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Moeda digital brasileira deverá ser usada no varejo, e câmbio pode ser diferente do real, diz BC

O Banco Central anunciou hoje (24) a conclusão do Grupo de Trabalho Interdepartamental (GTI), criado para estudar a moeda digital do país, o real digital. Uma das diretrizes para o potencial desenvolvimento de uma moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês), está a previsão de uso da moeda em pagamentos no varejo. A reportagem foi publicada pelo portal BlockNews, parceiro de Fintechs Brasil.

Uma outra diretriz é a de que o BC emitirá a moeda como uma extensão da moeda física. A distribuição ao público terá por intermediação de custodiantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

O coordenador dos trabalhos sobre o real digital, Fabio Araújo, disse em coletiva que a moeda poderá ser lançada num horizonte de dois a três anos. Assim, não se comprometeu com o lançamento em 2022 e para câmbio turismo, como vinha dizendo o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “O cronograma será definido após debate com a sociedade”.

Um outro ponto é se depois do lançamento, o real digital terá um valor de câmbio distinto do real. “É uma questão controversa. Preferencialmente, os BCs adotam a postura de a cotação ser equivalente. Mas temos questões de mercado envolvidas. O físico presta um serviço e o digital outro e poderia ter descolamento entre os preços. Não sabemos ainda se isso (mesma cotação para as duas) será garantido”, explicou o coordenador.

Também não está definido se o BC vai usar blockchain. “Para a escolha da tecnologia, “as balizas tecnológicas são segurança cibernética e interoperabilidade”, completou o diretor.

“Vemos potencial para diversos usos que vão facilitar a vida da população” disse Ribeiro. A seguir, detalhes das informações que o coordenador do BC nesta segunda-feira:

Benefícios para o Brasil

Os principais benefícios potenciais do real digital seria aumentar a eficiência do sistema financeiro, reduzindo custos e aumentando agilidade. Seria mais um instrumento para o sistema de pagamentos, que é a porta de entrada para o sistema financeiro. Haveria redução de custo de numerário, o que é um custo razoável. Há possibilidade de integração internacional para facilitar os pagamentos transfronteiriços e reduzir custos nesse caso também.

Contratos inteligentes e tokens

Um dos pontos principais das diretrizes definidas pelo Banco Central é que precisamos construir um sistema financeiro moderno. E essa seria uma complementação a essas ações de modo a facilitar desenvolvimento de modelos inovadores, como smart contracts (contratos inteligentes), Internet das Coisas (IoT), e dinheiro programável. Isso para chegar a um sistema mais interoperável, aberto e eficiente.

As tokenizações são aplicações possíveis e o BC não quer fechar os casos de uso. São possibilidades apresentadas à diretoria (do banco) e serão opções interessantes. Mas, queremos ouvir mais sem enviesar o discurso, porque o objetivo é uma CBDC q atenda ao sistema financeiro local.

Mudanças na legislação

Antes do lançamento, serão feitas alterações normativas sobre questões como privacidade e segurança do usuário, para se estar em linha em especial com sigilo bancário e Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). As alterações vão incluir também a lei cambial, que já está em discussão e pode inserir o tema do real digital.

Cuidados com a segurança

A solução deve permitir que o Brasil cumpra todos os requisitos de lavagem de dinheiro, prevenção a terrorismo e financiamento de armas de destruição em massa. Mas também permitir pedidos de rastreamento de operações ilícitas. Deverá ter a alta resiliência observada nas estruturas criticas atuais do sistema financeiro.

A segurança para a moeda criptografada tem que ser muito maior para garantir resiliência em operações offline. No primeiro momento, (o real digital) não seria para esse tipo de operação. Seria em operações online e de quem já opera no sistema.

Tecnologia que será usada

A tecnologia deve garantir interoperabilidade com os sistemas brasileiros e os internacionais, além de alta resiliência de segurança. As tecnologias criptografadas são fundamentais para segurança e vão estar presentes. Mas, a categoria vai ser definida nos debates com a sociedade que faremos em seguida. Estamos com conversas com outros países, com provedores de tecnologia, mas estão em definição. E já falamos com Bahamas (que lançou a primeira CBDC do mundo) e com a Mastercard, que forneceu a tecnologia.

A respeito de blockchain, há várias discussões. O BC já fez estes anteriores, é muito útil para gerar confiança entre pessoas que não se conhecem. E tem a aplicação com IoT muito clara, que pode verificar autenticidade da informação. Isso vai facilitar o surgimento de vários modelos de negócios diferentes do que vemos hoje.

Mas, um dos problemas das tecnologias atuais é a falta de sustentabilidade. Para incluir os métodos atuais numa blockchain, tem dispêndio muito grande de energia, que também está sendo tratada. (Questionado pelo Blocknews se o problema de consumo de energia não se aplicaria mais a redes como bitcoin, Ribeiro disse que sim e que estão olhando outras redes).

Novos produtos e serviços

Esperamos que fomente novas relações no mercado, serviços mais dinâmicos, integrados ao ambiente digital. Hoje há operações em ambientes altamente desregulados, como DeFi. Queremos fornecer um ambiente seguro, para que mais pessoas possam desfrutar do serviço.

DeFi é uma opção que esperamos que entre nesse ambiente. Naturalmente se integra a essa moeda e vai alterar o relacionamento das pessoas com serviços financeiros. Estamos preparando o país para um futuro mais tecnológico, que seja mais inclusivo, aberto e interoperável.

Poderia citar outros exemplos com internet das coisas. Como uma geladeira com IoT, que monitora o que tem dentro dela, tem acesso a carteira digital e ela mesma faz as compras. Tudo é certificado pela criptografia e a compra é entregue na sua casa.

O real digital pode permitir o dinheiro programável. Já temos algumas características no sistema brasileiro para fazer transferências com agendamentos. Mas com o real digital, (as opção) são mais amplas, embora no mesmo sentido.

Quando tem real em depósito bancário, esse dinheiro passa para tutela do banco que faz aplicações e uso desses recursos. O real digital é uma opção. O banco pode fazer um atrativo para você manter o deposito. Você pode ter um real físico para transações offline e uma parte em CBDC para ter acesso a novos serviços que esperamos que apareçam no sistema. Não esperamos que real digita acabe com o real físico e em depósitos bancários.

O interesse dos bancos para entrar no mercado (do real digtital) é prover os novos serviços que a moeda digital permite que sejam criados. Vai ter novos serviços.

Custódia do real digital

A maior parte da moeda hoje já é digital. A diferença fundamental é que a do BC é de responsabilidade do BC. É um ativo que as pessoas têm contra o Banco Central e hoje (no depósito bancário) é um ativo que têm contra o sistema bancário. São dois níveis de risco diferentes. A disponível hoje leva o risco da sua instituição, a outra do risco soberano.

A custodia é nos agentes do sistema financeiro, mas seria mais parecido com o que ocorre com instituições de pagamento. O dinheiro é seu, mas está 100% garantido pelo BC no sistema financeiro.

Interoperabilidade

Com relação a parcerias internacionais, estamos em conversas com alguns BCs, participando de discussões no BIS (Banco Internacional de Compensações) e com países nele para se criar um ambiente que mais facilmente interoperável entre os países.

Politica monetária e juros

Sobre política monetária, o BC vê (no real digital) um novo mecanismo de provimento de liquidez. Tendência é isso (CBDC) ampliar a potência do BC. As discussões sobre isso são mais avançadas no exterior.

Sobre sacar uma CBDC em real convencional, a princípio, isso será da mesma forma que hoje (para depósitos). Quanto a captação para operações, isso ainda não está definido.

(Resposta a pergunta do Blocknews sobre quanto do dinheiro no mercado seria real digital). A relação CBDC, papel e depósito bancário ainda está em aberto, não temos um valor para isso. É realmente importante e os pilotos sendo feitos nos países, ou que venhamos a fazer após o debate com a sociedade, vão ajudar a definir o parêmetro. Isso é muito importante e como (CBDCs) não existem, não temos boa referência. Por isso, os BCs estão tentando compreender  melhor os mercados.

Desintermediação bancária

A desintermediação bancária é uma possibilidade. Mas, para isso tem antídotos que estão ligados à alimentação do uso para uma transição para uma economia onde o crédito seja menos dependente da instituição bancária. Precisa, a principio ter limitações para desintermediação.

Como o modelo vai ser de custódia, que é similar ao que as instituições de pagamentos têm hoje, não tem possibilidade de o dinheiro ser usado para outras coisas. A não ser que se faça captação com real digital, o que não está definido. É modelo de emissão do banco e distribuição e custódia pelas companhias de pagamento. Vai ser um passivo direto doBC, por isso não pode operar com esse dinheiro.

Consulta à sociedade

Alguns parâmetros da consulta vão ser definidos. Mas não será uma consulta púbica oficial e sim na forma de seminários. Trataremos de temas pertinentes à CBDC e convidar o público para os eventos e para fazerem perguntas. Em um a dois meses, começamos os seminários, que devem durar de dois a três meses.

Vai ser um menos formal de interação (do que o Reino Unido, por exemplo, que criará grupos). Vai ser com atores do mercado como fintechs, big techs, e bancos. Discutido num formato mais aberto para dar mais visibilidade ao público.

Privacidade

As informações da CBDC serão no mesmo sistema usados para informações de operações normais do sistema financeiro. Temos um grau de resiliência muito elevado, não temos tido problemas sérios nesse campo. A integração com outros órgãos (para compartilhar informações) se dá através de parâmetros legais.

O BC já tem acesso a muitas transações das pessoas, praticamente todas as transações, mas protegidas pela lei. Isso continua valendo para o real digital. Ganha granularidade de informação, mas o uso tem que ser balizado pela legislação vigente. Não há risco nenhum para a sociedade.

*Reportagem atualizada às 13h40 com a entrevista completa do coordenador do BC.