco tempo atrás, receber ou enviar uma remessa internacional era sinônimo de complexidade. O câmbio era uma operação estigmatizada. Para os brasileiros, as operações que envolviam câmbio eram pouco transparentes e resultavam em um processo moroso e burocrático.
Na Febraban Tech 2023, tive a oportunidade de discutir a evolução do câmbio e todo o ecossistema relacionado a pagamentos internacionais. O diagnóstico desse quadro negativo para o país, que além de tudo significava dificultar o acesso a produtos estrangeiros para a grande maioria dos brasileiros, apontou duas causas: regulação cambial defasada e a tecnologia ainda pré-digital.
Transformações
O início do século XXI já contava com empresas digitais, como Alibaba, Amazon e Salesforce, que mudavam a forma como comprávamos bens e serviços e como se dava a interação com os clientes. Aqui no Brasil, a internet ganhava terreno, mas ainda tinha baixa penetração e a regulação do câmbio remontava às primeiras décadas do século anterior.
Passados alguns anos, os brasileiros se revelaram ávidos pela internet, desde o consumo de notícias até as redes sociais. Em meio a isso, o e-commerce ganhava espaço no varejo. A regulação relacionada a serviços financeiros também se reinventava. Primeiro no mercado de adquirência com o fim da exclusividade de bandeiras de cartão e operadoras de maquininhas (2010). Em seguida, na constituição do arcabouço das instituições de pagamento (2013). O mercado respondeu com mais apetite para os serviços e bens que circulavam na internet e o país ganhou suas primeiras fintechs.
Revolução digital
Especificamente no mundo de cross-border participamos ativamente da primeira revolução digital. Há pouco mais de 10 anos, os grandes marketplaces chineses faziam sucesso no Brasil, mas as vendas só ocorriam para os brasileiros que detinham cartões de crédito internacionais. Nessa configuração, 90% dos brasileiros não tinham acesso a estes produtos que eram exibidos em dólar.
Com a criação do “rail” de e-commerce cross-border, então, os produtos passaram a ser exibidos em real e a coleta de pagamentos nos métodos locais — inclusive dos boletos — foi integrada ao câmbio numa solução que respondia ao potencial de escala desse mercado. Desta forma, o acesso foi democratizado, o case do e-commerce foi seguido pelo streaming, pelos investimentos, pelo cripto etc. Atualmente as cadeias do agro estão aderindo ao cross-border e às soluções via API.
Toda esta transformação pode ser explicada pela adesão à internet que avançou até superar a barreira de 80% de penetração na sociedade brasileira, acima da média mundial próxima a 60% (McKinsey). No e-commerce, entre 2011 e 2020 o mercado cresceu 367% (Webshoppers – NielsenIQ Ebit). Em relação às fintechs, estas já somam mais de mil organizações no país, destacando-se nove unicórnios, e já tivemos até aberturas de capital (IPOs).
Experiência dos clientes
No painel da Febraban Tech sobre a democratização de produtos em moeda estrangeira, os participantes foram unânimes ao comentar que as melhorias na experiência dos clientes (CX), sejam eles empresas ou cidadãos, promoveram a inclusão de dezenas de milhões de brasileiros. A evolução da regulação cambial (Banco Central) e a economia digital resultaram em processos mais fluidos, reduzindo a complexidade da jornada do onboarding ao fechamento do câmbio.
Agora, as operações cambiais estão disponíveis nos smartphones abrangendo muitos setores, dos serviços à indústria. Investir nas bolsas norte-americanas passou a ser possível para todos os brasileiros com conta de pagamento e um celular.
No Bexs, celebramos muito esta democratização. Nosso propósito é dar acesso ao mundo para os brasileiros e oferecer “mais Brasil” para o mundo. Somos um país continental, com fronteiras extensas e muitas vezes inacessíveis. Menos de 5% dos brasileiros viajam para o exterior. Ou seja, para que nossa população também possa usufruir de produtos internacionais, a revolução via internet e regulação aprimorada, somadas a oferta de processos de pagamentos cross-border, foram fundamentais. Mais de 70% dos e-shoppers brasileiros já compraram em sites internacionais (Webshoppers NielsenIQ Ebit).
Mais competição
A viabilização do mercado e os primeiros cases de sucesso atraíram novos entrantes. Fintechs nacionais e internacionais, grandes bancos, muitos players se voltaram para o cross-border. Recentemente, por meio do novo marco cambial (2022), o BC simplificou o quadro de natureza de transações cambiais, o que vai favorecer a evolução dos produtos e atrair novos entrantes, como as instituições de pagamento. Os grandes vencedores serão os clientes: nossas empresas e nossos cidadãos.
Atualmente, testemunhamos o grande aumento da oferta de contas globais. Fintechs e bancos trabalham ora como parceiros, ora competindo. Do lado da regulação, o BC atua na oferta da CBDC (Central Bank Digital Currency). Em breve, teremos o Real Digital com o melhor da tecnologia blockchain somada à segurança e à interoperabilidade dos bancos centrais. Assim, ganharemos mais velocidade, eficiência (reduzindo processos intermediários) e transparência.
Portanto, acreditamos que o Brasil está bem posicionado e o BC atua na vanguarda, não só no protótipo da nossa CBDC. O próprio Pix é um case mundial. No Bexs, damos boas-vindas a essas mudanças e queremos daqui a alguns anos olhar para 2023 e reconhecer uma mudança tão expressiva como vimos nestes pouco mais de 20 anos do século XXI. O ecossistema cross-border voltado para melhorar a vida dos brasileiros é uma realidade sem volta.
*Luiz Henrique Didier Jr. é CEO do Bexs, banco de câmbio.
As opiniões neste espaço refletem a visão de founders, especialistas e executivo(a)s de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
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